Moradores querem ser compensados pelo impacto ambiental das energias renováveis

29-01-2015 | Nuno Passos

Lígia Pinto é professora associada com agregação da Escola de Economia e Gestão da UMinho

Os cidadãos mostraram-se pouco informados sobre a biomassa florestal (foto do portal sif.org)

A Central Solar da Amareleja, no Alentejo, era em 2008 a maior central fotovoltaica do mundo

A imponente barragem de Bemposta foi criada há 50 anos no Douro Internacional (foto do blogue portugalfotografiaaerea)

As renováveis são vistas pela sociedade e políticos como energias limpas, sobretudo se comparadas com as energias fósseis, mas podem gerar impactos locais visuais, sonoros, da fauna e flora, de interferências eletromagnéticas e a nível patrimonial

O parque eólico das Terras Altas de Fafe fica junto a dezenas de habitações (foto de Patrícia Sousa)

O emprego local permanente gerado por estas estruturas é residual; na construção e instalação, os trabalhadores são com frequência fora da região. Ainda assim, os investimentos recentes nas eólicas tornaram Portugal uma referência mundial

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Primeiro estudo nacional na área abre portas para o Governo incluir o custo monetário dos impactos ambientais sobre o bem-estar de populações locais.




A Universidade do Minho coordena o primeiro estudo nacional para determinar o valor monetário dos impactos ambientais da instalação de uma central eólica, hídrica, fotovoltaica ou de biomassa. A pesquisa avalia a justa compensação aos residentes, bem como a disponibilidade a pagar da população em geral para evitar os impactos ambientais considerados. A meta é que, quando Governo decidir investir nestes projetos, passe a integrar o custo monetário dos impactos ambientais. 

A chamada “valoração ambiental” é uma prática comum nos EUA, quer nas decisões do Governo como dos tribunais. Na União Europeia há recomendações nesse sentido, mas a sua aplicação é incipiente, refere Lígia Pinto, professora da Escola de Economia e Gestão da UMinho e coordenadora do estudo “Valoração económica dos impactos ambientais de energias renováveis”.

A instalação deste tipo de estruturas está sujeita a um estudo de impacto ambiental, que elenca os impactos e escolhe as medidas mitigadoras. Porém, este estudo não quantifica esses impactos em termos monetários, pois baseia-se na opinião de especialistas que categorizam a respetiva gravidade em escalas qualitativas. “O que propomos agora é apurar uma medida monetária dos impactos, isto é, perguntamos à população local o quanto estaria disposta a ser compensada e, ao público em geral, quanto estaria disposto a pagar para evitar cada tipo de impacto num quadro multi-atributo”, realça a docente. 

A cientista do Núcleo de Investigação em Microeconomia Aplicada sustenta que a sociedade em geral "quer combater as alterações climáticas, reduzir a dependência energética do país, mas não deve por essa razão ignorar os impactos locais da instalação das unidades de produção de eletricidade”. “O fim do nosso estudo não é dizer aos decisores políticos se é mais eficiente investir nas renováveis por contraponto a outras. Nem que se deve investir em hídricas ou eólicas. O objetivo é fornecer mais um elemento para integrar a decisão política”, justifica ainda.

Da "floresta de ferro" ao "gigante de betão"

O estudo em concreto, apoiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e pelo Compete-QREN no período 2012/15, decorreu nos parques eólicos da serra d’Arga (Caminha), das Terras Altas de Fafe e da serra da Padrela (Vila Pouca de Aguiar), bem como nos parques fotovoltaicos da Amareleja (Moura), Brinches (Serpa) e Ferreira do Alentejo, nas barragens da Bemposta e Picote (Douro internacional) e na barragem prevista para Almourol (Vila Nova da Barquinha), além de algumas centrais de biomassa dedicadas (florestal). Não se avaliou os casos da energia das ondas e da energia eólica offshore (em alto mar), pois são exploratórios em Portugal. O trabalho englobou inquéritos nacionais, entrevistas presenciais, grupos de foco e usou metodologias de economia experimental, além de técnicas validadas em teses recentes na UMinho e da revisão da literatura científica internacional.
 
A equipa de investigação está na fase de análise de resultados, contudo já há algumas conclusões. Os residentes identificaram diversos impactos negativos daquelas estruturas, sobretudo para a fauna e flora locais. “Isto mostra que a educação ambiental faz o seu caminho, alertando para a preservação dos ecossistemas, e isso sucede mesmo nas aldeias”, frisa Lígia Pinto. Nas eólicas, as populações do Norte, alvo de maior concentração de aerogeradores, foram as que se sentiram mais incomodadas pelo impacto visual e pelo ruído. “É muito claro o transtorno dos aerogeradores e o ruído das eólicas nos moradores, a sensação ‘isto faz-nos mal’ – e sentem alguma justiça em serem compensados por viverem junto a algo que produz benefícios ambientais para todos”, assinala a economista.
 
Nas fotovoltaicas, os residentes acham que devem ser ressarcidos dos impactos provocados em particular pelo reflexo da luz e pela ocupação do espaço: “Na Amareleja, chamam-lhe a ‘floresta de ferro’, pois havia ali um olival”. Sobre as barragens, as opiniões divergem, pois estes “gigantes de betão” têm algumas décadas e as pessoas vivem no topo dos montes, tendendo a habituar-se. “Os residentes dizem que a barragem altera a paisagem e reduz áreas agrícolas, patrimoniais e de lazer, mas em simultâneo essa maior concentração de água cria uma albufeira com certa beleza e pode atrair turismo”, aclara Lígia Pinto. O estudo incluiu o caso de Almourol, em discussão pública, mas a maioria dos populares “até desconhecia estar em zona que pode ser alagada e as consequências que a construção traria na sua vida”. Por fim, abordou-se a biomassa florestal, que tem poucas centrais no país. Os cidadãos mostraram-se pouco informados sobre a biomassa.
 
Este projeto científico junta ainda os professores Paula Varandas Ferreira, Pedro Arezes, Carlos Bernardo (todos da UMinho), Anabela Botelho (Universidade de Aveiro) e Lina Sofia Gomes (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro), a par de Patrícia Sousa (mestre em Economia Industrial e da Empresa pela UMinho) e Sara Sousa (doutoranda em Economia na UMinho e membro do ISCA/Politécnico de Coimbra).
 

Freguesias precisam de ajudar idosos a renegociar contratos de eletricidade
 
 As juntas de freguesia deveriam ter um colaborador que ajudasse os idosos a renegociar a sua fatura de eletricidade, sugere Lígia Pinto. Em muitas regiões rurais há seniores isolados a pagar 60 a 80 euros mensais quando usam apenas frigorífico e televisão. “É um exagero, há com certeza contratos que poderiam ser renegociados em termos mais favoráveis, como reavaliar a potência dos contadores. Estas pessoas têm alguma idade, nível escolar baixo, estão distantes de mais novos ou familiares e fazem grandes sacrifícios para se sustentar com pequenas reformas", acentua a investigadora.

Lígia Pinto considera que as juntas de freguesia poderiam resolver rapidamente esta dificuldade, contratando por exemplo os serviços de um colaborador disponível nas listas do Centro de Emprego, que possa intermediar em alguns períodos da semana junto da EDP e de outros operadores, naturalmente na presença das pessoas idosas interessadas, para contratar um plano tarifário mais adequado. Esta situação não integrou o estudo principal de Lígia Pinto, mas foi uma constante verificada nas centenas de entrevistas realizadas nas diversas aldeias portuguesas. Uma das perguntas era precisamente “Quanto paga de eletricidade por mês?”. No global, as pessoas em zonas remotas "aparentam pagar demasiado”.