"Sempre procurei ser divergente"

29-05-2015 | Pedro Costa

Com uma 'mamita' em Pisac, no vale sagrado dos Incas, no Perú, país onde vive

Jantar em 1987, com Fernando Soares, Adriano Gonçalves, Luis Novais, Fernando Almeida Santos, Sérgio Machado dos Santos, João e Cabeço Silva

Maio de 1991, com João José Silva, Fernando de Almeida Santos, Luís Novais, António Miguel Bonzinho, Ângelo Sousa e, na fila de baixo, Cândido Pires e Ricardo da Cunha Reis

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Luís Novais

Ex-aluno de História e antigo líder da AAUM é escritor, jornalista, empresário e... viajante.



Luís Novais nasceu em Braga, licenciou-se na UMinho em História e Ciências Sociais, em 1992, e foi o primeiro presidente da Associação Académica da UMinho (AAUM) a cumprir três mandatos consecutivos, entre 1988 e 1991, numa época em que a associação e ele próprio protagonizaram um papel central no movimento estudantil nacional. Sob a sua liderança, a AAUM reinventou tradições académicas, desde o Enterro da Gata ao traje, procurando uma identidade própria para a UMinho. Pelo meio incrementaram-se grupos culturais, foi legalizada a Rádio Universitária do Minho (RUM) e criada a Fundação AAUM.

Profissionalmente, Luís Novais teve uma incursão de investigação na área da História, foi adjunto do ministro da Educação e ainda empresário na área das tecnologias da informação e comunicação. Hoje, com 49 anos, cultiva uma alma de viajante e vive no Perú, onde é correspondente do Expresso, escritor – além de produção poética, publicou quatro romances em Portugal e no Brasil -, tem uma empresa de produção de meios de comunicação, preside à quinquagenária Asociación de Prensa Extranjera en el Perú (APEP) e mantem o blogue Ventos Dispersos. Luís Novais aceitou falar com o NÓS acerca das memórias que viveu na academia minhota e do seu percurso de vida.



Ainda se lembra do primeiro dia na UMinho? Como foi?
Perfeitamente. Fui-me inscrever. Os Serviços Académicos eram no Largo do Paço e havia muitos veteranos à espera de caloiros. Não sei como, consegui passar despercebido.
 
Foi fácil a integração numa nova universidade?
Sou de Braga e é impossível dissociar uma coisa da outra. Desde criança que tive contacto com a UMinho. Fiz a primária e o então chamado ciclo na Gulbenkian. Lembro-me de estarem a construir o edifício onde é atualmente a sede da AAUM e de ouvir dizer que era para a UMinho. Nuns terrenos atrás da escola estavam também a fazer uns pavilhões pré-fabricados que já não existem e tinham a mesma finalidade. De forma que posso dizer que, desde o início da minha vida escolar, andei rodeado pela nossa universidade... estava escrito que tinha de ir lá parar! [risos]
 
A opção pelo percurso académico foi vocacional ou tinha outros sonhos de criança?
Desde que me conheço que queria licenciar-me em História. O meu pai ensinou-me a ler e teve uma grande influência. Falava-me do Egito, da Mesopotâmia... Por essa altura iniciavam-se as escavações de Bracara Augusta na colina de Maximinos e eu estava constantemente a pedir que me levassem lá. Via aquelas construções e regressava a casa sonhando com o que aquelas pedras tinham testemunhado. Imaginava-as como seres viventes, com visão e memória. A minha mãe incentivava-me muito a ler, costumava dizer que para comprar livros nunca me negava apoio. Invariavelmente, eu escolhia livros de História. Mais tarde, quando descobri a Biblioteca Pública, foi um admirável mundo novo!
 
Foi alguém academicamente muito ativo. É algo que já lhe estava no código genético ou desenvolveu-se na academia?
Se há algo que esteja no meu código genético é a divergência, uma palavra que é a forma politicamente incorreta forma de dizer "inovação"... Prefiro a primeira, não só porque sou politicamente incorreto, mas também porque a segunda foi apropriada para uma conotação que não partilho: a de que o mundo se divide entre empreendedores inovadores e passivos preguiçosos. A ambição de cada um deve ser chegar ao céu do empreendedorismo e, através duma visão limitada do que é inovar, livrar-se do inferno da estagnação... Esquecem-se que os verdadeiros inovadores raramente têm sucesso porque estão muito adiantados ao seu tempo. Isto para dizer que procurei ser na universidade, como sou na vida, divergente. Algumas marcas que aí tenha deixado e que, não devo exagerar (foram poucas) terão sido provocadas por essa inquietude que sempre me caracterizou.


"Tenho pena que vejam o traje e o Enterro da Gata como a maior marca que deixei"
 

Quais são as grandes memórias desse período quente em que liderou a AAUM?
Lembro-me do debate em torno da aprovação dos estatutos da Universidade, em que fizemos finca-pé na paridade eleitoral entre corpo docente e discente, um perfeito disparate de que na altura éramos muito convictos e em que tínhamos a lei do nosso lado. Antes de ser presidente da Associação lembro-me também de ter sido muito ativo na luta para que as universidades clássicas não abrissem licenciaturas em ensino, outro disparate, mas relativamente ao qual, neste caso, tínhamos a lei contra nós. Saindo dos disparates, lembro-me dos momentos em que tive um papel muito ativo na legalização da RUM, naquilo que foi o culminar do trabalho que vinha de outras direções e estava sustentado na persistência de dois colegas que, eles sim, montaram o projeto: o Fernando Araújo e o Norberto Moreira.

Tinha boas equipas?
Olhando para esse tempo, devo reconhecer que sempre tive excelentes colegas a trabalhar comigo e que, se tive alguns êxitos, foram sem dúvida catalisados por esse fator. Lembro-me também do momento em que fui eleito pelas restantes academias como representante dos estudantes do ensino superior no Conselho Consultivo da Juventude, o órgão consultivo do Governo para temas da juventude. Isso abriu-me portas a uma intervenção mais direta na política educativa e juvenil, que me agradou. Não posso deixar de referir o momento em que tomámos a decisão de nos autonomizarmos da tradição coimbrã e recriar aquelas que eram localmente nossas: o traje e o Enterro da Gata. Quanto ao traje, fomos a primeira academia do país a fazê-lo e o nosso exemplo viria posteriormente a ser seguido por muitas. Foi interessante ser pioneiro neste movimento, mas não mais do que isso. Claro que me sinto emocionado quando vejo tantos estudantes da UMinho a vestir um traje que fui o primeiro a vestir; claro que me sinto igualmente emocionado quando vejo o impacto que as festas do Enterro da Gata têm na academia. Por outro lado, tenho pena que essa seja considerada a maior marca que deixei na academia, porque, convenhamos, comparativamente a questões verdadeiramente significativas, isto tem a importância que tem.

O que o leva a pensar assim?
Devo dizer que não era fácil ser dirigente associativo, e isto precisamente pelas facilidades com que o poder procurava manobrar as nossas prioridades. Durante os mandatos do prof. Cavaco Silva como primeiro-ministro, as associações académicas recebiam muito dinheiro para se transformarem em prestadoras de serviços: equipamento para bares, reprografias, contratação de funcionários... Tudo isso era subsidiado e levava-nos alegremente para um caminho em que estávamos mais preocupados com o nosso papel de gestores do que em sermos agentes ativos da mudança nos modelos socioeducativos. A nossa intervenção neste campo era subestimada pelo papel de putativos gerentes de uma "empresa" chamada academia... No fundo, essa era a ratoeira que nos armavam. Nisso, tenho alguma inveja da geração de finais dos anos 60, que foi politica e socialmente muito ativa e viu nascer vozes como as de Zeca Afonso e Adriano. Para nós, ficou o Quim Barreiros...

Cada tempo é condicionado pelas dificuldades e também pelas facilidades com que se vive. 
Enfim, há que reconhecer isso. Esta espécie de anestesia foi um erro que quase toda a minha geração de dirigentes cometeu e foi um dos fatores de imobilidade do país. Provavelmente, hoje teríamos um Portugal melhor se os dirigentes associativos do meu tempo, comigo incluído, tivessem sido mais irrequietos. Da forma como foi, estávamos preparadinhos para aceitar pacificamente que as coisas levassem o rumo que levaram: BPN, PT, BES, o irresponsável desmantelamento do nosso tecido produtivo, um ex-primeiro-ministro que termina a sua carreira na prisão, um pequeno país mas com opções faraónicas, um Presidente da República que dá conselhos públicos de apoio a desastres privados, o regresso da emigração em massa... É um sem fim de tragédias concretizadas por uma geração anterior, mas que a passividade da minha não permite que nos desculpabilizemos.
 
Terminado o curso, atira-se ao mundo do trabalho. Como foi no seu caso?
Primeiro estagiei como professor de História, aprendi um bocado com os meus alunos e fiquei a ter uma melhor consciência das deficiências do sistema. Depois, fui convidado para ser adjunto do ministro da Educação, o que me deu uma clara noção de como o sistema funciona por dentro. Uma desilusão que me permitiu testemunhar in loquo quão manipulador é o poder e que me serviu para desmistificá-lo. Depois desta experiência, regressei à universidade para trabalhar na ligação às empresas e viria também a criar a minha, para atuar naquilo que eu dizia ser o negócio da minha geração, a internet (estávamos em 1994). Em 2006 tive um choque profundo de que não quero falar, interroguei-me sobre o significado de navegar neste mundo e decidi dedicar-me exclusivamente àquilo de que sempre gostei: escrever. Quando vim ao Perú para começar "Quando o Sol se Põe em Machu Pichu", conheci a minha mulher, que é atriz e, na altura, representava o papel de Nina em "A Gaivota" de Tchekhov. Inspirou-me uma personagem, fez-me regressar ao Peru, foi a Portugal... finalmente estou em Lima, onde escrevo, sou correspondente do Expresso e tenho uma empresa de produção de meios escritos e audiovisuais.
 
Possui um percurso algo multifacetado. Como se definiria enquanto profissional?
Não penso que tenhamos de nos definir enquanto profissionais, mas enquanto pessoas. Uma vista de olhos ao meu perfil do LinkedIn permite concluir que é um anti perfil. Sou inconformado, detesto rotinas, preciso de mudança, não gosto de receber ordens gratuitas, digo sempre o que penso, preocupo-me com a injustiça. Se é assim que sou como pessoa, é assim que tenho que ser enquanto profissional. Não vendo a minha pessoa à minha profissão.
 
A sua vida pessoal e profissional tem-no levado pelo mundo. Sente-se um desenraizado?
Já conheço algum do mundo que há e ainda me falta conhecer muito mais. Isso é parte de ser português, não?… Então sou um português enraizado. E sim, ainda que fora do país, sou muito português, profundamente português.
 
Seja no trabalho ou na vida pessoal, há em si alguma marca de influência da UMinho?...
Obviamente que fui mais marcado pela Universidade do Minho do que a marquei.
 
...e voltar à universidade, eventualmente à UMinho, é uma possibilidade ou as salas de aula já são um mundo demasiado pequeno para si?
Como disse, posso estar em qualquer lugar em que não seja obrigado a vender a minha pessoa à minha atividade. A conclusão é livre...



  Escolhas
 
  Um livro. "Crime e Castigo", de Dostoievsky.
  Um filme. La Dolce Vida", de Fellini.
  Uma música. "Time Waits for Nobody", de Freddie Mercury.
  Um artista. Yeronimus Bosch.
  Uma personalidade. Padre António Vieira.
  Uma cidade. Braga.
  Um vício. Ler.
  Um momento. São três, porque três são os filhos que me nasceram.
  Um sonho. Viver apenas de escrever romances e poesia.