Crianças preocupadas com o planeamento do seu futuro são mais disciplinadas

16-10-2017 | Nuno Passos

No XIV Congresso Internacional Galego-Português de Psicopedagogia, realizado de 6 a 8 de setembro de 2017 na UMinho

A equipa de Desenvolvimento Vocacional e Aconselhamento do CIPsi - Centro de Investigação em Psicologia da UMinho

As crianças devem ser estimuladas a descobrir as diversas profissões, salienta a psicóloga (foto: canguruonline.com)

Criança testa as suas competências em Famalicão, um concelho exemplar no país ao nível da educação em rede colaborativa

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Os mais novos interessados no planeamento da sua carreira têm menos dificuldades de aprendizagem e são mais bem comportados, curiosos e responsáveis, diz Maria do Céu Taveira, da Escola de Psicologia.




A professora, que coordena vários estudos em escolas do Vale do Ave, Vila Nova de Gaia e Amadora, considera que os planos de carreira devem ser feitos em contínuo, abertos a diversas hipóteses e alheios a pressões excessivas da família e da sociedade. A responsável realça que a preocupação com o emprego é notada com muita frequência nos contextos de aconselhamento, inclusive nos pais, contribuindo para o afunilamento das escolhas. Por outro lado, acha prioritário trabalhar os sentimentos de autoeficácia dos menores em áreas como a matemática.
 
Céu Taveira investiga há 36 anos sobre desenvolvimento vocacional, em diversos contextos e idades, mas nos últimos anos tem apostado nas faixas etárias dos 0 aos 14 anos. É uma fase decisiva da vida, quando são construídos os primeiros autoconceitos de carreira, os interesses, as competências de planeamento, as competências de tomada de decisão e as expetativas de eficácia. “Gerir a carreira não deve ocorrer só no fim da adolescência, na vida adulta ou a transitar para a reforma, começa muito antes”, explica. Na verdade, as crianças revelam desde cedo atitudes sobre o futuro, isto é, para se ser profissional em certa área é preciso antecipar a organização e estudar bastante. “Os mais novos já expressam escolhas de profissões – ainda fantasiosas e que não devemos contrariar –, que vão sendo mudadas à medida que têm novas experiências”, contextualiza.
 
A equipa de Céu Taveira envolve mais de três dezenas de investigadores e estudantes de mestrado e doutoramento da Escola de Psicologia (EPsi), a desenvolver pesquisa aplicada no Centro de Investigação em Psicologia (CIPsi) e na Associação de Psicologia da UMinho, tendo o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e a parceria da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento da Carreira. O grupo segue há vários anos, em especial, a Comunidade Intermunicipal do Ave. Nestes oito concelhos está a aplicar um novo modelo de avaliação e intervenção vocacional a 4000 alunos do 9º ano, entre outros programas-piloto. No caso de Famalicão, o trabalho personalizado em rede, unindo investigação a uma política próxima e interligando questões escolares com a carreira, foi já elogiado pela Direção-Geral de Educação.
 

Não devemos negar possibilidades de carreira a uma criança
 
Um aspeto relevante dos estudos realizados é que os alunos dos 9 aos 13 anos que atribuem maior importância ao planeamento da carreira têm mais facilidade de aprendizagem, disciplina, concentração e interesse em saber o que fazer para alcançar os seus objetivos. “Se o aluno mal desenvolveu competências de decisão ou não investiu em imaginar cenários, fica limitado. E planificar não é pensar apenas em uma hipótese de carreira, mas sim ter várias, antecipar cenários e, assim, estar mais bem equipado, saber assumir algum risco e passar à ação”, anui Maria do Céu Taveira.
 
A ciência mostra que os pais são quem mais influencia as nossas aspirações ao longo da vida, até quando não os conhecemos, mas ouvimos falar deles e sabemos o que faziam/pensavam. E quando a influência é realizada de forma “musculada”? “Dizer ou deixar pensar ‘Se gostasses de mim, seguias esta profissão… que considero melhor para ti’ pode ser um problema, porque não favorece autonomia e o planeamento nos alunos. O equilíbrio é: ‘Não concordo, mas confio em ti e, se já te esclareceste bem sobre esta escolha e é isso que queres, apoio-te e iremos avaliando como corre’”, devolve Céu Taveira, lembrando que a carreira é um caminho e um processo afetivo, relacional, que necessita de atenção, apoio e compreensão dos que mais gostamos, já que quem traça um caminho sozinho e sem suporte pode ter mais dificuldade em singrar: “Vivemos numa sociedade democrática, com liberdade de escolha, e há ações e discursos vistos como pressão e com pendor demasiado negativo, e isso não é bom. Familiares, professores, amigos e técnicos devem estar atentos, mas também políticos e media, que criam expetativas à sociedade”, acrescenta.

A empregabilidade é um termo/conceito que os psicólogos têm vindo a admitir nas investigações. A ideia da empregabilidade das vias e cursos é cada vez mais comum em discursos e no aconselhamento com os menores, que a “assumem como preocupação, por vezes exagerada”. “Há amigos e, sobretudo, pais a sugerirem outros projetos de vida quando veem um curso com taxas de empregabilidade baixa. Está-se a pedir aos adolescentes de 13, 14 anos para traçarem um plano de forma pouco inteligente, tendo em conta as caraterísticas tão mutáveis do mundo profissional e do emprego atuais, ignorando que eles próprios vão mudando, o mundo também e fecham-se portas a outras oportunidades e experiências, por vezes, curiosamente, diminuindo a empregabilidade destes jovens à saída da escolaridade obrigatória ou superior”, enumera. A título de exemplo, explica que não é possível comparar de forma simples a carreira e as saídas de medicina, por exemplo, com as de engenharia, música ou advocacia.



Como evoluem as opções de vida nas idades precoces
 
Céu Taveira aceita que as meninas têm maior maturidade do que os rapazes em vários casos, mas as decisões de carreira são encaradas de forma idêntica e há etapas que podem ser definidas. A exploração que as crianças até aos 6 anos fazem do seu ambiente, nas suas brincadeiras com bonecas, jogos e heróis, leva-as a expressar já opções de carreira fantasiosas, que remetem para prestígio, brilho, ação e poder. Valorizam e imitam o que observam/admiram e não propriamente o que são mais capazes de fazer: querem ser a cabeleireira ou o médico com muitos apetrechos, o astronauta que vai à lua, o futebolista ganhador.

Ao transitarem para o 1º Ciclo, adotam uma visão mais realista, formulando escolhas com base, por exemplo, no que experimentam e gostam e naquilo que consideram apropriado para mulheres e homens. E aos 10-13 anos baseiam-se muito no sentimento de autoeficácia, nas capacidades e interesses já experimentados e no que conhecem do mundo escolar e profissional. Gostam da atividade ao acharem que são mais capazes de a realizar, o que determina a sua imaginação sobre o futuro. Assim, por exemplo, se não gostam de física, podem recuar e desistir de um sonho de infância, como “ser astronauta”.
 
É curioso verificar que o sentimento de autoeficácia das raparigas por áreas como a matemática já é menor em idades precoces, podendo afetar o tipo de cursos que irão escolher. Quanto aos rapazes, tendem a ser mais confiantes, mas podem investir menos na exploração de carreiras, o que também os condiciona e pode levar a escolher apenas vias tradicionalmente ligadas ao seu sexo. Aliás, continua a investigadora da UMinho, já a partir dos 3 anos, as crianças sentem nas conversas de casa, da escola, dos media uma determinação do que parece ser mais adequado para cada sexo – e esses discursos podem contribuir para que os jovens limitem ainda mais as suas escolhas em termos de ensino obrigatório, superior, trabalho, lazer, modos de vida; enfim, da sociedade que somos.
 

 
Poupar dinheiro para o futuro filho se diplomar
 
Céu Taveira considera que pode ser benéfico investigar a gestão da carreira antes de a criança nascer. A ideia é trabalhar, por exemplo, com as expectativas que os pais têm para os seus futuros filhos, as visões do que é ser menina ou menino, se têm meios para lhes proporcionarem um bom futuro, se um curso superior é essencial ou não. “Há casos de casais a pouparem já dinheiro para os futuros filhos poderem seguir para a universidade”, nota.
 
A sua equipa avalia ainda populações específicas, como mães solteiras, jovens em instituições de acolhimento, ou refugiados, e às vezes adapta programas de atuação à medida de cada um. Atualmente aplica também, nos municípios de Fafe e Póvoa de Lanhoso, modelos de aconselhamento para adultos desempregados, com poucos estudos e longe da idade da reforma, que querem reabilitar-se psicologicamente e terem energia e otimismo para reelaborar um plano de carreira. Entretanto, e para alunos universitários, está em curso e avaliação continuada, o “Seminário de gestão pessoal da carreira”, com seis sessões em cada semestre, ensinando-os a preocuparem-se com a carreira de forma antecipatória e passo a passo. As inscrições estão abertas.
 
A UMinho tem um percurso consolidado na investigação sobre desenvolvimento da carreira, ao nível de projetos, bolsas, espaços, eventos e distinções. Na formação inicial e pós-graduada, o currículo tem sido adaptado ao longo dos anos, enquanto projeto coletivo, e a área da carreira reduziu na carga horária e nas opções, o que Céu Taveira espera que se inverta em futuras revisões, sensibilizando assim mais alunos e investigadores para o ramo.
 

Sul da Europa requer políticas comuns na carreira
 
Os países do Sul da Europa necessitam de políticas comuns na gestão da carreira, face às vulnerabilidades e contextos similares, segundo o novo livro “Career Guidance and Livelihood Planning across the Mediterranean”, publicado pela Springer. A obra coordenada por Ronald Sultana, da Universidade de Malta, procurou refletir a realidade de 14 países do Mediterrâneo, na ressaca de uma crise socioeconómica. O nosso país foi analisado na obra por Maria do Céu Taveira, com o capítulo “Career Education and Guidance Services in Portugal”.
 
A investigadora concluiu que houve “avanços evidentes” no pós-25 de Abril, com mais meios e com atendimento para públicos diferenciados. Porém, muitas escolas nacionais permanecem sem técnicos para apoiar alunos, professores e pais e, além disso, falta articular serviços para adultos, que até proliferaram entre municípios, IEFP e gabinetes de empresas. A ideia é haver uma rede colaborativa de profissionais, permitindo tratar e encaminhar problemáticas de um cidadão desde a fase escolar à adulta. “Urge melhorar esta rede institucional, tem que ser por ação governativa”, anui Céu Taveira. Por outro lado, apesar dos esforços da Direção-Geral da Educação, “falta uma política mais forte de desenvolvimento vocacional, dirigida aos serviços e profissionais, mas também às necessidades dos utentes”.
 


Nota biográfica
 
Maria do Céu Taveira nasceu no Porto, é licenciada e mestre em Psicologia pela Universidade do Porto e doutorada em Psicologia da Educação pela UMinho, onde é professora auxiliar do Departamento de Psicologia Aplicada, investigadora do CIPsi e colaboradora da Associação de Psicologia (APsi). Centra os estudos na psicologia escolar e da educação, em especial na exploração vocacional, tendo mais de 150 livros, capítulos de livros e artigos científicos.
 
Coordena a linha temática “Desenvolvimento Vocacional e Aconselhamento” na Unidade de Investigação Aplicada em Aprendizagem, Instrução e Carreira do CIPsi, bem como o projeto “Carreira e Cidadania: Condições Pessoais e do Contexto para o Questionamento Ético de Projetos de Vida”. É presidente da assembleia-geral da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento da Carreira (APDC), que fundou há seis anos com a sua equipa de doutora(n)dos, dedicando-se a formação, consultoria, estudos e publicações. A professora venceu o Prémio EPsi Interação com a Sociedade (2012), o 2º lugar do Prémio Nacional de Empreendedorismo (2008) e a menção honrosa do Prémio Nestlé de Nutrição (2004). É membro da National Career Development Association (EUA), entre outras.
 
Chegou à UMinho em 1991, para a equipa fundadora do Departamento de Psicologia, na rua Abade da Loureira, que hoje alberga o Arquivo Distrital de Braga. O então chamado Instituto de Educação e Psicologia passaria daí e do Edifício dos Congregados, também no centro de Braga, para o campus de Gualtar, junto à Biblioteca Geral. Já no final da década passada, a Escola de Psicologia tornou-se autónoma e ganhou “casa” própria, na ponta sudoeste do campus.