O que a levou a apostar nesta área de estudo?
Creio que foi uma conjunção de fatores que foram convergindo na minha vida e nos quais encontrei um sentido claro: os resultados da aposta nesse caminho de trabalho e pesquisa foram sempre muito positivos, pelo que o discernimento foi sendo natural e convicto. Normalmente, os músicos com formação tradicional de conservatório (e eu, que fiz um mestrado em performance no piano, do mais tradicional, não fui exceção) são renitentes a esta metodologia, pois parece contrariar a tradição do ensino individual, que é de séculos. Porém, o ensino em grupo não se aplica da mesma forma a todas as idades e contextos. Alguns autores mencionam oito tipos de ensino instrumental em grupo. Trata-se de olhar para a realidade no seu todo (pedagógico, curricular e político) e compreender que é necessário alargar a base da pirâmide de seleção dos alunos, melhorando a formação do cidadão comum e fornecendo-lhe possibilidades iguais e justas no acesso à educação artística e musical.
Já são bastantes anos a desenvolver projetos e trabalhos de investigação relacionados com este tema. Que principais preocupações tem tido?
Os conservatórios e academias fazem um trabalho notável através do ensino individual. No entanto, há um problema de raiz. Como é que sabemos que os alunos que frequentam essas escolas são os mais “vocacionados”? Provavelmente apenas tiveram acesso... Ora, um sistema de ensino público não pode funcionar na base da sorte de alguns e do azar de outros. Por isso, é urgente possibilitar a todos o acesso a um ensino prático e real, com instrumentos. “Especialização” deveria significar uma opção consciente na idade certa, após a devida formação. Como afirma Bártolo Paiva Campos, a “vocação” não é um “caminho a descobrir”, mas um “caminho a construir”, e esta recomendação é hoje amplamente corroborada por psicólogos vocacionais como Vondracek, Lerner, Schulenberg ou Guichard.
Que conclusões foram retiradas destes estudos?
Orientei projetos de investigação no terreno e nas escolas, no âmbito de mestrados e doutoramentos. Ensino de piano e flauta em grupo, guitarra, saxofone e cordas, em escolas genéricas e especializadas. Os resultados foram entusiasmantes. Numa escola do ensino genérico de um meio muito pobre, em Gaia, as crianças apaixonaram-se pela música, pediram ao pai à noite para os ouvir tocar e à avó para lhes comprar um teclado na “loja dos trezentos”. Uma criança convenceu inclusive a família e foi para o conservatório. O aumento da motivação é extraordinário e o envolvimento da família também. Alguns pais chegam a agradecer aos professores “o que fizeram pelos seus filhos”, como se aquele direito fosse um privilégio…
Quais são as vantagens da formação musical em grupo?
Qualquer governo pode olhar para esta metodologia com avidez, por motivos pouco nobres. No entanto, temos a sorte de haver vantagens pedagógicas comprovadas há muito em países como os EUA, onde existem universidades equipadas para formação desde o século XIX. As vantagens são as seguintes: maior interação e motivação, metas que se afiguram mais fáceis de alcançar através da aprendizagem por pares, mais experiências de tocar para os outros e diminuição do stress, audição de mais repertório, conhecimento mais profundo da música por se tocar, rotativamente, várias partes, maior socialização e alegria, consciência do nível real de desenvolvimento, por comparação, entre outros.
Tem vindo a aliar os resultados da sua investigação às aulas dadas no Instituto de Educação. Quais os benefícios para os futuros professores e educadores?
Na formação de professores generalistas (educadores de infância e do 1º ciclo), tenho trabalhado o desenvolvimento da literacia musical básica (tardiamente, pois deveriam tê-lo feito em crianças). Os nossos alunos saem da UMinho a ler música e a tocar, com capacidade autónoma de interpretar uma partitura simples para realizar na escola. Já com os professores especialistas de conservatórios, o trabalho é outro, ao nível da pedagogia sobre a “gramática musical” e o seu uso funcional na aprendizagem das crianças.
Algumas sugestões que promovam o ensino da música em grupo?
Estar aberto. Experimentar. Investir no equipamento das escolas, tal como se investe na compra de computadores e outros materiais. Formar professores para isto. Na UMinho, criei há alguns anos a disciplina de
Princípios e Práticas do Ensino Instrumental em Grupo, que coloca os nossos alunos-professores especialistas em vantagem a nível nacional. Acima de tudo, acreditar mais nos frutos da cooperação do que nos da competição. Competir consigo mesmo, cooperar com os outros.
Uma música com o vício do silêncio
Um livro. Evangelho segundo S. João
Um filme. "As Asas do Desejo", de Wim Wenders
Um músico. Johann Sebastian Bach
Uma figura. S. Francisco de Assis
Um vício. Silêncio
Uma viagem. Umbria, em Itália
Um instrumento. Guitarra
Um momento. 1789
Um lema. Liberdade, igualdade, fraternidade
UMinho. Em breve a melhor universidade do país, também nos “rankings”...
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