Prémio de Mérito Científico entregue a José Manuel González-Méijome

19-02-2018 | Pedro Costa

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Galegos e minhotos são irmãos separados no berço, diz o diretor do Laboratório de Optometria Clínica e Experimental da UMinho. Tem dupla nacionalidade e é uma referência internacional na área.




Nascido há 41 anos em Lalín, na Galiza (Espanha), González-Méijome diplomou-se em Ótica e Optometria pela Universidade de Santiago de Compostela e doutorou-se em Ciências pela UMinho, onde leciona há 17 anos e é professor catedrático. Nesta academia coordena o Laboratório de Investigação em Optometria Clínica e Experimental (CEORLab), o doutoramento em Optometria e Ciências da Visão e o Departamento de Física. Já foi vice-presidente da Escola de Ciências e diretor do mestrado em Optometria Avançada.

Em 2016 foi eleito como Optometrista Internacional do Ano e tornou-se igualmente o primeiro membro honorífico da Sociedade Galega de Optometria Clínica. É, ainda, editor-chefe do "Journal of Optometry" e membro do comité editorial das revistas "PLOS One" e "BioMed Research International". Além disso, é avaliador do Diploma Europeu de Optometria do European Council of Optometry and Optics e vice-chair educacional da European Academy of Optometry and Optics. Soma mais de 350 comunicações, 140 artigos científicos na plataforma "ISI Web of Science", 20 capítulos e três livros editados.


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Como viveu os prazeres de criança e jovem?
Tive uma infância muito feliz, numa pequena aldeia agrícola, muito pacata. Embora tivesse frequentado uma escola na vila, sou originário do meio rural, com muito orgulho. Portanto, foi uma infância muito feliz, com muitas aventuras, bastantes riscos – que eu acho que é o que falta hoje às crianças.
 
Guarda amigos desse tempo...
Sim, muitos. Embora não os veja tantas vezes quanto queria. Muitas dessas pessoas ainda estão lá na aldeia, mas gostaria de estar mais presente, contudo é o percurso que cada um vai tendo.
 
Quando percebeu que as Ciências eram o seu caminho natural?
Não me lembro de um acordar para esta área num momento concreto. Sempre fui muito curioso, sempre gostei de experiências, de enfrentar riscos, das chamadas “engenhocas”, que as pessoas relacionadas com ciências e tecnologias normalmente gostam. Penso que era um miúdo muito normal, muito irrequieto, os meus pais foram chamados à escola algumas vezes por ter um comportamento muito interventivo, sempre a falar nas aulas, por vezes algo impertinente, se calhar. Sem causar problemas a ninguém, de forma educada, mas mesmo muito irrequieto. Os meus professores diziam que eu era bom estudante, mas demasiado falador. Penso que essa inquietude que eu tinha em criança se transformou num gosto pela descoberta, pela investigação, que me entusiasmou logo que a conheci.
 
E Portugal, estava nos seus horizontes de futuro?
A primeira vez que estive em Portugal foi de férias no Algarve, em 1993, na viagem de finalistas do 11º ano, mas a segunda vez apenas em 1999, num Congresso de Optometria. Depois, vim para a UMinho em 2000 a convite do professor Manuel Parafita Mato - muito importante no início do meu percurso académico -, que por sua vez tinha sido contactado pelos professores Borges de Almeida e João Ferreira, que precisavam de alguém para reforçar e apostar na área da optometria e ciências da visão. Vim por um ano, não era expectável que ficasse por muito mais tempo, mas as condições que me colocaram, aliciando-me a fazer aqui um doutoramento, acabaram por fazer com que ficasse com muito gosto. 
 
E agora também já é um minhoto...
Sim. Constituí família cá, a minha esposa é portuguesa, a nossa filha tem dupla nacionalidade e eu próprio já me sinto mais português do que espanhol ou galego, embora o meu sotaque me denuncie! [sorriso]
 
 

Um Centro de Excelência no horizonte
 
As ciências da visão são um campo de trabalho complexo. Como se motiva um jovem para elas?
Eu diria que não é muito complicado. A investigação que temos feito é bastante aplicada e está muito relacionada com a indústria e com equipas internacionais e isso estimula-os muito. Agora estamos a tentar evoluir na investigação com aplicações para facetas mais fundamentais, para a entrada no campo das neurociências, da perceção visual e dos mecanismos fundamentais da visão, mas sempre em contextos de aplicações concretas. Esses sim, são campos de investigação complexos, mas muito aliciantes, se aliados a uma aplicação futura.
 
Onde vê os grandes desafios atuais da ciência nesta especialidade?
Em termos científicos puros precisamos perceber os mecanismos fundamentais da visão ao nível neurológico, desde a retina até ao sistema nervoso central, para perceber como esses mecanismos podem explicar alguns aspetos muito práticos. Por exemplo, porque algumas pessoas se adaptam muito bem e outras nem tanto na presbiopia (correção da vista cansada), com lentes de contacto ou intraoculares, ditas multifocais, para poder ver a diferentes distâncias. Nós conhecemos e medimos as consequências práticas, mas desconhecemos muitos dos mecanismos fundamentais. Outro desafio para os próximos anos é perceber o mecanismo que permite que um olho possa controlar o seu crescimento, tornar-se maior ou mais pequeno, utilizando apenas um determinado dispositivo ótico. Portanto, os mecanismos fundamentais por detrás de alguns aspetos empíricos que nós observamos ainda estão por descobrir.
 
Também aqui a ciência é multidisciplinar?
Sem dúvida. É aí onde pretendemos dar mais contributo. Há equipas que se debruçaram muito na aplicação clínica, outras que se centraram muito nos mecanismos fundamentais em laboratório e nós queremos fazer a ligação, naquilo que é o aspeto prático, tendo ao mesmo tempo os procedimentos e tecnologias que nos permitam avaliar, de um ponto de vista mais fundamental, como é que o órgão da visão está a reagir e porquê. Tentamos ligar a investigação fundamental e a investigação aplicada, no mesmo local, porque entendemos que é a melhor forma desta ciência evoluir. Fazêmo-lo com equipas onde já estão optometristas, oftalmologistas, físicos, engenheiros biomédicos, matemáticos... - acreditamos vão proporcionar algumas das respostas às nossas grandes dúvidas.
 
Sendo ainda jovem, que patamares pretende alcançar? Onde se vê daqui a dez anos?
A minha grande ambição é contribuir para consolidar na UMinho um centro de excelência em ciências da visão. As ciências da visão abarcam um conceito muito alargado que vai além da optometria, envolvendo assim a perceção visual, a instrumentação e outros domínios que abordamos no Centro de Física. Gostaria muito de ter no futuro tudo isto consolidado num centro de referência, afirmado a nível internacional nas ciências da visão e da optometria.
 

  
Entre o mérito académico e o sonho da guitarra
 
Que importância atribui ao facto de a UMinho o reconhecer hoje com o Prémio de Mérito Científico?
Penso que é um reconhecimento para um trabalho feito pela equipa, mas quero pensar que acima de tudo é um estímulo para um trabalho muito maior que há ainda por fazer. Considero-me muito honrado com esta distinção, até pela minha idade. Tenho a certeza que será um bom estímulo para prosseguirmos o nosso caminho, que queremos de sucessos ainda maiores. Revejo-me nesse prémio no sentido da excelência académica, pois considero-me de facto uma pessoa muito dedicada à instituição. Dedicado não só à vertente de investigação, mas também às vertentes de ensino, de interação com a sociedade, da gestão académica. Espero que o futuro seja ainda mais risonho e que se reforce o mérito de toda esta equipa.
 
Consegue encontrar espaço para lazer e viagens?
Quem me rodeia acha que nunca ponho o meu trabalho de lado. Mas para mim é muito importante a vida pessoal. Tenho uma família com quem gosto muito de estar em Portugal e em Espanha, uma filha de 9 anos, o que pede muita atenção dos pais. A nível pessoal tento ir frequentemente à Galiza, onde continuo muito ligado a nível pessoal, familiar e até profissional, no caso à Universidade de Santiago de Compostela. Por outro lado, gosto muito de viajar e o meu trabalho permite-me isso. Mas posso revelar o seguinte: tenho o sonho de aprender a tocar guitarra. Foi algo que eu e a minha filha negociamos recentemente, pois ela também adora música. Então, encontramos um espaço para que ambos aprendamos guitarra, motivando-nos mutuamente, com o pretexto de também estarmos mais tempo juntos. E assim penso cumprir um dos meus sonhos de criança.
 
Tem mais algum hobby?
Sim, sobretudo corrida e desportos que possa praticar em qualquer momento e lugar. Não gosto de ir a provas, mas sim de manter-me em forma. Também adoro música e ler.
 
Como se informa mais? Nos tradicionais jornais, rádio e TV ou na contemporânea internet?
Estou muito atento ao que se passa no mundo, mas não tenho muita oportunidade de usar os meios mais tradicionais. Apesar de saber que não é o melhor para os meus olhos, utilizo os meios digitais, que me permitem uma flexibilidade e uma rapidez de acesso que de outra forma não teria.
 
Gastronomia portuguesa ou espanhola?
Eu sou um excelente “garfo”! Daí o desporto na minha vida, também. Na Galiza costumamos dizer que a melhor dieta é “menos prato, mais sapato”, mas como aprecio comer tento compensar com o desporto. À mesa não me consigo definir, as duas gastronomias têm muitos aspetos comuns. Tanto pode ser o cozido à portuguesa como o cozido galego. Contudo, por uma questão de gosto particular, de alguém que viveu no interior, sempre que posso escolher prefiro peixe, em vez de carne.
 
Cite virtudes de Portugal e de Espanha - ou do Minho e da Galiza, se preferir.
Embora a minha esposa discorde de alguma forma desta minha afirmação, confesso-me um português adoptivo. Já tenho meia vida aqui e considero-me já mais português. Devo muito a Portugal, devo muito à Universidade do Minho e continuarei a tentar corresponder nesse sentido. O que temos em comum? Além da proximidade geográfica, penso que a proximidade das pessoas é algo que nos une e somos regiões “irmãs” nesse sentido. Gostamos de receber, de partilhar, talvez por termos uma posição socioeconómica semelhante. Somos pessoas abertas; não sendo os que mais têm, são os que mais dão. Galegos e portugueses têm esse traço comum, creio que somos irmãos separados à nascença e isso, para mim, traz só vantagens.