Vertente menos conhecida de Camões reeditada por professor da UMinho

31-10-2024 | Pedro Costa

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Sérgio Guimarães de Sousa reúne as três peças de teatro do poeta maior do quinhentismo português, fazendo a fixação do texto, as notas e o prefácio.




Acaba de ser publicado "Teatro de Luís de Camões", da autoria de Sérgio Guimarães de Sousa. Este investigador do Centro de Estudos Humanísticos (CEHUM) e professor da Escola de Letras, Artes e Ciências Humanas (ELACH) da Universidade do Minho é responsável pela fixação do texto, pelas notas e pelo prefácio da obra de 392 páginas, que tem a chancela da editora Assírio & Alvim e surge aquando dos 500 anos do nascimento do autor quinhentista.

O teatro constitui a vertente menos conhecida da vasta e multifacetada obra de Luís Vaz de Camões. Contudo, diz o docente, a dramaturgia camoniana merece a maior das atenções. "Não só pela sua manifesta versatilidade e pelo indesmentível merecimento literário, mas também por nos dar a ver um Camões extremamente hábil no exercício do humor, sem nunca abdicar da sua inigualável sensibilidade lírica", refere. Sérgio Guimarães de Sousa nasceu em 1970 e é professor de Teoria da Literatura e Literatura Portuguesa. Foi docente visitante nas universidades Blaise-Pascal (França), São Paulo, Federal do Paraná (Brasil), Brown e Massachusetts Dartmouth (EUA), entre outras.

 

Quais são as peças e a sua natureza literária que foram selecionadas neste novo livro?
A obra reúne a totalidade conhecida do teatro de Camões. Ou seja, o Auto dos Enfatriões, a Comédia d’El-Rei Seleuco e o Auto de Filodemo. Relativamente a esta última peça, existem duas versões textuais. Uma impressa em 1587, incluída na coletânea Autos e Comedias Portuguesas feitas por António Prestes, por Luis de Camões, e por outros Autores Portugueses; e uma cópia manuscrita do auto no Cancioneiro em que vão obras dos milhores poetas de meu tempo ainda não empresas e tresladadas de papeis da letra dos mesmos que as composerão, começado na india a 15 de janeiro de 1557 e acabado em Lisboa em 1589 por Luis Franco Correa, companheiro em o estado da india e muito amigo de Luís de Camões. Dadas as significativas diferenças entre os textos e na falta de um texto-arquétipo, incluímos na edição estes dois testemunhos quinhentistas da peça.
 
Como surgiu a ideia de explorar uma vertente menos reconhecida da obra de Camões?
Precisamente por se tratar da vertente menos conhecida. A obra camoniana, como sabemos, está robustamente constituída e solidamente instalada na cultura portuguesa e no cânone literário universal por via de duas modalidades expressivas: a épica e a lírica. Mas Camões também se dedicou ao teatro, no qual a sua dimensão lírica, aliás, se prolonga. Para fazermos uma apreciação global do talento literário e inventivo de Camões, temos forçosamente de passar pelo teatro.
 
O que pode ser encontrado nesta sua obra que possa trazer nova visão sobre um dos mais estudados autores portugueses?
O leitor do teatro camoniano, além de tudo o mais, constatará, seguramente, duas vertentes apreciáveis: a notável versatilidade de Camões, visível no facto de ter redigido três peças bem distintas umas das outras, cada uma pautada por uma tradição literária própria. Por exemplo, em Filodemo, é possível reconhecer, sem custo, a influência da Celestina, célebre personagem da Tragicomédia de Calisto y Melibea. Já no Auto dos Enfatriões, não há como negar a receção de Plauto. Outro aspeto muito marcante do teatro de Camões e que poderá surpreender é o humor. Em geral, o poeta, o que em parte se explica por ser símbolo maior do nosso país, não está associado, no nosso imaginário cultural, ao cómico. No teatro, a faceta humorística de Camões fica evidente. É um hábil comediógrafo.
 
Há ainda espaço de interpretação para “descobrir” Luís de Camões?
Camões é um clássico; e como dizia, com inteira justeza, Italo Calvino, numa célebre e clássica (é caso para dizer) definição: “Um clássico é um livro que nunca acabou de dizer o que tem a dizer”.