A UMinho é uma "parceira valiosa" para a UNU-EGOV

27-11-2018 | Catarina Dias

Professora da Escola de Engenharia e investigadora do Centro Algoritmi, dirige a UNU-EGOV desde novembro de 2017

Esta unidade encontra-se no Centro Avançado de Formação Pós-Graduada, no campus de Couros, em Guimarães

Foi inaugurada em 2014 com a presença do ministro adjunto e do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro, do reitor da UNU, David Malone, do presidente do Município de Guimarães, Domingos Bragança, e do reitor António M. Cunha

Única em Portugal, a UNU-EGOV é a primeira unidade portuguesa das Nações Unidas a ser instalada fora de Lisboa

A criação da cátedra PT-FLAD em Cidades e Governação Inteligentes deve-se ao papel da UMinho neste âmbito, principalmente com a chegada da UNU-EGOV. A lição inaugural contou com o perito internacional Gilles Barthe

Delfina Soares na inauguração da Residência para Investigadores, em Guimarães, que contou este mês com a presença de João Sobrinho Teixeira, secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior

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Entrevista a Delfina Soares, que dirige há um ano a Unidade Operacional em Governação Eletrónica da Universidade das Nações Unidas, em Guimarães, e é também professora da Escola de Engenharia.

O campus de Couros da UMinho alberga desde 2014 a Unidade Operacional em Governação Eletrónica da Universidade das Nações Unidas (UNU-EGOV). É a primeira instituição da ONU que em Portugal se fixa fora da capital. Tem vindo a coordenar projetos europeus e a estabelecer parcerias com várias instituições, como o Banco Mundial, a União Europeia, a OCDE e o Ministério da Justiça português. A responsável faz o balanço do seu primeiro ano de liderança.


O foco da UNU-EGOV é o ensino e a investigação no âmbito da governação eletrónica. Em que consiste o e-government, que relevância tem nas sociedades atuais e de que forma pode ser “sentida” pelos cidadãos no seu dia-a-dia?
Pode referir-se que o e-government é a colocação das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) ao serviço do governo e das múltiplas funções de governação do Estado. Este conceito inclui, assim, a prestação de serviços públicos digitais ao cidadão, aspeto frequentemente mais associado ao termo de governo eletrónico ou e-government, mas não só. Envolve aspetos relacionados com o uso das tecnologias digitais para melhorar a eficiência e eficácia interna das instituições públicas e os processos de tomada de decisão e definição de políticas públicas, bem como para transformar a forma como os governos se relacionam com os cidadãos, pela criação de mecanismos de envolvimento e participação que aproximam governos e sociedade. A relevância da governação eletrónica é inquestionável! Dependendo do seu desempenho e comportamento, os governos podem agir como uma força motriz para o desenvolvimento da sociedade ou, contrariamente, restringir ou atrasar todo o seu desenvolvimento; podem promover um desenvolvimento sustentado e sustentável das nações ou permitir que estas evoluam para níveis mais baixos de bem-estar. As políticas definidas e postas em prática determinam o que um país é e será no futuro. Isso pode parecer um discurso muito sonhador e ideólogo, mas não é! Os países são o que os governos e as pessoas fazem deles. As tecnologias digitais podem desempenhar um papel central em tudo isso!
 
Como?
As tecnologias estão hoje completamente imbuídas na vida dos cidadãos e da sociedade. A sua presença é cada vez maior e isso não vai mudar. Apesar de ainda existirem fossos digitais, motivados por diferentes condições financeiras, de infraestrutura e de literacia entre os cidadãos, o acesso e a utilização de tecnologias digitais está a tornar-se cada vez mais democratizado. Os governos devem usar de forma inteligente as tecnologias para aperfeiçoar e reduzir os custos das suas operações internas, melhorar os serviços prestados, dar voz e envolver os cidadãos, aumentar a transparência e responsabilidade das instituições, recuperar a confiança nas entidades governamentais, promover a definição de melhores políticas públicas, estimular a inovação e o desenvolvimento económico, tornar os governos mais responsivos em cenários de desastres naturais, ajudar na prevenção e combate ao terrorismo, entre outros. Estes benefícios contribuirão direta e indiretamente para a realização dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável definidos na Agenda 2030 das Nações Unidas (ONU). Acredito que a governação eletrónica não é apenas um facilitador, mas um catalisador para o bem-estar das nações.
 
Que objetivos regem o vosso trabalho?
A nossa atividade é orientada por dois princípios fundamentais. O primeiro consiste em produzir investigação cujos resultados sejam traduzidos em instrumentos úteis para informar a tomada de decisão e ajudar na formulação e implementação de políticas públicas. O segundo é que esta investigação contribua para a consolidação e implementação dos objetivos definidos pela ONU.
 
Com sede em Tóquio (Japão), a UNU está presente em 13 países. Por cá ganhou raízes há quatro anos no campus de Couros. Esta proximidade com uma instituição de ensino superior foi um fator determinante para a sua fixação? 
Não foi apenas a proximidade, mas sim o facto de a UMinho apresentar elevada qualidade em tudo o que empreende. As conquistas alcançadas em mais de quatro décadas, o seu crescimento notável, a sua forte internacionalização e qualidade reconhecida da investigação e do ensino fazem da UMinho um parceiro valioso. Esta proximidade com uma instituição que dispõe de um corpo científico numeroso e diversificado, que realiza e aplica conhecimento em áreas de interesse para a UNU-EGOV e está envolvido nos “circuitos de conhecimento mundiais”, influenciou a tomada de decisão.
 
De que forma a UMinho tem contribuindo na concretização dessas metas?
Além de anfitriã, a UMinho tem sido, e continuará a ser, uma instituição com quem colaboramos em projetos e estabelecemos relações de sinergia em áreas de interesse comuns. Uma parceira que nos tem acompanhado e coadjuvado inclusive em projetos de instalação e sustentação institucional. Com efeito, e pese embora a UNU-EGOV colabore com outros centros de investigação e instituições de ensino superior, quer em Portugal, quer noutros países, é com a UMinho que as colaborações estão mais sedimentadas, nomeadamente através da participação conjunta em projetos com instituições governamentais, da colaboração em programas de formação executiva e na supervisão de trabalhos de investigação, da organização de eventos, entre outras atividades.
 
Que balanço faz do primeiro ano de liderança?
Foi um ano intenso de desafios, conquistas e progressos interessantes e promissores, quer ao nível institucional e organizacional, quer ao nível de investigação e atividades de consultoria e assessoria com entidades governamentais. Em termos institucionais, destaco o alargamento e fortalecimento da nossa rede de parceiros. Novas relações foram estabelecidas ou reforçadas com a ONU, a União Europeia, o Banco Mundial, o Banco Interamericano para o Desenvolvimento e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e outras organizações internacionais. Também estabelecemos ligações com agências governamentais de vários países, incluindo Brasil, Índia, Indonésia, México, Moçambique, Omã, Paquistão, Arábia Saudita, Tunísia e Uruguai. No contexto português, aprofundámos a colaboração com a Agência para a Modernização Administrativa, o Ministério da Justiça, a Imprensa Nacional Casa da Moeda e a Câmara Municipal de Guimarães. Finalmente, foram estabelecidas relações com instituições académicas e centros de investigação, nomeadamente o Instituto Real de Tecnologia de Melbourne (Austrália), o Instituto de Administração Pública (Arábia Saudita) e CETIC.br (Brasil). No âmbito da investigação, realço o aumento do número de artigos, capítulos, relatórios e editoriais publicados, de propostas de projetos e manifestações de interesse apresentadas a diferentes instituições financiadoras e entidades governamentais, como a Comissão Europeia, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia e a Autoridade Nacional de Tecnologia da Informação do Uganda, além da quantidade de programas de formação executiva e projetos de consultoria realizados para entidades de sete países.
 
É a primeira mulher a assumir a chefia desta estrutura… O que representa para si este desafio?
É um orgulho fazer parte da ONU e, em particular, da UNU. Tenho aprendido, crescido e amadurecido imenso com esta experiência. O meu respeito pelos valores que a ONU promove é incondicional. Por isso, contribuir para a implementação da Agenda 2030 com o objetivo de tornar o planeta mais sustentável é algo muito nobre. Mas é também um grande desafio, independentemente do sexo! Trata-se de investigar e atuar sobre problemas complexos, num contexto complexo, envolvendo múltiplos stakeholders, com naturezas bem distintas, nem sempre partilhando o mesmo conjunto de interesses e perspetivas. A própria estrutura descentralizada da UNU-EGOV, com a reitoria em Tóquio e os seus institutos distribuídos pelo mundo, e o modelo de financiamento instituído criam também desafios acrescidos a que não estava habituada. A forte interação com os governos e as instituições públicas deixa-nos à mercê da instabilidade gerada pelos ciclos políticos e da morosidade que muitas vezes reveste as decisões públicas. Isto afeta, efetivamente, o nosso trabalho. Fui, de facto, a primeira mulher a liderar esta unidade. Aqui, a igualdade de género é debatida, reforçada e tida como prioridade. As políticas, atitudes e práticas adotadas pela ONU em relação a este assunto são inexcedíveis.


“É um orgulho estar em Guimarães”
 
Esta estrutura integra investigadores com formação em universidades de vários países, incluindo EUA, Canadá, Reino Unido, Grécia, Portugal…
A multiculturalidade e multidisciplinaridade são duas características fundamentais para a investigação eclética conduzida nesta unidade. Ao longo dos últimos quatro anos contamos com a colaboração de especialistas de 27 nacionalidades e com backgrounds de múltiplas áreas, desde administração pública, ciências económicas, ciência política, comunicação, educação, informática, relações internacionais e sistemas de informação. Esta dinâmica enriquece os resultados da nossa atividade.
 
A UNU-EGOV é a quarta instituição das Nações Unidas em Portugal, a única fora da capital. É um orgulho para a cidade-berço?
Acredito veementemente que sim. Mas é também um enorme orgulho para a UNU-EGOV estar em Guimarães, não só por ser Património Cultural da Humanidade e ter sido Capital Europeia da Cultura 2012 e Cidade Europeia do Desporto 2013, mas principalmente pelo dinamismo, empreendedorismo e visão de futuro bem patentes na forma como o município abraça e perspetiva as preocupações de sustentabilidade e de criação de conhecimento. É ainda uma honra e um privilégio a forma comprometida como Guimarães acolheu e continua a acolher a nossa instituição. Certamente que outras cidades em Portugal e pelo mundo gostariam de ter abraçado este projeto.
 
Em que grandes projetos estão envolvidos?
Um dos projetos mais emblemáticos, pela visibilidade e pelo alcance mundial, está a ser realizado com o Departamento de Assuntos Económicos e Sociais das Nações Unidas (UNDESA) no âmbito da medição da governação eletrónica a nível local e da revisão da metodologia usada por aquela instituição para os rankings mundiais de governo eletrónico que publica bienalmente. Estamos também envolvidos no projeto europeu “Gov 3.0 Scientific foundations training and entrepreneurship activities in the domain of ICT - Enabled governance”, financiado pelo programa Erasmus+, da Comissão Europeia. A nível nacional, temos vindo a liderar projetos com o Ministério da Justiça, sobre a identificação dos indicadores chave para medir a sua efetividade, e com a Agência para a Modernização Administrativa, este mais focado na avaliação da presença online das câmaras municipais e na criação de um guia de boas práticas para a construção de sites de instituições públicas. Destaca-se ainda o projeto “Monitorização da implementação do Plano de Ação da Universidade do Minho 2017-2021”, encomendado pelo Conselho Geral da UMinho. Estamos igualmente a coordenar a elaboração de um projeto sobre o uso de blockchain no desenvolvimento de cidades inteligentes, integrado numa iniciativa da UNDESA e da União Internacional das Telecomunicações e que conta com o envolvimento de várias unidades da ONU. Uma iniciativa bandeira da UNU-EGOV é a Conferência Internacional sobre Teoria e Prática de Governação Eletrónica, cuja 12ª edição está a ser organizada em parceria com o Instituto Real de Tecnologia de Melbourne (Austrália), onde vai decorrer em abril de 2019. Há outros projetos a serem realizados nas áreas das tecnologias emergentes, da participação eletrónica, das cidades e governação inteligentes e da avaliação de impactos socioeconómicos da governação eletrónica.



Transformação em instituto é objetivo
 
Quais são os projetos futuros?
Alguns estão a ser negociados. Saliento, por exemplo, o desenvolvimento de um índice para a avaliação do governo digital e de programas de capacitação para a transformação digital. Estamos ainda a avaliar a possibilidade de iniciarmos projetos no âmbito de colaborações com o Banco de Desenvolvimento da América Latina, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Instituto de Administração Pública da Arábia Saudita e a Agência de Tecnologias de Informação do Governo do Uganda. O fortalecimento e alargamento das parcerias no contexto da própria UNU, ONU e de instituições mundiais continuará a colher também o nosso foco. Porém, o grande desafio a curto prazo é transformar a UNU-EGOV num instituto de pleno direito. Tornar-se um instituto traria não apenas estabilidade financeira, mas também poder institucional e autonomia, permitindo “sonhar mais alto” no alcance da sua missão. O processo de negociação com o governo português sobre esta transição será, por esta razão, uma das nossas prioridades de ação, o que esperamos fazer com a colaboração da UMinho e da Câmara Municipal de Guimarães.