As caras do projeto “Comunicar Ciência”

30-11-2024 | Nuno Passos

À conversa com a nutricionista Teresa Campos, a 10 de novembro, nos estúdios da Rádio Antena Minho, em Braga

Elsa Costa e Silva, diretora do mestrado em Comunicação de Ciência da UMinho, no I Encontro "Comunicação Ciência", em 2022

Inês Guimarães ("MathGurl"), aluna de Computação da UMinho e com 110 mil seguidores no YouTube, no III "Ciência para todos"

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Formados em Geologia pela UMinho, Catarina Loureiro e Jorge Dinis Oliveira levam a ciência ao público na rádio e em conferências.





O que despertou o vosso interesse pela comunicação de ciência e como começaram a trabalhar nessa área?
Jorge Dinis Oliveira (JD): A comunicação de ciência decorre de um processo de desenvolvimento pessoal mais abrangente relacionado com a comunicação, iniciada formalmente no clube Braga Toastmasters em 2014. Se numa primeira fase o meu foco era o de melhorar as competências para falar em público, numa segunda fase senti a necessidade de trabalhar mais a escrita e, numa terceira fase, a rádio. Diria que este processo de desenvolvimento pessoal, na área da comunicação, se fundiu com a Ciência por acompanhar o excelente projeto Estórias Com Ciência, da Catarina, e perceber a necessidade de existirem mais vozes críticas relativamente à pseudociência.
Catarina Loureiro (JL): Para mim, surgiu quase por acaso. Também sou licenciada em Geologia pela UMinho. No mestrado em Geoconservação, em 2010, comecei a trabalhar numa área protegida ao nível da divulgação/educação e apaixonei-me. Não estava à espera, sempre quis ser investigadora, mas a possibilidade de partilhar com o público o quão fascinante pode ser a história do nosso planeta cativou-me. Desde aí, nunca mais quis voltar à investigação e dediquei-me a 100% à comunicação científica.

Como surgiu o vosso postcast e programa na rádio Antena Minho, desde propor a rubrica até definir título, periodicidade, formato, público-alvo e convidados?
JD: Lancei o desafio à Catarina, que aceitou e contactei então o diretor da rádio Antena Minho, Paulo Monteiro, que eu já conhecia. Pretendíamos um programa quinzenal de 15 minutos, dirigido ao público em geral, onde pudéssemos divulgar os mais diversos temas científicos, falar sobre pseudociência e, principalmente, convidar e dar voz a muitos investigadores e comunicadores de ciência. Isto fez todo o sentido por três grandes motivos: a rádio é da nossa cidade e, por isso, jogamos em casa; serve a população à qual queremos chegar; sendo na rádio, não teríamos que desenvolver todo o esforço logístico necessário a quem apenas” tem um podcast (gravações, edições...).
CL: Sim, o Jorge lançou-me o desafio e eu achei logo uma ótima ideia. Nunca tínhamos feito rádio, mas a ideia de comunicar para um público não especialista, de levar a ciência a todos os públicos, como costumamos dizer no programa, foi demasiado tentadora. O facto de a Antena Minho nos ter dado sempre liberdade total foi um privilégio enorme. Para uma rádio local, com poucos recursos, lançar um programa quinzenal sobre ciência é arrojado e corajoso, não é habitual neste tipo de rádios.

Quando e com quem foi o primeiro episódio?
JD: Foi para o ar no dia 9 de novembro de 2021, pelas 18h30. Falámos sobre comunicação de ciência e o seu valor para a sociedade. O primeiro convidado surgiu no terceiro episódio, com o professor Manuel Vieira a falar sobre o interesse da ilustração científica na comunicação de ciência e no desenvolvimento da ciência. O programa passou de quinzenal para semanal muito por culpa (boa) do físico Ricardo Ribeiro [professor da Escola de Ciências da UMinho]. Fizemos tantas emissões sobre física quântica, baseados no seu livro "Física XXI – Introdução à Física Contemporânea", que tivemos de alterar a periodicidade do programa!
 
Traduzir conceitos complexos para o público leigo é o vosso maior desafio?
JD: Para mim, o maior desafio continua a ser a abordagem às pseudociências. Abordar temas como a homeopatia, astrologia, medicina tradicional chinesa, shiatsu, reiki, entre outros, que, apesar de mais do que refutados pela Ciência, continuam a ter imensos praticantes. Factos não mudam as crenças de ninguém, ou dificilmente mudam, e esta tarefa de combater” a pseudociência pode ser frustrante. É também frustrante verificar a quase ausência de profissionais, especialmente na área da saúde, no combate às pseudociências. Mais frustrante ainda é verificar que muitos se encontram do outro lado da barricada.
CL: Para mim, tem sido um desafio interessante desconstruir como funciona o processo de investigação científica. Explicar que um medicamento ou terapêutica demora anos a desenvolver e passa por diversas fases de investigação antes de chegar até nós. Por exemplo, recebemos num programa recente uma investigadora que trabalha no potencial terapêutico para o cancro de um tipo de cogumelos. É uma investigação com muito potencial e motiva muito interesse do público. Para nós, é importante comunicar que isto está numa fase inicial, que irá passar por muitas fases de investigação e testagem até chegar a uma farmácia ou hospital. Creio que é importante explicar este processo de forma a que a população perceba o porquê de demorar tanto tempo ou de ser tão caro. E acho (espero) que essa compreensão também passe uma sensação de confiança sobre os fármacos.



Inês Guimarães ("MathGurl"), aluna de Ciências da Computação da UMinho e com 110 mil seguidores no YouTube, no III "Ciência para todos", no INL


Explicar o processo de investigação e combater a pseudociência

Já terão superado os 50 entrevistados, parte deles investigadores da UMinho. O que têm previsto para os próximos tempos?
JD: Pretendemos alargar as geografias dos investigadores e já demos o pontapé de saída para ter mais investigadores da UTAD, por exemplo. Temos também vindo a conversar acerca da possibilidade de gravar um ou mais episódios com uma audiência. Tem sido um privilégio poder conhecer gente tão talentosa e trabalhadora com um contributo muito positivo para a nossa sociedade.
CL: Pretendemos também alargar as áreas de investigação, nomeadamente trazendo mais pessoas das ciências sociais. Posso adiantar que vamos ter em breve entrevistas com investigadores e alunos da Escola de Direito da UMinho.

O programa "Comunicar Ciência" deu também lugar ao encontro anual "Ciência para todos" no INL. Que balanço fazem das três edições e como será em 2025?
JD: Do ponto de vista da comunicação clara e acessível da ciência, da relevância dos temas abordados, do anfitrião, da capacidade para atrair público e da qualidade dos oradores, o balanço não podia ser mais positivo. Os organizadores Antena Minho e INL contribuíram para o sucesso, assim como os parceiros "Noite Europeia dos Investigadores", Universidade do Minho, Sinergeo e Estórias Com Ciência. O desafio agora é o de encontrar patrocinadores que nos ajudem a alavancar o evento para outros patamares.
CL: A organização deste encontro anual foi outro grande desafio do Jorge e ao qual nos lançamos de cabeça. Só tem sido possível devido ao esforço de todos os envolvidos. Na última edição, em outubro, tivemos casa cheia, um leque de oradores muito rico e diverso e uma audiência muito interessada e envolvida. Para 2025, queremos chegar ainda a mais pessoas.

Que reações têm recebido do público pelo vosso trabalho, até noutros países? Neste âmbito, certamente também se inclui o "Estórias com Ciência" da Catarina ou a Sinergeo cocoordenada pelo Jorge.
JD: Acho sempre que quase ninguém ouve o programa, mas aqui e ali vou-me surpreendendo com feedbacks positivos. Por vezes sinto a necessidade de clarificar que este não é o meu trabalho, mas um “passatempo” bastante peculiar. No entanto, a empresa onde trabalho, spin-off da UMinho na área das Geociências/Geofisica, investe recursos em projetos de I&D desde a sua fundação em 2006 e tem também apoiado os encontros de comunicação, devendo continuar a fazê-lo.
CL: As reações que recebo são sempre muito simpáticas e motivadoras, por vezes fico algo surpreendida. É bom ver que as pessoas reconhecem a importância de comunicar ciência de forma simples e para todos os públicos. Por exemplo, tenho um tio de 70 anos que nunca se interessou por estes temas, mas faz questão de partilhar que gosta muito de ouvir o "Comunicar Ciência" e de ler os artigos que vou escrevendo para jornais locais. Este tipo de feedback é muito compensador e motivador.

De que forma a comunicação científica pode ter mais relevo no combate à desinformação e na construção de uma sociedade mais informada?
JD: Gosto muito de uma citação atribuída a Carl Sagan: “We've arranged a global civilization in which most crucial elements profoundly depend on science and technology. We have also arranged things so that almost no one understands science and technology. This is a prescription for disaster. We might get away with it for a while, but sooner or later this combustible mixture of ignorance and power is going to blow up in our faces." Com o programa e os eventos, pretendo, em primeiro lugar, aprender e, em segundo lugar, contribuir, ainda que de forma modesta, para combater a desinformação e a pseudociência, divulgando Ciência.
CL: A comunicação de ciência tem um papel fulcral no combate à desinformação. Como o Jorge disse, os dados não convencem, precisamos de levar a informação às pessoas de outra forma mais simples, mais compreensiva e até mais pessoal, de conectar a população à informação de uma forma mais profunda. E penso que a comunicação de ciência e os comunicadores de ciência em particular possuem ferramentas únicas. Usando a ciência e os factos conseguimos construir narrativas, contar estórias que cheguem às pessoas e que as ajudem a compreender e gostar de ciência.