Na senda do grafeno, um dos materiais mais promissores

27-11-2018 | Pedro Costa | Fotos/Pictures: Graphene Flagship

Números do consórcio Graphene Flagship (setembro de 2018)

Nuno Peres é professor catedrático do Departamento de Física da Escola de Ciências da UMinho e aí investigador do Centro de Física; é o cientista a trabalhar em Portugal cujas publicações são as mais citadas internacionalmente

Uma equipa com Nuno Peres e Eduardo Dias, ligados à UMinho, publicou em abril na reputada revista "Science" por ter confinado e guiado a luz pela primeira vez num espaço de só um átomo de espessura, o que abre portas nos nanossensores

Aplicações do grafeno esperadas nas áreas de eletrónica, sensores, imagem e biomédica

Aplicações do grafeno esperadas nas áreas de compósitos, energia e comunicações de dados

Parceiros (a cor azul) e membros associados (a cor laranja) do consórcio Graphene Flagship

Não é habitual um material ter aplicações em áreas tão diferentes

Eletrónica flexível

Sensores

Spintrónica

Fotónica e optoeletrónica

Armazenamento e geração de energia

O grafeno foi descoberto em 2004 pelos professores de origem russa Andre Geim e Konstantin Novoselov, da Universidade de Manchester (Reino Unido), que receberam o Prémio Nobel em 2010 e têm trabalhos com Nuno Peres (foto: Aerogelgraphene)

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Mais fino, mais forte, mais leve, mais versátil, mais condutor, o "material do futuro" é alvo de um dos maiores consórcios europeus de ciência, que inclui a UMinho e envolve mil milhões de euros.






Graphene Flagship é um projeto científico de tecnologia emergente, sendo uma das três flagships apoiadas pela Comissão Europeia. Na verdade, a Comissão Europeia coloca-se ao lado dos grandes desafios científicos e tecnológicos contemporâneos, apoiando a investigação e o desenvolvimento multidisciplinar através destes projetos de longo prazo.

Desta forma, a Graphene Flagship é dedicada especificamente ao grafeno e, mais recentemente, a outras formas de materiais bidimensionais, representando uma inovadora forma de investigação colaborativa, formando um dos três maiores consórcios científicos da Europa. A UMinho é a única instituição de ensino superior portuguesa representada. Recentemente, a Graphenest, uma empresa portuguesa dedicada à produção de grafeno em larga escala, foi admitida como membro associado, “tendo um projeto importante com a UMinho no âmbito de tintas condutoras e de polímeros com blindagem electromagnética, ambas as tecnologias baseadas em grafeno”, revela Nuno Peres, professor catedrático da Escola de Ciências da UMinho. O cientista tem coordenado os trabalhos de investigação de modelação teórica das propriedades eletromagnéticas de grafeno e outros materiais bidimensionais.

 
Mas o que é afinal o grafeno?

Em termos simples, o grafeno é um cristal atómico bidimensional, composto por átomos de carbono dispostos numa rede hexagonal. Devido à sua combinação única de propriedades diversas, é um material com elevado potencial para novas tecnologias (VÍDEO). Pode ser pensado como uma molécula gigante (na visão do químico Linus Pauling) que está disponível para uma ampla variedade de aplicações, desde a eletrónica até aos materiais compósitos.

É o cristal mais fino conhecido pelo ser humano, com um átomo de espessura – cerca de um milhão de vezes menor do que um milímetro , o melhor condutor térmico conhecido – a sua condutividade térmica é cerca de dez vezes maior que a do cobre (já de si um excelente condutor térmico) , é extremamente flexível, hidrofóbico e impermeável a moléculas, sendo também um excelente condutor elétrico na sua forma dopada. Pode dizer-se que o grafeno combina as funcionalidades elétricas, óticas, térmicas e mecânicas de forma única. Quanto à utilização, a sua natureza forte e flexível irá possibilitar, por exemplo, a produção de displays e baterias flexíveis. Poderá ser usado na próxima geração de têxteis inteligentes e poderá ainda abrir caminhos para novos instrumentos de diagnóstico e formas de tratamento, como novos biossensores e administração de fármacos.

Em suma, o grafeno promete tornar-se a médio prazo a substância mais versátil disponível para a humanidade. Se cumprirá todas estas promessas será algo a que assistiremos a breve trecho. O Graphene Flagship associa a ciência dos investigadores com o desenvolvimento operado na indústria, tendo em vista levar o grafeno dos ensaios académicos até à sociedade no espaço temporal de dez anos. O consórcio central consiste em mais de 150 grupos de pesquisa científica e industrial, que acontece em 23 países. Este projeto tem a expectativa de gerar crescimento económico, novos empregos e novas oportunidades de mercado. De certo modo já o está a fazer, com a abertura de ofertas de empregos académicos e industriais ligados à produção, investigação e aplicação do grafeno.
 
 
Nível a nível: ciência e tecnologia num crescimento dinâmico
 
A primeira fase do projeto (Core 1) fechou a 31 de março de 2018. Está agora em execução durante dois anos o Core 2, sendo organizado em seis divisões, quatro delas científicas, abrangendo tópicos tão diversos como ciência fundamental e materiais; saúde, medicina e sensores; electrónica e fotónica – onde participa a UMinho –; e energia e produção de compósitos. Em todas são definidos key performance indicators em forma de números relativos a novas tecnologias baseadas em grafeno e outros materiais bidimensionais e como essas tecnologias são comparáveis ou melhores do que as tecnologias já existentes. 

O investigador responsável na UMinho refere que “no estado atual do projeto, já há várias tecnologias que apresentam figuras de mérito melhores face a alguns produtos existentes no mercado”. Contudo, isso não ocorre ainda para todas as figuras de mérito, pelo que ainda não se vê a comercialização de produtos baseados em grafeno, no sentido de uma monocamada deste material. Recentemente, têm sido conseguidos excelentes resultados em diversos dispositivos encapsulando o grafeno entre folhas de nitreto de boro. “Esta tecnologia aumenta em muito a mobilidade eletrónica e isso permitirá produzir dispositivos com figuras de mérito muito competitivas relativamente às das tecnologias já existentes”, confidencia o investigador do Centro de Física da UMinho e UPorto.

O projeto está a evoluir muito rapidamente no sentido de technology readiness level (TRL) cada vez mais elevadas, que representam um método para estimar a maturidade tecnológica dos elementos críticos de tecnologia de um programa, durante o processo de aquisição, com níveis baseados numa escala de 1 a 9, sendo o 9 a tecnologia mais madura. Ao Core 2 do projeto, previsto até março de 2020, seguir-se-á o Core 3, já em discussão e que durará três anos, sendo expectável que este já aborde apenas aspectos de TRL de 7 a 9, mas sempre acompanhado de alguns grupos capazes de desenvolver ciência fundamental.

Nuno Peres enfatiza o facto de “este acompanhamento ser essencial para desenvolver nova ciência e para modelar a tecnologia existente”, acrescentando que é por isso que “não se pode conceber um projeto científico desta escala que não contemple grupos de investigação fundamental”. Em 2023 seguir-se-á a fase Core 4, também chamada de Ramp down, e “não é claro hoje que o projeto termine aí”, pois tudo dependerá do que for conseguido em termos de tecnologias comercializáveis, revela.
 
Existem no próximo ano e meio do projeto muitos desafios lançados por diversos grupos experimentais. Ao mesmo tempo, "está-se a competir com outros grupos a nível mundial”, declara Nuno Peres, para realçar: "Aqui somos um grupo pequeno, com três professores, um post-doc, alguns estudantes e conseguimos recentemente atrair um jovem muito promissor como investigador FCT, pelo que estaremos à altura dos desafios futuros, tal como já estivemos no passado”.
 
Sendo o Graphene Flagship demasiado vasto para ser abarcado por uma só pessoa, a ideia que tem sido debatida dentro das reuniões de preparação do Core 3 é a de se avançar para TRL muito elevados, por isso “haverá tecnologias que serão abandonadas e outras novas que serão criadas, num processo dinâmico de criação científica e tecnológica”, afirma. Os tempos próximos prometem novos avanços científicos e aquele cientista quer "continuar com muito gosto e entusiasmo" a desenvolver investigação, garantindo “acordar todos os dias com vontade de fazer algo novo e com vontade de ajudar na formação de jovens cientistas”, pois considera inquestionável que “o futuro são eles”.