Preços personalizados na era digital serão benéficos para os consumidores?

31-05-2017 | Catarina Dias

Rosa Branca Esteves é professora associada do Departamento de Economia da UMinho e investigadora do Núcleo de Investigação e Políticas Económicas. Doutorou-se em 2005 na Universidade de Oxford (Reino Unido)

É na Escola de Economia e Gestão da UMinho, no campus de Gualtar, em Braga, que trabalha há mais de duas décadas

Em março de 2017 foi distinguida com o Prémio de Investigação da EEG. “Foi recebido com bastante satisfação. É sinal que o nosso trabalho é valorizado”, diz, com entusiasmo

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Vender o mesmo produto a preços diferentes será uma das principais estratégias das empresas na era da economia digital, diz Rosa Branca Esteves, Prémio de Investigação da Escola de Economia e Gestão.





Foi distinguida recentemente com o Prémio de Investigação da EEG 2017, pelo artigo “Competitive targeted advertising with price discrimination”, escrito em coautoria com Joana Resende e publicado na revista Marketing Science. Em que consiste o estudo?
Para contextualizar o trabalho importa referir que a utilização crescente de dispositivos móveis inteligentes com conexão à Internet (smartphones, smartwatches, tablets) tornam os dados sobre os consumidores abundantes, omnipresentes e muito mais valiosos. Tudo o que fazemos diariamente deixa um rasto digital que pode ser interpretado e usado pelas empresas na definição das suas estratégias de preços e publicidade. A utilização de algoritmos sofisticados por parte das empresas permitirá prever, também, com bastante precisão a probabilidade de um dado consumidor comprar um certo produto e a quantia que está disposto a pagar para o ter. Esta abundância de dados (big data) e a sua consequente utilização por parte das empresas terá implicações importantes ao nível da concorrência e do bem-estar dos consumidores. Há estratégias de marketing que seriam completamente inviáveis há uns anos e que são hoje possíveis, nomeadamente a prática de preços e publicidade personalizados. É, assim, necessário perceber quem ganha e perde na adoção desta estratégia. Este trabalho premiado parte do pressuposto que nem todos os consumidores são igualmente valiosos para as empresas. Embora alguns consumidores prefiram o produto de uma dada empresa (segmento forte), os demais podem mostrar maior interesse pela concorrência (segmento fraco). A questão central deste artigo é estudar em que medida uma empresa deve publicitar de forma mais intensa junto dos seus clientes ou no mercado da adversária. Outras questões relevantes são: que segmento deve receber o melhor preço? Será que a discriminação de preços beneficia as empresas? O que muda em termos de gastos publicitários por segmento e lucros quando passamos de uma estratégia de publicidade direcionada com preços uniformes para uma estratégia com discriminação de preços?
 
E o que concluíram?
O trabalho revela que publicitar de forma mais intensa no mercado forte depende da atratividade do mercado fraco e da magnitude dos custos de publicidade. O resultado standard na literatura (mais publicidade para o mercado forte) prevalece quando a atratividade do mercado fraco é baixa (independentemente dos custos de publicidade) e quando a atratividade do mercado fraco é alta, mas os custos de publicidade são altos. A razão por trás deste resultado é a tentativa de cada empresa em mitigar a concorrência com base nos preços no seu mercado fraco. O contributo principal deste estudo é apresentar um novo resultado face à literatura existente. Em concreto, concluiu-se que em determinados contextos a melhor estratégia é publicitar de forma mais intensa no mercado fraco, ou seja no mercado da adversária. Esta estratégia é rentável quando a atratividade do mercado fraco é suficientemente alta e os custos de publicidade são relativamente baixos. Nesse caso, cada empresa reduz estrategicamente a intensidade da publicidade direcionada para o seu mercado forte como forma de reduzir a concorrência de preços nesse segmento. Este trabalho também apresenta conclusões úteis no que diz respeito à lucratividade da discriminação de preços, através de publicidade direcionada, identificando as características de mercado que devem estar presentes para que esta estratégia faça aumentar os lucros de equilíbrio das empresas. Assim, mostra-se que as empresas podem beneficiar com a prática de discriminação de preços em mercados onde a atratividade do mercado fraco é baixa (independentemente dos custos de publicidade) ou muito alta, mas com custos de publicidade suficientemente baixos. Quando os custos de publicidade são suficientemente elevados, a discriminação de preços prejudica os lucros e as empresas devem antes adotar uma estratégia de preços uniformes.
 
As operadoras de telecomunicações “ajustam” frequentemente os preços dos seus serviços para captar novos clientes. É um bom exemplo de discriminação de preços?
Completamente! É muito frequente as operadoras tentarem seduzir os clientes da concorrência em final de contrato com mensalidades mais aliciantes. Chegam inclusivamente a propor preços mais baixos a potenciais novos clientes do que àqueles que já estão fidelizados.
 
Estas estratégias beneficiam sempre os consumidores?
Nem sempre. Compreender em que medida a prática de formas modernas de discriminação de preços beneficia ou prejudica os consumidores não é uma tarefa fácil. Existe consenso na literatura económica que em ambientes competitivos com negócios simétricos e com informação completa a prática de discriminação de preços pode beneficiar os consumidores na medida em que a tentativa de as empresas perseguirem cada consumidor no mercado acaba por intensificar a concorrência. Esta “guerra de preços” leva à redução de preços e lucros, favorecendo os consumidores. Em outras circunstâncias, porém, podemos obter o resultado oposto. Em mercados com consumidores não informados, os descontos personalizados podem ser apenas um rótulo convincente para os enganar, levando-os a pagar preços mais elevados. Também é importante ter em consideração que nem todas as empresas têm acesso às mesmas bases de dados e com a mesma qualidade. Há multinacionais como a Amazon que, com acesso privilegiado a bases de dados, conseguem oferecer preços mais baixos, excluindo os adversários (em posição de desvantagem face aos dados). No longo prazo o que hoje é favorável para o consumidor pode vir a ser prejudicial. 



Empresas sem dados sobre os consumidores dificilmente sobreviverão
 
A informação assume um papel importantíssimo na definição de novas estratégias de captação de clientes. Ganha quem tiver acesso a mais dados?
As bases de dados sobre os consumidores são cada vez mais valiosas. Já há entidades que recolhem e vendem este tipo de informação a empresas que querem reforçar a sua posição no mercado. No futuro, uma empresa sem dados sobre os consumidores dificilmente conseguirá sobreviver. As atuais leis de regulação ao nível da concorrência não consideram esta nova realidade do big data. Portanto, é necessário ter em conta esta “revolução tecnológica” na definição de novas leis para a concorrência e criação de agências reguladoras.
 
Ou seja, é cada vez mais difícil concorrer com empresas multinacionais com acesso privilegiado a dados?
Certo! Empresas como o Facebook, a Google e a Amazon sabem cada vez mais sobre nós e assumem uma posição dominante no mercado de dados. No ano passado, a Amazon captou metade dos dólares gastos em compras online e a Google e o Facebook representaram a quase totalidade do crescimento da receita em publicidade digital nos EUA. Estas empresas assumem posições dominantes na era da economia digital, com potenciais riscos para a concorrência e consumidores. É, por isso, importante que a teoria económica avance no sentido de oferecer às entidades reguladoras novos referenciais adaptados à realidade da economia do big data. Por exemplo, na avaliação de uma fusão as entidades reguladoras devem estar atentas às implicações que decorrem da junção de bases de dados. Um estudo que desenvolvi em parceria com Helder Vasconcelos (Universidade do Porto) avalia uma fusão entre empresas, olhando para as bases de dados como um ativo importante. Neste trabalho pioneiro mostra-se que pode haver margem para melhorar as regras utilizadas pelas agências de concorrência para investigar os potenciais efeitos anticompetitivos das fusões horizontais. É preciso discutir em que medida alguma informação deve ser partilhada entre empresas, com o consentimento dos indivíduos. Esta é uma abordagem que a Europa está a adotar, por exemplo, nos serviços financeiros, exigindo que os bancos tornem os dados dos clientes acessíveis a terceiros. 
 
Tem outros projetos em mente?
Tenho em curso um projeto, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que visa investigar as implicações do big data ao nível da concorrência em outros sectores económicos, para além do retalho. Mais concretamente, pretendo estudar a utilização de bases de dados nos setores da saúde e das seguradoras. Adicionalmente, acabo de submeter ao concurso atual da FCT, juntamente com Joana Resende, um projeto relacionado com a Indústria 4.0.
 
Quando decidiu enveredar para esta área da discriminação de preços?
A minha tese de doutoramento foi dedicada ao tema. Na altura parecia ser uma área super utópica. Não existia este desenvolvimento das tecnologias da informação e do acesso à internet pelo que era difícil justificar certas estratégias. Não havia tablets nem smartphones. As pessoas não acreditavam que seria possível um dia as empresas adotarem estratégias personalizadas. Estas estratégias eram apenas um exemplo possível em teoria. Felizmente deixei de ser uma utópica [risos]. Há cada vez mais empresas a atuarem desta forma. No futuro próximo tudo será personalizado (alimentação, vestuário, tratamentos, entre outros).