Os desafios mais difíceis são financiar a investigação, obter dinheiro suficiente.
Sim, certamente, mas a sociedade na Europa e no mundo perdeu a fé de a universidade dever trabalhar na geração de novas ideias para o bem da sociedade - e a sociedade deve apoiar isso. Perdemos esse conceito que impulsionou as universidades europeias nos últimos 50 anos. E há cada vez mais e mais universidades a querer que os cientistas dependam da indústria. Se fizermos isso, serão conduzidos pelos objetivos da indústria, que são principalmente o lucro, e não para combater as doenças humanas. Isso é intelectualmente destrutivo para as universidades. Claro que o papel da indústria é muito importante na investigação médica, por exemplo, mas é preciso regulamentação de mercado. Para mim, as universidades devem liderar o processo de pesquisa e dirigir a agenda intelectualmente para a indústria, em vez de perguntar a esta o que precisa. Mas para isso é preciso que os governos deem financiamento adequado às universidades, para a investigação básica. Portanto, as universidades devem ter mais confiança em si mesmas e divulgar-se para a sociedade. Esta geração de novas ideias é para o bem da sociedade, que assim deve investir nas universidades.
Os países em desenvolvimento têm grandes problemas, como a malária e doenças infecciosas. Mas a obesidade, a diabetes e o tabagismo na África e na Ásia estão a ser impulsionados pelo capitalismo, anunciando às pessoas a vontade de ter estilos de vida ocidentais, como fumar cigarros e comer em grande quantidade. A indústria precisa ser regulada da forma correta. A melhor regulamentação do mundo é da União Européia, que assim pode demonstrar e pressionar como o marketing pode ser regulamentado no chamado Terceiro Mundo. Este é um exemplo porque estou muito infeliz com o meu país, pela forma como está a abandonar a UE. O
Brexit é uma estupidez.
"O Brexit é um desastre"
Pode explicar melhor o que pensa sobre o Brexit?
O Brexit foi um referendo que foi mal informado. As pessoas a favor disseram mentiras na campanha. A ala direita do Partido Conservador usa isso para dizer que sem esse voto perdemos em democracia, mas, na realidade, é assim que eles podem ganhar poder e aproveitaram a nostalgia de todo o Império Britânico, que se foi, tal como o Império Português. Estamos politicamente paralisados ??no Reino Unido com o partido da oposição, o Partido Trabalhista, sem uma direção clara. Com a ala esquerda do Partido Conservador sem poder e uma liderança muito, muito fraca, acho que estamos a entrar num desastre.
É irreversível?
Penso que é reversível se houver um colapso político no Reino Unido, permitindo uma eleição geral, na qual as pessoas podem votar e dizer: "Pedimos desculpa, queremos regressar à UE". É o que eu quero que aconteça. A minha nacionalidade é: em primeiro lugar, europeia; em segundo, de Yorkshire (nasci em Sheffield, Yorkshire, no norte da Inglaterra); e em terceiro, britânico.
E quanto a um novo referendo?
Esse não é o caminho certo. O referendo anterior foi decidido em 50% e mais um voto para passar. Na maioria dos países, um referendo de questões constitucionais define-se com uma maioria de dois terços. Por isso, precisamos de uma nova eleição e os membros eleitos do Parlamento devem decidir voltar para a UE. É no Parlamento que se faz a discussão democrática séria sobre certos temas que as pessoas não entendem completamente. Digamos que sou bastante radical em relação ao Brexit.
Os académicos em geral são contra o Brexit.
Sim, certamente. A minha investigação principal está a ser feita com financiamento da Comissão Europeia e que me permitiu coordenei vários projetos europeus de investigação. Se o Brexit acontecer, não terei mais acesso ao financiamento europeu. E, mais importante, mesmo se tivéssemos uma relação com a UE no modelo da Noruega, não poderia liderar projetos europeus. Não faz sentido. O Reino Unido não ganha nada com o Brexit. É um exercício egoísta de poder por um pequeno grupo. Atualmente, todas as previsões econômicas do Reino Unido são más.
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O ser humano é a máquina molecular mais complexas ou algo qualitativamente diferente?
Ah, sim, eu escrevi sobre isso no jornal "
Standpoint". Creio que o ser humano tem uma alma, que desperta de uma complexidade da evolução humana. Refleti muito sobre isso após ler um livro do filósofo medieval João Duns Escoto. Não acredito que precisamos de Deus para criar uma alma. A alma desperta naturalmente e é independente do corpo - e é isso que me faz escrever poesia, amar uma mulher, gostar de arte, ser altruísta, ter motivação.
O que pensa sobre Deus?
Não creio que Deus seja a causa direta de como o universo existe. Mas se pensarmos nas condições científicas necessárias para que o Big Bang tenha funcionado, então certa constância como a velocidade da luz, o valor de Pi, o número de Avogadro... Deus é pelo menos essa constância que foi necessária para causar o Big Bang. O que mais é além disso, eu não sei.
É curioso que, em primeiro lugar, formou-se em Filosofia na Espanha e depois foi professor de Medicina na Austrália. Como um médico pode combinar investigação, ensino, empreendedorismo e, de alguma forma, poesia e filosofia... tudo ao mesmo tempo?
É bastante fácil, porque gosto de tudo. Nunca pergunto como divido o meu tempo. É fácil fazer uma combinação de coisas difíceis, porque gosto delas.
Criou o Concurso Anual para Estudantes de Medicina e Engenharia de Yale e do UCL, oferecendo 1000 libras de prémio. Disse que o ensino da Medicina em ambos os lados do Atlântico "está a tornar-se como uma fábrica" e os alunos correm o risco de tornar-se "intelectualmente brutalizados", por isso devem seguir uma "exploração paralela dos ritmos e dos mistérios do coração humano". Como vão as coisas?
Muito bem. Vamos publicar em 2019 um livro pela UCL Press com os 100 melhores poemas dos primeiros cinco anos desta competição. É muito emocionante e há poesia muito boa. A minha ideia era tentar fazer os estudantes de Medicina pensar e sentir sobre coisas que apenas os estavam a "brutalizar", como biologia molecular, dissecar o corpo humano, lidar com a dor humana ou o cancro. Na primeira edição, esperava 10 a 20 candidatos, mas tivemos 119! Foi fantástico. Acho que nossos alunos têm muito potencial que não reconhecem, por isso os professores devem desafiá-los a vários níveis.
Nas suas aulas de Medicina, há algum poeta que possa tornar-se famoso?
Isso é sempre possível, mas só o tempo o dirá. Um poeta raramente é reconhecido durante a sua vida. Primeiro temos que ver se o livro será bem recebido.
Como considera que a ciência e o ensino superior portugueses evoluíram nos últimos anos?
A ciência portuguesa está a competir muito bem a nível europeu, porque a ciência precisa financiar a sua massa crítica. Penso que o futuro da ciência portuguesa é em rede com parceiros europeus, como no caso do Discoveries CTR. Há também cientistas portugueses que trabalham no Reino Unido e noutros países. Por outro lado, Portugal é um país bonito e deve incentivar mais cientistas estrangeiros a virem e aí trabalharem.
Portugal está a receber mais estudantes internacionais e, também, jovens pesquisadores.
Sim, mas eu queria dizer investigadores e professores seniores, talvez da Alemanha ou da Escandinávia, para virem e ficarem durante um ou vários anos em Portugal.
Deseja deixar uma mensagem final para os alunos?
Façam as coisas que gostam, porque assim vão fazê-las bem.
E para os professores e investigadores?
Sejam otimistas. É um momento difícil de financiamento, porque muitas universidades estão a tentar viver sob um modelo de negócio, o que não se encaixa bem. A minha mensagem é para resistirem a esse modelo e certificarem-se que a função criativa da universidade e o seu ensino é melhor realizado quando vocês desenvolvem novas ideias e projetos.
Curiosidades
Um livro. O meu livro favorito é "O Deserto dos Tártaros", do italiano Dino Buzzati. Acabei de ler "Cus de Judas", de António Lobo Antunes. Fiquei muito impressionado com a linguagem, a analogia constante nas suas frases longas e a história.
Uma música. Adoro Wagner. Todos os anos eu vou a Bayreuth, na Alemanha, para o Festival de Wagner. A minha música preferida é "Marietta's Lied", da ópera "Die tote Stadt", de E.W. Korngold.
Um filme. Há tantos filmes ... Talvez "O Sol Enganador", do russo Nikita Mikhalkov.
Uma viagem. Na Argentina, com o meu irmão Michael, a andar a cavalo com gaúchos pelas pampas. Já o fiz três vezes.
Um desporto. Faço o meu desporto sentado ...! [sorriso] Bem, ando a cavalo, navego num pequeno barco e vejo cricket.
Uma personalidade. Sir James Black, Prémio Nobel de Medicina. É uma inspiração, inclusive pela sua honestidade e integridade.
Uma curiosidade. Ao domingo gosto de ficar de pijama até as três da tarde! [risos]
Um desejo. Escrever um bom romance. Já tentei, mas ainda não está pronto. O título é "A fé das mulheres eslavas do sul". Trata-se do relacionamento entre um padre católico e uma médica de muçulmana em Sarajevo, na Bósnia e sobre o Vaticano a tentar bloquear a entrada da Turquia na UE.
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