Decidiu fazer um mestrado após entrar na reforma. Porquê?
Senti a necessidade de continuar a ter atividade intelectual. Estava reformada há dois anos e percebi que se não fizesse alguma coisa ia começar a atrofiar [risos]. Escolhi o
mestrado em Português Língua Não Materna - Português Língua Estrangeira e Língua Segunda. O meu objetivo era fazer apenas a parte curricular. Só avançaria para a dissertação se encontrasse um tema que pudesse ser aplicado na prática do ensino. Em 2014/15 vi o anúncio de um curso online sobre gamificação - aplicação de elementos e técnicas de jogos em contextos não lúdicos, como o ensino. Gostei do tema, mas hesitei por eu não ser da era dos nativos digitais e por dominar muito pouco as tecnologias. Acabei por avançar, com a ajuda dos professores Pilar Barbosa, do
Instituto de Letras e Ciências Humanas da UMinho, e Jorge Simões, do
Instituto Superior Politécnico de Gaya, responsável pelo curso que despertou o meu interesse pelo tema. O modelo que propus pretende ajudar os estrangeiros, através do recurso a novas tecnologias, na aprendizagem do português europeu, principalmente com os pronomes clíticos. É sabido que estes pronomes têm características muito próprias, o que dificulta a aprendizagem da língua. As Tecnologias de Informação e Comunicação [TIC] oferecem atualmente excelentes condições para a aprendizagem das línguas, mas este potencial requer trabalho específico e cientificamente orientado na criação de tarefas promotoras da aprendizagem. Este foi o cerne do meu trabalho nesta dissertação.
Acha que as TIC são subaproveitadas no ensino?
Diria que sim. As tecnologias têm grande potencialidade no ensino. As novas gerações já não se identificam com o método que vem de trás. É preciso modernizá-lo. Não tem havido renovação de docentes para inovar: os que entram, sendo poucos, não têm força suficiente para o fazer. É uma pena.
Como foi lidar com gerações mais novas?
Dei-me muito bem com a juventude. Era a mais velha da turma, tinha colegas a rondar os 40, 50, mas a maioria estava na casa dos 20, 30 anos. Não tive problemas em adaptar-me e já conhecia bem o espaço. Podia ter tido equivalência a três unidades curriculares, mas não quis. Queria frequentar as aulas, aprender. A minha experiência como docente foi uma mais-valia para o grupo. Quem não tinha formação ou experiência na área do ensino nem sempre percebia a importância de algumas partes da matéria lecionada no mestrado. Os colegas ajudaram-me muito com a parte mais tecnológica.
“Fomos verdadeiros agentes de mudança no ensino”
A entrevista está a decorrer na Reitoria, no Largo do Paço, onde começou a ter aulas em 1975. Recorda-se como foram os primeiros dias?
Fiz parte das primeiras turmas desta Universidade. Tinha o número mecanográfico 135. Quando ingressei na licenciatura em Ensino de Português-Inglês já era monitora da telescola. Uma das melhores iniciativas em termos de facilitação do acesso à educação em Portugal e que teve reflexo no mundo. Foi adotada pela
UNESCO e levada para outros países. Se não tivesse sido a telescola muitas pessoas teriam ficado apenas com a quarta classe. As aulas eram de grande qualidade e constituíram uma oportunidade de aprendizagem para mim que foi complementada e aprofundada com a licenciatura. A acumulação do trabalho como monitora e aluna universitária permitiu-me acompanhar na prática as teorias de que ia tomando conhecimento. A UMinho foi das primeiras instituições do país a oferecer cursos vocacionados para o ensino (Português-Inglês, Português-Francês, Matemática, Físico-Química e História). Estes cursos já integravam no currículo a componente pedagógico-didática, o que não acontecia nas universidades clássicas.
Como reagiu quando soube que a UMinho ia abrir?
Fiquei muito contente, principalmente por causa da licenciatura em Português-Inglês. Era tudo o que gostava! Cada curso tinha 30 vagas. Candidatei-me e fui selecionada. Saiu-me a sorte grande, porque me veio bater à porta o que mais queria e que teria de ir buscar longe. A Lisboa, por exemplo. No início foi um pouco complicado. Trabalhava em Santa Maria do Bouro (Amares), um local isolado com apenas duas camionetas diárias para Braga. Tirei a carta de condução e comprei um carro para facilitar em termos de mobilidade. A maioria dos meus colegas também trabalhava. Recordo-me de haver uma grande confusão com os horários. O Largo do Paço não tinha salas suficientes para colocar todos os cursos a funcionar em simultâneo. Havia desdobramento: os de Ciências eram de manhã, os de Letras decorriam de tarde. Muitos trabalhadores-estudantes tinham coincidência de horário. Era o meu caso. Lutámos até conseguirmos duas coisas: alternar anualmente os horários e fazer com que fosse possível frequentar as cadeiras pedagógicas com colegas de outros cursos. Com o decorrer do tempo, as aulas foram-se dispersando por diversas salas, em diferentes pontos da cidade, até entrarem em funcionamento as instalações da rua D. Pedro V, onde se encontra hoje a
Associação Académica. As instalações eram um luxo [risos]! O campus de Gualtar nasceu só mais tarde. Éramos uma família, conhecíamo-nos todos. A relação com os professores era muito diferente. Guardo boas recordações dessa altura. Foi uma experiência única!
Entrou na UMinho logo a seguir à revolução do 25 de abril de 1974. Na altura não era habitual as mulheres frequentarem o ensino superior.
Por cá, já se viam muitas mulheres. Nos cursos de Letras eram predominantes, como acontece na atualidade. Havia pessoas de todas as idades. Da minha turma faziam parte pessoas que continuam na academia: Rui Vieira de Castro, candidato ao cargo de reitor, e Licínio Lima, professor catedrático do
Instituto de Educação. Foram colegas de curso e de estágio.
Foi muito diferente ser aluna em 1975 e agora?
Era mais difícil há 40 anos. Muitas pessoas tinham de conciliar entre o trabalho, os filhos e a universidade. Durante a licenciatura casei e tive os meus dois primeiros filhos. O acesso à informação era limitado, as bibliotecas eram pequenas e havia apenas uma fotocopiadora no edifício da rua D. Pedro V. Em termos de avaliação, creio que também era mais apertado. Ainda assim, ter uma licenciatura era garantia de emprego. Não era como hoje. As primeiras levas de licenciados da UMinho mudaram o panorama do ensino a nível nacional, sobretudo no Norte. Chegámos ao mercado com uma preparação pedagógico-didática e de gestão que não se via nos graduados das universidades mais antigas. Fomos verdadeiros agentes de mudança.
Foi bom voltar?
Claro. Sempre foi a minha academia.
Está a pensar continuar a sua formação? Quem sabe fazer um doutoramento dando continuidade a este projeto?
Já dei a minha contribuição para a causa pública [risos]. Demorou-me dois anos a criar este modelo. Foi preciso ler imenso e cruzar várias áreas do conhecimento. Agora é necessário que alguém mais novo e com muita garra queira empurrar o projeto para a frente. A professora Pilar Barbosa bem me dizia que este tema dava um excelente projeto de doutoramento [risos]! Concordo em absoluto, mas terá de ser para pessoas mais jovens que consigam acompanhar o seu desenvolvimento. Deverá ser implementado em parceria com as áreas das ciências da educação e da tecnologia. O futuro do ensino passará necessariamente por aí e as universidades são imprescindíveis na promoção e monitorização desse processo de mudança.