Está a chegar a carne in vitro. E isso deve-se a um alumnus nosso

29-11-2019 | Catarina Dias | Fotos: Nuno Gonçalves

Vítor Espírito Santo doutorou-se em engenharia de tecidos, medicina regenerativa e células estaminais. Já fez ciência em estruturas de investigação mundialmente reconhecidas

Em Praga, na República Checa, numa conferência sobre alimentação alternativa, já como diretor do departamento de Agricultura Celular da "Just"

Vítor esteve em Portugal em setembro, tendo dado uma entrevista à SIC no Centro de Engenharia Biológica (CEB) da UMinho

Nos laboratórios do CEB, no campus de Gualtar, em Braga

O alumnus da UMinho mora em São Francisco há dois anos. "Já tinha vivido em Chicago durante seis meses e penso que tenho personalidade para viver nos Estados Unidos", afirmou

Com as colegas de curso na imposição das insígnias em 2007

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Com apenas 35 anos, Vítor Espírito Santo é diretor do departamento de Agricultura Celular na “Just”, que quer em breve ser a primeira start-up no mundo a comercializar carne de laboratório.




Fez parte da primeira turma de Engenharia Biomédica da UMinho. O fascínio pela investigação foi nascendo durante a formação, tendo passado primeiro pelo Grupo 3B's, "uma escola de vida”, depois pelos centros iBET e Immunocore, onde contribuiu para o desenvolvimento de terapias para o cancro. Aos 35 anos, o bracarense é diretor do departamento de Agricultura Celular na Just, que quer ser a primeira start-up no mundo a comercializar carne de laboratório. Está para breve.


Recorda-se como foi o primeiro dia na UMinho?
Lembro-me vagamente de ir ao campus de Gualtar para me inscrever, abrir conta e ter número de aluno. Recordo-me da excitação pelo início de um novo capítulo.

Como surgiu a vontade de seguir Engenharia Biomédica? 
A UMinho foi a minha primeira opção. Quando concorri ainda não tinha a certeza do rumo que queria seguir. Gostava de áreas bastante distintas, desde ciências básicas, carreira de professor e até jornalismo. Engenharia biomédica atraiu-me por ser uma novidade e por englobar uma série de áreas diversas, como eletrónica, bioinformática, biológica, química, física, engenharia de polímeros, para uma formação bastante global direcionada para a medicina. Fiz parte do primeiro grupo de estudantes deste curso, em 2002.

O que recorda com mais saudade?
Alguns momentos da vida académica, os amigos, o Coro Académico, do qual fiz parte vários anos, e o mundo de possibilidades por concretizar. 

Depois da licenciatura lançou-se para o doutoramento e pós-doutoramento na área de Engenharia de Tecidos e Medicina Regenerativa. Sempre teve esse fascínio pela investigação?
Fui criando ao longo do curso uma relação com a área de investigação, que foi crescendo, amadurecendo, tendo chegado, por fim, ao matrimónio [risos]. O trabalho de investigação requer um tipo de personalidade que encaixa bem no meu perfil.

Esteve ligado durante seis anos ao Grupo 3B’s, considerado um dos melhores centros de I&D da Europa. Como foi a experiência? 
O 3B's foi, na verdade, uma escola de vida que me abriu várias portas. Tenho noção de que fui um felizardo no que toca a financiamento e condições para fazer investigação de qualidade, algo que, infelizmente, nem sempre é possível em Portugal dada a escassez de investimento orçamental nesta área. Sendo um grupo líder na área dos biomateriais e da medicina regenerativa, também me proporcionou bastante exposição internacional e, nesse sentido, aguçou o meu apetite para as aventuras profissionais que se seguiram, como colaborar com a Universidade de Quioto, no Japão. O 3B's foi provavelmente o local de trabalho onde criei maior espírito de família, dada a vasta dimensão do grupo e as pessoas estarem na mesma faixa etária e fase de vida. Bons tempos! 

O que estudou concretamente?
O meu trabalho no 3B’s teve como base o desenvolvimento de biomateriais capazes de estimular a atividade de células progenitoras humanas, através da libertação controlada de fármacos e agentes bioativos. No fundo, para estimular a sua “performance” numa cultura celular in vitro. A minha tese de doutoramento propôs diferentes estratégias de combinação de biomateriais e células estaminais para promover a regeneração de tecidos, como o osso e a cartilagem.


O futuro da alimentação

Do AvePark, em Guimarães, foi para Lisboa e, depois, para Oxford trabalhar numa biotecnológica que concebe terapias para a imunoterapia do cancro. Saber que contribuiu para melhorar a vida das pessoas deu mais valor a essa função?
Já quando estava no Grupo 3B’s tinha muito interesse em investigar na área oncológica, algo que acabou por concretizar-se no Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica (iBET), em Lisboa, onde estive cinco anos, e, mais tarde, na Immunocore, em Oxford, no Reino Unido. Foi altamente motivante e a abordagem daquela empresa britânica é muito interessante.

Como surgiu o seu interesse pela produção de “carne de laboratório”?
Creio que o meu background em engenharia de tecidos desenvolvido na UMinho, associado ao trabalho de indústria farmacêutica realizado no iBET, mais dirigido para a comercialização e produção de terapias celulares, construiu o perfil ideal para abordar esta área. O desafio de poder alterar o paradigma alimentar e o impacto imediato na vida das pessoas é uma motivação muito especial. Fui abordado pelos recursos humanos da “Just”, após ter sido convidado para apresentar o meu projeto num congresso de carne cultivada na Holanda. A proposta foi irrecusável e aceitei alinhar nesta aventura há dois anos.

Para quando a comercialização da primeira clean meat?
Estamos a trabalhar para que aconteça em breve. Estamos apenas pendentes de aprovação das agências regulatórias, sendo provável que fique primeiro disponível na Ásia. Vamos começar com a comercialização de frango em alguns restaurantes de estrela Michelin.

Acredita que o futuro da alimentação passa por aí? Pela confeção de vários produtos em ambiente laboratorial?
Acredito no poder da biotecnologia como estratégia alternativa para a produção de alimentos familiares para o consumidor. O “ambiente laboratorial” é um termo um pouco desajustado, porque a produção de carne cultivada decorrerá em locais que se assemelham a qualquer outra produção alimentar de grande escala. A produção alimentar continua a aumentar para ir ao encontro das necessidades populacionais, sendo necessário procurar alternativas mais sustentáveis sob o ponto de vista ético e ambiental. Não tenho dúvidas de que se trata do futuro.

Que projetos tem em mente?
Continuar a trabalhar na carne cultivada e trazê-la para os mercados internacionais. Este projeto ambicioso vai ocupar grande parte do meu tempo durante os próximos anos.

Mora em São Francisco, nos EUA, há dois anos. Está a gostar?
Tem sido uma boa experiência. Já tinha vivido em Chicago durante seis meses e penso que tenho personalidade para viver nos EUA. Apesar da “má fama”, este país é um exemplo de diversidade e um destino ideal para quem vai atrás de um sonho. Os investigadores são reconhecidos e há efetivamente um mercado profissional que permite uma carreira fora da academia. Há várias diferenças em relação à Europa. Os EUA são uma sociedade mais individualista e segregada, mas que tem muita oferta e onde é possível encontrar um nicho de mercado. Para além da componente profissional, a Califórnia tem um clima excelente e oferece o melhor dos EUA, uma bela paisagem com vastos parques naturais. Uma roadtrip pela costa californiana lembra-me imenso o nosso Portugal, é mesmo muito parecida! 

O que faz nos tempos livres?
Gosto de ir ao ginásio depois do trabalho para descarregar energias e deixar o stress fora de casa. Também gosto de jogar ténis, explorar a cidade, conhecer restaurantes novos, bem como viajar, ouvir música e de vez em quando ir dar um passo de dança [risos].

Regressa a Portugal com frequência?
Tento ir duas vezes por ano. Iria mais se estivesse perto!



  O primeiro aluno do curso a fazer Erasmus

  Um livro. “As intermitências da morte”, de Jose Saramago.
  Um filme. “The Matrix”, de Lana e Lilly Wachowski.
  Uma música. “Cancão do engate”, de António Variações.
  Um clube. FC Porto.
  Um desporto. Ténis.
  Um passatempo. Viajar.
  Uma viagem. Açores.
  Uma cidade. Nova Iorque.
  Um prato. A feijoada de carne cozinhada pelo meu pai. 
  Um vício. Café.
  Uma personalidade. Steve Jobs.
  Um momento. O meu casamento.
  Um sonho. Uma vida preenchida.
  Uma curiosidade. Fui o primeiro estudante de Engenharia Biomédica da UMinho a ir para o estrangeiro no âmbito
  do programa Erasmus.
  Uma frase. “O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem”, de
  Fernando Pessoa.
  UMinho. Nostalgia.