Desabafar pela escrita está a ajudar os estudantes universitários

31-10-2024 | Nuno Passos

Para participar basta ser estudante do ensino superior, ter mais de 18 anos e ser fluente em português

João Batista e Janine Marinai (foto: RUM)

O programa pretende chegar a pelo menos 300 estudantes do ensino superior (foto: Pexels.com)

O projeto já foi alvo de um artigo científico de João Batista, Janine Marinai, Melissa Gouveia, João Tiago Oliveira e Miguel Gonçalves

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Programa "Write 'n' Let Go" propõe tarefas escritas online em quatro dias, para cada participante enfrentar de forma autónoma os seus problemas.




O Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho (CIPsi) está a ajudar os estudantes do ensino superior a lidar melhor com os seus problemas através da escrita. A pessoa só tem que criar uma conta em writenletgo.pt, preencher alguns questionários e identificar o que está a gerar sofrimento psicológico, como solidão, bullying, ansiedade, adaptação, luto, doença, relacionamento ou exigência académica. O apoio inclui tarefas online de 20 minutos em quatro dias seguidos, realizadas de forma autónoma e sem contacto com os investigadores. Os resultados iniciais têm sido positivos, como na indecisão em relação a querer melhorar e no ruminar (deixar de pensar sobre algo de forma improdutiva).

Este programa de intervenção psicológica chama-se “Write ‘n' Let Go”, é cofinanciado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e visa níveis de sofrimento baixo a moderado. Casos desafiantes de depressão, trauma e comportamento de risco podem ser alvo de avaliação inicial e direcionados. "Num mundo cheio de estímulos e (des)informação, uma vantagem desta intervenção é a pessoa ter um espaço de reflexão sobre os seus sentimentos, ainda que escreva com certas instruções, e também poder parar e pensar, por exemplo, sobre os recursos que tem para lidar com o problema e porque não resultam", diz João Batista, do Laboratório de Psicoterapia e Psicopatologia do CIPsi. O investigador está a realizar este projeto com a estudante de doutoramento Janine Marinai e o professor catedrático Miguel Gonçalves, presidente da Escola de Psicologia da UMinho.
 
A pessoa participante deve assim deixar-se ir pela escrita, sem preocupações com os erros gramaticais ou a pontuação. O método integra a escrita expressiva (centrada nos sentimentos profundos e por vezes negativos sobre certo tema) e a escrita positiva (que também inclui as competências e habilidades da pessoa). “Ao confrontar e explorar emoções, a/o participante apercebe-se, ao seu ritmo e de forma autónoma, de novos aspetos do problema e traz ângulos que tinha evitado ou nunca tinha considerado – o seu ganho principal é uma maior consciência sobre a situação”, continua o psicólogo. O sucesso da ação pode levar à melhoria de sintomas como noites mal dormidas, falta de apetite ou procrastinação.
 

A intervenção psicológica como prevenção

“Os estudantes universitários têm uma incidência grande de problemas psicológicos e queremos confirmar se as intervenções de escrita são úteis e relevantes na prevenção, a qual é por vezes descurada”, reforça Janine Marinai. "A psicoterapia teve durante muito tempo um estigma, que ainda persiste sobre pessoas com perturbação psicológica, logo é fundamental ajudá-las para se evitar tal sofrimento que leve a abstinência nas aulas, no trabalho e não só”, frisa. “O nosso programa não é milagroso, mas pode impactar positivamente na vida e no bem-estar de algumas centenas de pessoas", acrescenta João Batista.

O “Write 'n’ Let Go” começou em 2020 e está na sua segunda edição, podendo ser acompanhado no Instagram. Na edição anterior, o stress e ansiedade dos exames/apresentações e a desmotivação foram as questões académicas mais comuns. Os dados pessoais dos participantes são totalmente confidenciais, sendo tratados exclusivamente dados sociodemográficos e os textos. As conclusões da primeira edição resultaram num artigo científico na revista Frontiers in Psychology. Pondera-se também a viabilidade de oferecer a médio/longo prazo uma ferramenta deste género ao público em geral.
 
O Inquérito sobre Estigma em Saúde Mental promovido pela Angelini Farmacêutica concluiu que 77% dos universitários lidam sozinhos com o sofrimento psicológico e 51% conhecem colegas ou amigos a quem foi diagnosticada uma doença mental no período académico. Portugal gasta 6.6 mil milhões de euros anuais na doença mental, o que representa 3.7% do PIB. A depressão afeta 10% dos portugueses e as perturbações psiquiátricas atingem 23% da população, colocando o país em segundo lugar na Europa. Segundo o Conselho Nacional de Saúde, as perturbações mentais são a principal causa de incapacidade e retiram um terço dos anos de vida saudáveis devido a doenças crónicas não transmissíveis.