Jornais universitários em Portugal carecem de apoios

30-11-2020 | Nuno Passos | Foto: ICS

Luís António Santos é investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) e professor do Departamento de Ciências da Comunicação do Instituto de Ciências Sociais da UMinho, em Braga

A transição da maioria das publicações académicas para o online é uma tendência clara, considera (ilustração: Unsplash)

O jornal online “ComUM” venceu vários prémios nacionais de jornalismo nos últimos anos, apesar de não ter qualquer apoio

A Rádio Universitária do Minho nasceu em 1989 e ganhou um papel fulcral na região; tem os estúdios no gnration, em Braga

Capas icónicas do "JUP" (Porto) e "A Cabra" (Coimbra), respetivamente de março de 2010 e de 2012; os dois títulos passaram entretanto para o online

No Brasil, alunos de Arquitetura e Urbanismo, Direito, Pedagogia, Psicologia e Letras, da Universidade Paulista, criaram, há poucos anos, jornais universitários sobre as especificidades de cada curso (foto: UNIP)

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As edições institucionais e independentes têm-se superado em geral, apesar dos seus meios longe da realidade do Brasil e EUA, diz Luís António Santos, professor do Instituto de Ciências Sociais.




Como vê a situação dos jornais universitários?
Vale a pena dar dois exemplos internacionais. Começo pelas universidades federais do Brasil – a Federal de Brasília, entre outras, possui jornal, revista, rádio e canal de TV, envolvendo vários funcionários para questões técnicas, professores a dedicar parte do horário letivo àquela iniciativa e um grupo de alunos da área com esta participação creditada na sua formação académica. Tem ainda uma agência de comunicação que integra projetos de ensino da mesma forma, graças à proximidade dos currículos de Comunicação e ao empenho da instituição, o que em Portugal não é comum.
 
Qual é o outro exemplo?
Se nós olharmos para os EUA, então os exemplos são ainda mais distantes da nossa realidade. A Escola de Jornalismo Walter Cronkite tem um edifício vistoso de seis pisos no centro de Phoenix. Possui jornal, rádio, podcasts, até um canal de TV com frequência e com telejornais “a sério” a várias horas do dia. Parte de um piso do edifício tem 60 a 80 jornalistas, há “professores de práticas” cujo emprego é apenas ser diretor do jornal, há direito a orçamento próprio, há delegações em Washington e Los Angeles (com alunos a estagiar um trimestre) e há ainda uma agência de comunicação, que trabalha para fora da universidade.
 
Alguma vez chegaremos a este modelo?
Não creio, até porque os meios de financiamento são diferentes. Ainda temos muito caminho para andar na comunicação institucional e na produção de formatos jornalísticos a partir do ambiente universitário.
 
Como é então este cenário no ensino superior em Portugal?
É importante fazer uma distinção. Em primeiro lugar, há as publicações das academias e das associações, que divulgam projetos, indicações úteis, o que se fez e vai fazer. É um modelo próximo da comunicação organizacional das instituições, tem um papel promotor e agregador. E, em segundo lugar, há as publicações académicas mais independentes de estruturas, com menos meios profissionais e menos dependentes de financiamentos que impactem a lógica global. Este modelo é sobretudo fruto do trabalho de alunos próximos à comunicação e por vezes com professores na produção dos conteúdos jornalísticos; nasce de forma espontânea e tende a ter vida efémera, quando os promotores concluem os estudos e saem da universidade.
 
Os dois modelos têm coexistido.
Sim, e têm histórias de vida diferentes. O que se vê nos últimos tempos, também devido às dinâmicas internas das universidades, é que estas têm tendencialmente cada vez mais espaços de comunicação estratégica, mas menos espaços de produção jornalística autónoma e independente. É uma progressão natural dos tempos atuais: as instituições querem estar em todos os canais [portal, redes sociais, jornal, revista, email…] para impactar os seus públicos. Aliás, dentro de cada academia temos subunidades a trabalhar essa presença, integrada com a Reitoria ou não, numa multiplicidade de formatos, plataformas e esforços. Nesta sobrecarga informativa é preciso ser cuidadoso e estratégico para atingir os vários públicos internos e externos.

 
Os exemplos do “ComUM” e da “RUM”
 
Até que ponto há esta sobrecarga de comunicação?
Basta abrir o email de uma universidade e ver os comunicados, eventos, anúncios, vídeos… As mensagens institucionais circulam à nossa volta, mas de facto teremos a mesma quantidade de informação jornalística sobre esta área de há dez ou vinte anos. Ou talvez menos. Isso configura um problema grave do desequilíbrio do tipo de informação que temos do mundo em que vivemos. Nos canais institucionais não se lança em geral grandes debates ou discussões animadas, porque não é assumido como “competência” desse tipo de formatos. Essa tarefa deveria estar mais próxima dos produtos jornalísticos e temos falta deles. Aliás, esses produtos têm redações cada vez mais diminutas e a fazer umas 30 páginas em pouco tempo, enquanto a comunicação estratégica tem mais pessoas e que exerceram jornalismo ou conhecem como este funciona. A par disso, a pandemia agravou a crise de muitos jornais universitários, que deixaram de ter métodos de circulação e fundos.
 
Como encara a realidade da UMinho?
Com a paragem do “Jornal Académico” [ligado à AAUM], agora só temos o “UMdicas” [jornal dos Serviços de Ação Social], a “RUM” [rádio ligada à AAUM] e o “ComUM” [jornal online dos alunos de Ciências da Comunicação]. Estes dois últimos têm critérios de trabalho jornalísticos, ou seja, dão notícias “favoráveis” e, também, “desfavoráveis”. Isto é bom numa comunidade de mais de 20 mil pessoas, cuja informação também tem apelo externo. É um espaço interessante que a maioria das universidades e politécnicos nacionais não tem. A “RUM” nasceu há três décadas e tem, aliás, um papel fundamental na região. O “ComUM” é alimentado apenas por alunos, que não têm qualquer recompensa pedagógica no seu percurso nem apoio institucional nem docentes envolvidos. Não há sequer gabinete, máquina fotográfica, linha telefónica ou computador cedidos pela instituição. Isso é algo admirável – há qualidade e consistência, certamente com alguns defeitos, que nos últimos anos mereceu vários prémios nacionais de jornalismo. É um orgulho, mas é também motivo de apreensão. Lembra os atletas de países pobres com um desempenho extraordinário.
 
A UMinho está bem posicionada neste âmbito?
Não está mal colocada na realidade de Portugal, mas há muito a fazer. Esse caminho inclui a construção do Centro Multimédia, esperado há vinte anos no campus de Gualtar [e ligado ao Instituto de Ciências Sociais]. Esse Centro seria benéfico para os cursos de Comunicação (agora com a exigência acrescida pelo arranque do mestrado em Media Arts) e teria implicações na produção de conteúdos audiovisuais da universidade e até na organização de iniciativas da sociedade civil, como debates com broadcast de excelência, contribuindo para afirmar a imagem externa da UMinho.



Transição para o digital "é inevitável"

Como perspetiva as publicações académicas em termos de formatos e narrativas?
A transição para o digital é inevitável para praticamente todos os tipos de produção informativa. Não diria exclusividade, mas uma maior aposta aí. Os consumos online cresceram, sobretudo no mobile, onde se acede em contínuo, e quem quer comunicar deve fazer esta aproximação. Digamos que a publicação institucional pode fazer comunicação mais ligada ao agendamento estratégico da academia e tendencialmente positiva, ao passo que a jornalística pode falar do que fazem os alunos, de projetos alternativos ou alertar para situações. É aí que às vezes há certa tensão e atrito – se o “ComUM” fala de uma RGA polémica, é indicativo de produção jornalística com impacto real na qualidade de vida da comunidade.
 
Com a aposta no digital, o público é o mundo?
Não podemos ter a ambição de que tudo o que produzimos vai interessar a toda a gente. Esse é um impulso comum e gera ruído. Há conteúdo que só faz sentido para os antigos alunos, por exemplo. Se a instituição difundir, para todos os destinatários, desde as datas de provas de mestrado até uma inovação fabulosa, esta última perde-se em termos de impacto. A escassez de informação passou agora a escassez de atenção, disse Herbert Simon, Nobel da Economia. A estratégia passa por segmentar conteúdos para audiências específicas.
 


Segmentar públicos
 
Que opinião tem do NÓS – Jornal Online da UMinho, a celebrar 100 edições?
É um espaço de comunicação institucional que de alguma maneira tenta fazer uma divulgação que destaca alguns tópicos, assuntos, pessoas e desenvolvimentos concretos da atividade académica e da investigação. Por ser mensal, seria importante uma estratégia integrada, pois alguns assuntos não esperam, como o artigo na Nature que é relevante hoje ou o governante que vem para a semana. A contínua aceleração dos fluxos informativos pode tirar espaço de manobra para ser original e relevante no timing mensal. Diria que o NÓS não deve conflituar com outros canais de divulgação e deve manter o interesse das audiências. No fundo, ter uma aproximação diferente aos temas, saber aprofundá-los e enquadrar outros olhares. Ou seja, há coisas que a UMinho pode divulgar rápido nas redes, enquanto o NÓS pode ser um produto sofisticado, apostando na forma e no conteúdo, com mais recursos materiais e humanos.
 
Um projeto institucional designar-se “jornal” pode gerar dúvidas?
A palavra “jornal” significa hoje sobretudo o “exercício do jornalismo”, seja ou não escrito. Por exemplo, há o jornal radiofónico e o jornal da noite televisivo. O que vemos atualmente em vários produtos é uma proximidade estética e de conteúdos entre aquilo que é a comunicação institucional e o que é o jornalismo.