“Uma biblioteca tem que ser um local aprazível”

29-11-2019 | Paula Mesquita | Fotos: Nuno Gonçalves

Trabalha há três décadas nesta academia, dedicando as duas últimas à Biblioteca Pública de Braga

Começou no Arquivo Distrital de Braga, através de um programa do IEFP, inventariando livros de registo paroquial

Antes de chegar à BPB, exerceu funções na Direção Financeira e Patrimonial e na Direção de Recursos Humanos

Em 1996 fez o Curso de Preparação de Técnicos-adjuntos de Biblioteca e Documentação, para se candidatar a essa área

O que o satisfaz mais é o “manuseamento de livros e jornais”, permite acompanhar o “desenrolar de momentos históricos”

José Alberto Gomes tem em mãos diversas tarefas e procura que “o papel” prevaleça como alternativa válida ao digital

Com Isabel Faria, Conceição Carvalho, Isabel Alves, Teresa Cruz, Pires Oliveira, Fátima Tinoco, Celeste Silva, Domingos Martins, Carlos Mateus, Felicidade Gnçalves, Helena Laranjeiro, Barreto Nunes, Hermínia Fernandes, Fátima Ferreira, António Gonçalves

Fachada da Biblioteca Pública de Braga, desenhada por André Soares e sita na Praça do Município, no centro da cidade

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José Alberto Gomes

Nasceu há 52 anos em Dume, Braga, e chegou há 30 à UMinho, inventariando registos paroquiais no Arquivo Distrital de Braga. Passou por vários serviços, mas preferiu regressar aos “cheiros e às texturas” dos livros, na Biblioteca Pública de Braga, aproximando os leitores e visitantes.



Como se deu a sua entrada na Universidade do Minho?
Comecei a trabalhar na UMinho há 30 anos. Vim para o Arquivo Distrital de Braga (ADB), através do programa de Ocupação de Tempos Livres, promovido pelo Instituto da Juventude e pelo FIQ (Formação e Integração de Quadros) do Instituto de Emprego e Formação Profissional. As minhas primeiras funções relacionavam-se com a inventariação de livros de registo paroquial, ou seja, livros de nascimentos, casamentos e óbitos; prestava apoio na sala de leitura do Arquivo e também na parte administrativa do serviço.
 
Desde então, já passou por vários serviços da UMinho.
No ADB trabalhei até dezembro de 1992. Depois, e até fevereiro de 1996, estive na Direção Financeira e Patrimonial, na secção de Contabilidade. Era responsável pela verificação de documentos quanto à legalidade mediante Classificador de Despesas Públicas relativos a PSEC, PSET e ID’S, bem como pela elaboração de balancetes desses projetos. Fiz a escrituração do livro de registo diário de documentos que davam entrada na Contabilidade e a escrituração do livro caixa através da folha de cofre da Tesouraria. E estava também responsável pela elaboração das relações de documentos de despesa a submeter à apreciação e aprovação do Conselho Administrativo, para além de outras tarefas de expediente. Depois de três anos, fui para a Direção de Recursos Humanos. Ali, exerci funções relacionadas com a assiduidade do pessoal docente, não docente e contrato de trabalho a termo. Trabalhei também no controlo de mapas de licenças e planos de férias, receção e conferência de recibos de consultas e meios auxiliares, bem como a respetiva classificação para posterior tratamento informático. Finalmente, elaborei documentos de despesa e estive responsável pelos cartões da ADSE, nomeadamente o tratamento informático dos dados.
 
Dez anos depois, regressou “aos livros”.
Em 1996, fiz o Curso de Preparação de Técnicos-adjuntos de Biblioteca e Documentação, nos Serviços de Documentação. Só com esta formação é que poderia concorrer à área de biblioteca, pela qual me interessava verdadeiramente. Em 1999, surgiu a possibilidade de me candidatar a uma vaga da Biblioteca Pública de Braga (BPB) e foi assim que voltei aos livros e encontrei o percurso profissional que gostava. Passados 20 anos, ainda é um percurso de aprendizagem contínua e mantenho a vontade de ajudar e colaborar com quem nos procura.
 
O que faz na BPB?
As minhas tarefas são muito diversificadas. Faço o tratamento técnico e documental de monografias, registo, carimbagem, descrição física (catalogação) e classificação, quer de novas publicações vindas através do Depósito Legal e por oferta, quer de obras antigas, publicadas até 1800, já existentes em catálogo manual, incorporando-as no catálogo em linha. Faço atendimento ao público, recebendo e apoiando os leitores nas pesquisas bibliográficas nos catálogos da BPB e nos catálogos e outras fontes de informação de outras bibliotecas; presto apoio administrativo e financeiro; sou responsável pela conversão de documentos físicos existentes para formato digital; faço a atualização do website institucional, nomeadamente com as iniciativas organizadas pela BPB; colaboro com entidades externas, no âmbito de eventos organizados em parceria, como, por exemplo, nas comemorações do centenário do Theatro Circo, em que fizemos cerca de 10.000 digitalizações, desde programas a cartazes existentes na Biblioteca. Faço ainda recolha fotográfica e tratamento de imagem das iniciativas promovidas pela BPB, para divulgação das mesmas e, posteriormente, para arquivo e memória futura.
 
O que é que o satisfaz mais no seu trabalho?
O manuseamento de livros e jornais! Permite-me acompanhar, especialmente no caso dos jornais/revistas, o desenrolar de momentos históricos, nacionais ou internacionais, que são tratados nas notícias e em artigos. Por exemplo, sobre a Revolução do 25 de Abril, temos um separador na página eletrónica da BPB com todos os documentos que foram escritos à época. Enquanto fotografo ou digitalizo uma página de jornal ou de revista, há sempre curiosidades da época que aparecem: anúncios publicitários, logotipos e slogans e outras pequenas marcas, que muitas vezes já nem nos lembramos como eram e como evoluíram.


"A BPB tem as condições ideiais para se estar tranquilo, estudar, ler e atualizar-se"
 
Dos serviços onde trabalhou, qual foi o que mais o marcou?
A BPB, sem dúvida. Além de ser o local onde estou há mais tempo [ver a equipa em 2005, na fotogaleria acima], tem uma imensidão de conhecimento espalhado pelas estantes. A literatura infindável, passando naturalmente pela Biblioteconomia, História e Geografia, Ciências Civis e Direito, Belas Artes, Ciências, entre outras áreas do conhecimento que se vertem em jornais diários, semanários, escolares, desportivos, revistas de história local e nacional, revistas educativas... e, obviamente, o edifício em si mesmo, que é fabuloso!

O que é que os colegas aprendem com o seu trabalho?
Partilho o que sei e como fiz o caminho para o saber. Por vezes, é por tentativa-erro, mas, se não tentamos, nunca conseguiremos alcançar o pretendido, seja no que for. No trabalho que fazemos para o exterior há, e tem que haver, muito rigor, que é muitas vezes reconhecido, felizmente. Esse é um dos propósitos de uma unidade cultural como a nossa: divulgar, partilhar, mostrar o espólio valioso existente. É uma autêntica difusão de informação.
 
O que espera que as pessoas sintam quando vão à BPB?
A espectativa é que as pessoas que nos procuraram sintam que a escolha foi acertada! É um espaço que, para além de antigo e repleto de história, tem recantos acolhedores, uma sala de leitura com vista para o jardim e para a fonte, pássaros a chilrear, água da fonte a cair no lago, e um espaço contíguo para estudo em grupo. As salas estão equipadas com internet. São condições ideais para quem quer estar tranquilo, estudar, ler e atualizar-se. Queremos que haja, acima de tudo, vontade de voltar e, de preferência, muitas vezes!
 
Gosta de ler?
Sim! Para além de Eça, Camões e Gil Vicente, dos tempos de escola, gosto de ler policiais e romances históricos: Arturo Perez-Reverte, Dan Brown, José Saramago, José Rodrigues dos Santos e Umberto Eco. Não raras vezes, ando com livros de banda desenhada debaixo do braço: Michel Vaillant, Alain Chevallier, para além dos da Disney.
 
O que é que uma biblioteca deve significar para a sociedade em geral?
Uma biblioteca tem que ser um local aprazível para que leitores ou visitantes fiquem com vontade de voltar. Na BPB têm sido crescentes as solicitações rápidas e assertivas. Creio que este é um bom sinal de que os utentes gostam do atendimento que lhes é prestado. Fazemos os possíveis para que, assim que entram pela porta, o tempo de espera e o acesso às publicações seja o mais curto possível. Por isso, a demanda é sermos capazes de responder com eficácia e simplicidade, sermos resilientes e tornar as bibliotecas em geral, e a BPB em particular, locais onde as pessoas sintam que quem está “do lado de dentro” seja facilitador do acesso à informação. Por outro lado, é também cada vez mais importante disponibilizar conteúdos, quer através de exposições documentais, como fazemos na BPB, correndo o risco de perder visibilidade se não o fizermos, quer através dos canais eletrónicos de difusão, porque já muito se pensa que “o que não está na net não existe”. Com o crescimento do digital, a entrar por todos os lados, o desafio das bibliotecas é ter um papel importante na sociedade cada vez mais apressada e sem tempo. Queremos fazer as pessoas “tropeçar”, entrar, observar e, acima de tudo, “consumir”. Ao mesmo tempo, fazemos o melhor que sabemos para que “o papel” prevaleça como opção válida, com cheiros, com texturas, com vontade de molhar o dedo e virar a página! [sorriso]
 


  Algumas notas pessoais

  Um livro. “Homens bons”, de Arturo Perez-Reverte.
  Um filme. “O nome da rosa”, de Jean-Jacques Annaud.
  Uma música. “Verdes anos”, de Carlos Paredes.
  Uma figura. Os meus pais.
  Um passatempo. Ler.
  Um prato. Papas de sarrabulho.
  Um sítio. Gerês.
  Um momento. O ano de 1999. No mês de junho nasceu a minha filha e em agosto comecei a trabalhar na BPB.
  Um vício. O sofá, ler e ver filmes ou desportos motorizados.
  Um defeito. Dificuldade em sair dos “vícios”!
  Um sonho. Conservar a capacidade de estar “on”!
  Um lema. Um dia de cada vez.
  A UMinho. Local de constante aprendizagem.