“É bom ver ex-alunos e investigadores realizados”

30-06-2018 | Paula Mesquita e Nuno Passos | Fotos/Pictures: Diogo Cunha/EEUM

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Fernando Pokee

Nasceu em Moçambique há 65 anos e formou-se em Construção Civil. Passou por Nampula, Lisboa, Guarda, Gondomar e é, desde 1984, assistente técnico no Laboratório de Engenharia Civil da UMinho, pelo qual atuou em muitas obras, como os campi desta academia, a A7 e A25, o Metro do Porto e a Ponte Nova do Porto.


Quais são as suas origens?
Nasci há 65 anos na cidade da Beira, em Moçambique. Estudei em Maputo e tirei o curso de Construção Civil. Em fevereiro de 1974, tinha eu 21 anos, abriu uma vaga de desenhador na Câmara Municipal de Nampula [terceira maior cidade do país] e foi aí que comecei a trabalhar. Depois deu-se a revolução do 25 de Abril em Portugal. Decidi vir para Lisboa em novembro de 1976. Fui integrado através do IARN [Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais], que acolhia os refugiados e retornados. Entretanto, tive conhecimento que o Ministério da Administração Interna recrutava principalmente engenheiros e técnicos, numa altura em que estavam a ser criados Gabinetes de Apoio Técnico (GATs), para apoio às autarquias. Fui integrado na equipa do GAT na Guarda, sendo destacado com dois colegas para Manteigas. Antes disso, tinha sido colocado como técnico da EDP para Beja, mas recusei, parecia-me muito longe, nessa altura não conhecia o país e falava-se muitos nos comunistas.
 
O que fazia no GAT?
Topografia, desenho, medições, orçamentos e fiscalização de obras. O GAT da Guarda dava apoio a sete municípios. Estávamos em 1977-79. Para mim, foi um choque ver tantas casas sem saneamento e abastecimento de água, sem quartos de banho, vilas e aldeias sem saneamento nesta zona do interior, porque a ideia que havia [na África lusófona] sobre a “metrópole” era de um país avançado. Entretanto, como eu tinha família em Braga, para ficar mais perto dela concorri para a Câmara Municipal de Gondomar. Fui aceite, exercendo funções idênticas. A Universidade do Minho abriu concursos para técnico no Laboratório de Engenharia Civil em 1984. Concorri e vim com o estatuto de transferido/requisitado. Tinha o número mecanográfico 375, julgo eu, e mais tarde o nº 475. Estarei provavelmente no lote dos funcionários mais antigos em atividade.
 
Veio de início para Braga?
Os laboratórios da UMinho eram nos antigos pavilhões verdes, junto ao Conservatório Gulbenkian de Braga. Éramos uma família: Engenharia Civil, Eletrónica, Física, Química, Ciências da Terra, Biologia, Informática e outros… As cantinas eram em frente à Gulbenkain, tal como os bares Académico e Pianos. Havia convívio e proximidade. Portanto, os 1º e 2º anos dos cursos de Engenharia da UMinho eram em Braga e, depois, no Palácio Vila Flor, em Guimarães. Esporadicamente, deslocávamo-nos ao Vila Flor para fazer alguns ensaios. Em fevereiro de 1991 fomos transferidos de Braga para o campus de Azurém, em Guimarães), com a promessa de regressarmos ao fim de três anos, no máximo. Lembro-me bem desses terrenos em Azurém, era enorme quinta, fizemos vários ensaios e estudos no âmbito da colaboração do nosso laboratório com a Junta Autónoma de Estradas de Braga. Ao sermos transferidos para Azurém, a Reitoria garantia-nos transporte gratuito entre Braga e Guimarães. Portanto, ficou por isso acordado com o professor Júlio Barreiros Martins que não recebíamos ajudas de custo com a promessa de transporte gratuito, inclusive íamos ao meio-dia almoçar a Braga e voltávamos. Tenho pena que a Reitoria tivesse retirado há alguns anos esse transporte gratuito. Isso sucedeu porque os professores deixaram de o usar, quando preferem vir no seu carro particular.
 
Que funções foi desempenhando?
Apoio à investigação, às aulas, a mestrados/doutoramentos. E ainda o chamado trabalho especializado à comunidade (PSEC), como acompanhar uma obra particular em curso, para verificar se o betão aplicado está em condições e se o empreiteiro respeita os materiais definidos. Acompanhámos por exemplo obras na ponte de Viana do Castelo, do Metro do Porto, da Ponte de São João, das autoestradas A7 e A25, esta ao nível de compactações, sub-bases da pavimentação... O professor Viana da Fonseca, sendo do Porto, teve um papel importante na mediação. Já nos primeiros tempos, e de certa forma compensando a transferência para Guimarães, podíamos folgar à quarta-feira de tarde, para poder tratar algum assunto pendente de saúde ou finanças em Braga, por exemplo. Porém, vínhamos quase sempre para o trabalho, por brio profissional e para não falhar aos pedidos de empreiteiros. Essa folga depois também acabou com o tempo.
 
Continuam a fazer trabalho especializado à comunidade? 
Sim, embora em menor escala, porque já não temos o “boom” da construção que houve entre, vá, 1985 e 2005, nomeadamente no distrito. Chegámos a faturar 100 mil contos por ano; 35% da verba ia para a Reitoria e depois havia partes da verba para o docente coordenador que fazia o relatório, para o laboratório, para adquirir e reparar os veículos/equipamentos e ainda uma parte para os funcionários, o que entendíamos como uma espécie de incentivo, mas quando era preciso também vínhamos ao sábado trabalhar.
 
Como era o Laboratório de Engenharia Civil há 30 anos?
Digamos que hoje tem uma área dez vezes maior do que as instalações nos pavilhões verdes e, mesmo assim, falta espaço, pois o laboratório cresceu muito e tem vários projetos e parcerias, até internacionais. No início éramos três funcionários: eu e Armando Pinto, que veio do Laboratório de Engenharia de Angola e já se reformou, que o professor Barreiros Martins foi buscar a um laboratorio de Geologia em Sines. Mais tarde veio o Carlos Caetano, contratado e pago com verbas do laboratório, no início com know-how para reparar equipamentos. Já agora, este laboratório tem o nome Barreiros Martins, atribuído num mandato do sr. reitor António Guimarães Rodrigues. O professor Barreiros Martins foi percursor dos laboratórios na antiga Universidade de Lourenço Marques, em Moçambique, quando lecionou lá - e aqui sucedeu o mesmo.
 
Na UMinho, sempre trabalhou no Departamento de Engenharia Civil?
Sim, toda a minha vida profissional estive ligado à engenharia civil. Este departamento da Escola de Engenharia parece pequeno, mas é dos maiores da UMinho, desde as áreas de hidráulica, estruturas, estradas…
 
Alguma vez ponderou mudar?
Sim, porque a transferência para Guimarães mexe com a vida das pessoas. Os professores bem sabem isso, por vezes é preciso a meio da manhã ou da tarde “correr” até Braga para resolver algum assunto.
 
O que o satisfaz mais no trabalho?
Estamos sempre a aprender: passar da teoria para a prática e ir acompanhando os avanços. Também fico contente por encontrar, passados tantos anos, ex-alunos, professores e investigadores com bons cargos ou em grandes empresas. Sentimo-nos bem por ver que as pessoas estão bem, sabendo que em algum momento aprenderam e passaram neste laboratório. Dizem-me: “Ainda estás cá a trabalhar?”. E eu: “Sim, vocês é que deixaram de aparecer! Tenham cuidado nas vossas obras e, se houver dúvidas, estamos sempre de braços abertos para vos ajudar!” [sorriso]. Lembro-me de, há dez anos, receber uma antiga aluna com advogado e empreiteiro, porque na obra de uma moradia o betão em obra estava a sair fraco e essa jovem ia ser ameaçada de processo judicial. Trouxe amostras de betão, fizemos ensaios, corrigiu-se e acabou tudo bem.
 
 

  Curiosidades
 
  - Na gaveta da minha secretária guardo, sobretudo, coisas pessoais.
  - Em casa prefiro ouvir música clássica, countryblues, fados, Zeca Afonso, boleros…
  - Considero-me uma pessoa que por vezes se prejudica para ajudar os outros, mas penso que os outros me
  julgam como sendo uma pessoa tranquila.
  - Num jantar, em família, não dispenso um bom vinho.
  - Ao fim de semana, ligo a televisão para ver noticiários, futebol e documentários no Discovery Channel e National
  Geographic. Ou então saio e faço algumas corridas pela cidade de Braga.
  - Gostava muito que amanhã me reformasse, tenho mais de 40 anos de serviço.
  - A personalidade que mais me marcou foi o professor Barreiros Martins, sempre compreensivo, competente e que
  ensinou muitos dos atuais professores da nossa área.
  - À sombra de uma árvore, leria obras sobre ciência.
  - Sonho diariamente com um mundo melhor, sem guerras, mais perfeito para a humanidade.
  - O meu dia não acaba sem um período de reflexão.
  - A UMinho é o sítio onde cresci e onde mais trabalhei, é como uma casa.