"A UMinho ainda tem muito para crescer"

28-04-2017 | Fotos/Photos: Nuno Gonçalves

Assegura todas as funções ligadas à secretaria da presidência da Escola de Psicologia, onde está desde a sua criação, em 2009

Trabalha na UMinho desde 1983, tendo em 2002 passado dos serviços administrativos, no Largo do Paço, para o Instituto de Educação e Psicologia, onde ficou sete anos

Começou na Secção de Aprovisionamento e Património e a tarefa inicial, com mais três colegas, foi o primeiro inventário da UMinho

Quem sai de um serviço central para uma Escola ou Instituto não vai preparado para alguns aspetos do trabalho, por isso é necessário aprender a “partir pedra”, refere

Jantar de Natal entre colegas de trabalho, em 2011. “Fiz grandes amizades e guardo tempos de histórias fantásticas”, diz Lourdes Mesquita

Jantar de comemoração do 8º aniversário da Escola de Psicologia, num ambiente descontraído e de amizade.

Lourdes Mesquita entrevistada no seu gabinete da Escola de Psicologia, no campus de Gualtar, em Braga

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Lourdes Mesquita

Nasceu há 53 anos em Nampula, Moçambique. Veio aos 12 anos para Portugal, com os irmãos e a mãe, que levou-a a conhecer a UMinho. Às vezes ia com a mãe aos serviços, no Largo do Paço. Afiava os lápis às funcionárias, que em troca lhe davam blocos de notas, recorda. Entrou em 1983 como tarefeira da Secção de Aprovisionamento e Património e hoje está na Escola de Psicologia… já lá vão 34 anos.



Apesar de ter nascido em Moçambique, as suas origens são portuguesas.
Sim, a minha mãe foi para Moçambique com 18 anos. Nasci e estudei até ao 2º ano em Lourenço Marques [atual Maputo] e depois vim para Lisboa em 1975, com a minha mãe e os meus irmãos. Como voltou para Portugal sem emprego, ficamos em casa de um tio, em Lisboa. Só dois anos depois é que conseguiu trabalho em Braga e viemos para cá. Entrei na Escola André Soares e depois passei para o Liceu Sá de Miranda. Comecei a trabalhar e só mais tarde terminei o ensino secundário, já tinha o meu filho.

Como chegou à UMinho?
O meu marido Jorge, então ainda namorado, trabalhava na Secção de Aprovisionamento e Património da UMinho e eu no escritório de uma empresa de móveis. Em agosto de 1983, estava de férias e nos preparativos para o casamento, que aconteceria em setembro, e recebi uma carta de despedimento. Fiquei sem emprego, mas não deixei de casar! [sorriso] Por essa altura, o Jorge candidatou-se a um emprego no antigo BPA – Banco Português do Atlântico e conseguiu. Libertava-se a vaga dele na UMinho e, por isso, sensibilizamos a sra. Silvéria Louro, que falou com o sr. Viriato Braga, chefe da Secção de Aprovisionamento e Património. Ele aceitou receber-me no serviço e foi assim que entrei na UMinho, em 1983, como tarefeira, na Secção de Aprovisionamento e Património, no Largo do Paço.

Que funções lhe estavam destinadas?
O primeiro inventário da UMinho foi feito por mim e mais três colegas: o Jorge Dias, a Irene Silva e a Lurdes Sousa. Colocámos etiquetas e verificámos todo o material existente na instituição.
 
Fez testes de admissão?
Esse foi o grande embate! [risos] Na secção onde o sr. Braga me recebeu estavam mais três tarefeiros e dois funcionários a trabalhar e, no meio, estava uma secretária mais pequenita, carregada de livros velhos. Percebi que era a minha e pensei: “Estou feita ao bife!” [risos] O senhor indicou-ma e disse-me: “Lourdes, só começa a trabalhar depois de ler estes livros. Só assim estará apta”. Arrumou comigo! [sorriso] Passei oito horas por dia unicamente a ler aquelas obras antigas. Não fazia mais nada. Dava-me uma soneira do caneco! [risos]
 
Do que tratavam os livros?
Eram as “bíblias” para o trabalho que eu ia fazer: continham classificadores, distinguiam todo o material inventariável, o que era ou não era um bem duradouro, o que era de consumo corrente e o que não era de consumo corrente… era tudo “chinês” para mim!
 
Teve que ler tudo?
Tudo. A certa altura perguntei ao chefe se podia levar livros para casa. Expliquei-lhe que eram muitos e demoraria imenso tempo. Tinha que escapar daquela quase tortura! [risos]. Se tivesse que os ler ali, tinha que folhear página a página, para ele ver que eu estava a ler efetivamente. Se os levasse para casa, lia a primeira e a última página, lia o resumo e no dia seguinte, um por um, dava-os como lidos. [risos] Ele concordou. Contentinha, pensei: “Isto daqui a uma semana está feito!” Ao fim de uma semana, disse ao sr. Braga que tinha terminado as leituras, já sabia a terminologia toda e estava pronta para acompanhar os colegas. Respondeu-me: “Não vai acompanhar colegas nenhuns. Vai sentar-se naquela cadeira e vai fazer um teste.” Caí de quatro! Era um questionário imenso, com várias hipóteses. Olhei para aquilo e achei fácil. Fui respondendo, entreguei-lho e corrigiu-o: “Está muito bem, mas isto não me chega!” E, de repente, “sacou” um caderno, todo manuscrito, começando a debitar-me perguntas. Teste oral! Não sei como consegui, mas lá me desenrasquei. Ainda assim, antes de permitir que trabalhasse, disse-me, em tom já de conselho, que havia três palavras ou expressões que eu tinha de fixar, compreender e só depois aprender a dizê-las: “Não”, “Não faço” e “Não sei”. Disse-me que regeriam toda a minha carreira e delas dependeria o meu sucesso profissional.  E a verdade é que ainda hoje penso duas vezes antes de as proferir, em situações que as exigem.
 
Como foi o seu percurso profissional desde então?
Em finais de 1984, fui trabalhar para o gabinete do Administrador, o eng. Aguilar Monteiro. Tive funções de apoio à secretária, a sra. Maria José Gama. Dois anos mais tarde, criou-se um gabinete de apoio à Administração, chefiado pelo dr. José Carlos Henriques, até então responsável pela Secção de Pessoal. Integraram-no também o dr. Manuel Carvalho, que assumiu as funções ligadas à contabilidade, e os dr. António Joaquim Guimarães, eng. António Matos e eng. Granada, para desenvolver toda a estrutura informática da Secção de Pessoal, da Contabilidade e da Tesouraria. Trabalhei diretamente com o dr. Carlos Henriques e o dr. Manuel Carvalho. Fazia muito trabalho de datilografia, nomeadamente os orçamentos a apresentar à Direção-Geral de Orçamentos. Como eram folhas em formato A3, com papel químico [sorriso], tinha uma máquina de escrever com carreto 66! [risos] Houve alturas em que, depois de uma madrugada inteira a trabalhar para ter os documentos prontinhos em cima da secretária do chefe, tínhamos de os refazer devido a alterações, ajustes ou benesses de última hora e que era preciso contemplar. Foram tempos muito marcantes, interessantes e de estreitamento de amizades. [sorrisos]
 
Progrediu profissionalmente?
Trabalhei como tarefeira até 1986. Nesse ano, com a disponibilização de verbas, abriram vagas para o quadro de pessoal da UMinho e entrei como auxiliar administrativa. Dois ou três anos mais tarde passei para 3ª oficial. A partir daí, a UMinho foi evoluindo e crescendo a passos largos. O gabinete dividiu-se, criando-se a Direção de Serviços Administrativos. O dr. José Carlos Henriques assumiu a direção e eu fiquei a assessorá-lo até 2002.

Nessa altura mudou-se para o campus de Gualtar.
Com as eleições para a Reitoria e a reformulação de alguns serviços, fui transferida para o então Instituto de Educação e Psicologia (IEP). Assumi todas as funções associadas à secretaria do Instituto. Na altura, o IEP estava sem secretário, pois o dr. Luís Carlos Fernandes tinha saído para chefiar a Direção de Recursos Humanos. Foi um período muito difícil. Quem sai de um serviço central para uma Escola ou Instituto não vai preparado para o trabalho. Aprende-se a “partir pedra”! Felizmente, tive vários colegas de quem me socorri para conseguir lidar e resolver problemas. Ao fim de dois anos, a secretaria da unidade foi ocupada pela dra. Rosa Cunha e as coisas começaram a desenrolar-se melhor. Até 2009, fiquei responsável pelos assuntos relacionados com os doutoramentos, secretaria e órgãos do Instituto. Nesse ano, deu-se a divisão do IEP e a consequente criação do Instituto de Educação e da Escola de Psicologia. Todos os funcionários escolheram a unidade onde pretendiam continuar a trabalhar e eu optei pela Escola de Psicologia.
 
O que a levou a escolher a Escola de Psicologia?
Era um projeto novo e isso, por si só, aliciava-me! Ao mesmo tempo, sentia que a minha missão no IEP estava cumprida: já tinha aprendido e ensinado muito e, por isso, estava pronta para mudar.
 
Que funções desempenha atualmente?
Estou a assegurar todas as funções inerentes à secretaria da presidência. Dou apoio direto ao secretário de escola, ao presidente e aos órgãos da Escola: o Conselho Científico e o Conselho de Escola e doutoramentos. Estou também a exercer funções na área da divulgação da oferta educativa, em articulação com o Gabinete de Comunicação, Informação e Imagem, e no apoio aos eventos promovidos na e pela Escola.
 
Que momentos ou pessoas foram mais marcantes para si?
Os tempos mais marcantes foram as primeiras semanas na UMinho. Pelas leituras obrigatórias, pela natureza dessa tarefa, pelos testes a que me sujeitei. Nada foi negativo, mas o embate inicial foi um choque! As pessoas que mais me marcaram foram o dr. José Carlos Henriques, a sra. Olga Falcão e o sr. Falcão. O primeiro, por todos os ensinamentos profissionais e pessoais de que me dotou; os três, por toda a entreajuda e companheirismo que demonstraram em fases difíceis da minha vida familiar, quando nem sempre a conseguia conciliar com a vida profissional, nomeadamente no acompanhamento ao meu filho.
 
Que outras recordações guarda?
Lembro-me da Ana Paula Martins, atual secretária da Escola de Engenharia, de quem acompanhei a primeira gravidez. Marcou-me pela quantidade de bolo de bolacha que desejou e que comeu! [risos] Fartei-me de correr atrás das fatias de bolo de bolacha da pastelaria Paula! Fiz grandes amizades e foram tempos de histórias fantásticas. Lembro-me de colaborar com a dra. Maria Francisca Xavier e Luísa Coutinho nas comemorações do Dia da Universidade, de participar na organização dos encontros de universidades, de ir a Viana do Castelo com a Dalila Almeida e a Rosa Rodrigues pedir apoios e lembranças para um desses encontros que se realizou na Quinta do Pires. Chegaram a oferecer-nos perus e tivemos que pedir à Lusitana para os assar!

A Lourdes dá-se à brincadeira com alguma facilidade. Fez alguma gracinha com colegas?
A certa altura começou a trabalhar na Secção a sra. Conceição... não me lembro do apelido. Era habitual pregar uma partidinha de boas-vindas. Num dos seus primeiros dias de trabalho, pedi-lhe para ir à drogaria, que havia em frente ao Paço, ao lado da farmácia Pipa, comprar tinta para selo branco. A senhora foi. Devem ter-lhe dito que não tinham e foi mais abaixo, pela rua do Souto. Também não tinham. Chegou ao serviço com ar meio surpreendido, meio desanimado. “Então deve estar esgotada!”, respondi-lhe. [risos] O sr. Braga, muito sério, chega-se ao pé: “Conceição, tinta para selo branco? Está tudo dito! Vou mostrar-lhe um carimbo de selo branco”. Percebeu que tinha sido enganada. Passei tempos agradáveis, mesmo quando saía do serviço às 6 da madrugada, só para ir a casa tomar um banho, e regressar três horas depois, com um sorriso no rosto. E a verdade é que não custava!
 
Que diferenças nota em relação aos tempos atuais?
Sinto falta de cumplicidade entre as pessoas. Todos nos conhecíamos. As duas primeiras semanas de quem começava a trabalhar na UMinho eram sempre nos serviços centrais: uma semana na parte do pessoal e outra na área financeira. E quando se distribuíam pelos locais de trabalho já conheciam quem precisariam para levar o trabalho a bom porto. Hoje, pega-se no telefone e fala-se vezes sem conta com outra pessoa que não sabemos quem é. Noto também competitividade entre os colegas e dificuldade em dizer: “Não sei. Ajude-me.” Noto alguma ausência de humildade e falta de interesse em saber porque é que uma dada situação se faz ou se resolve de determinada maneira. Nada se questiona. Sabe-se tudo. Porque é assim que se faz há muito tempo e é assim que se deve continuar a fazer. A universidade cresceu, as formas de trabalhar evoluíram e ainda bem que tudo aconteceu assim. Mas algumas pessoas deixaram para trás a entreajuda e a boa vontade em fazer mais e melhor.
 
O que é que as pessoas aprendem com o seu trabalho?
Nem sempre sou uma pessoa fácil de lidar, mas mostro e ensino tudo o que sei, para depois poder ser exigente. Tal como eu, espero que aprendam a dizer “Não”, “Não faço” e “Não sei”. Que aprendam a respeitar o próprio trabalho e o dos outros, para que todos se sintam dignos nas tarefas que executam.
 
 

Em modo chill out

Um livro. O último que li: “Vaticanum”, de José Rodrigues dos Santos.
Um filme. Gosto de ver filmes em casa e prefiro os que têm um fundo de História.
Uma música. Rita Guerra, Xutos & Pontapés e outros. Depende do estado de espírito.
Uma figura. A minha mãe.
Um passatempo. Gosto de ler. Gosto de caminhar. Gosto de estar numa esplanada a beber uma cerveja e a petiscar camarões.
Um gosto. Adoro praia. Adoro o som do enrolar das ondas. Descontrai-me, mesmo que a praia esteja repleta de gente!
Uma viagem. Ir para Moçambique. Ainda está lá alguma coisa de mim. Mas todas as viagens que fiz foram ótimas. Qualquer sítio é bom, desde que tenha praia, que dê para banhar, para passear, para ver gente nova, para provar gastronomia, experimentar sabores, cheiros e cores.
Um prato. Comida indiana. Caril. Quantas mais vezes, melhor!! [risos]
Um momento. O nascimento do meu filho e o consequente acompanhamento da vida dele. Cada fase, cada novidade é uma página que se abre e vai descobrindo. Algumas trazem dor de cabeça, mas tornam-se todas gratificantes.
Um vício. Não sei se considero o tabaco um vício. Já fumei e deixei de fumar várias vezes. Agora já quase não o faço, mas que me sabe bem, lá isso sabe. Nem que seja para apanhar ar e evitar que se parta aquilo que está mais à mão.
Um defeito. Exigente, se calhar em demasia, e teimosa.
Um sonho. Deitar-me num baloiço, entre duas palmeiras, e não pensar em mais nada.
Um lema. Um dia de cada vez e que esse dia seja melhor que o anterior.
A UMinho. A minha casa. Sinto-me "parte da mobília", mas outros que venham fazer mais e melhor, porque ainda há muito para crescer!