Economia lusófona acelera o ensino de português na Galiza

09-07-2015 | Nuno Passos

Os líderes da Galiza e Portugal, Alberto Núñez Feijóo e Aníbal Cavaco Silva, a saudar-se perante o olhar atento do presidente do Consello de Cultura Galega, Ramón Villares, aquando do Memorando de Entendimento assinado em fevereiro na Corunha

O Parlamento galego aprovou uma lei ambiciosa para o aproveitamento da língua portuguesa e vínculos com a lusofonia

Milhares de galegos saíram em fevereiro às ruas de Compostela a reclamar uma mudança de rumo nas políticas linguísticas e contra o domínio do castelhano

A proximidade entre os territórios de Portugal e da Galiza tem séculos de história

Xurxo Fernández Carballido fez o mestrado pela UMinho e é professor no Centro de Línguas Modernas da Universidade de Santiago de Compostela

As suas filhas Aloia e Mencia gstam de aprender português com músicas e animações da "Xana Toc Toc" e “Ruca”, por exemplo

Ilustração de Luis Davila no bogue "O Bichero", refletindo algumas generalizações galegas sobre Portugal

A fronteira entre Portela do Homem e Lobios, em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês (foto do site joaomarinho.com)

Após a expansão do português, associações portuguesas e espanholas protocolaram em junho a promoção recíproca das línguas mirandesa e asturiana (foto de Paulo Ricca/Público)

1 / 9

Há mais jovens e adultos interessados em estudar a língua, cativados pelas perspetivas de trabalho e negócios no Brasil e nos PALOP, afirma o professor Xurxo Fernández.




O ensino de português na Galiza está a ter mais procura de jovens e adultos, aliciados em especial pelas perspetivas de trabalho e negócios em países como Brasil, Angola e Moçambique. Quem o diz é Xurxo Fernández, com mestrado pela UMinho nesta área e docente no Centro de Línguas Modernas da Universidade de Santiago de Compostela (USC). O tema tem ganho relevo face ao recente Memorando de Entendimento entre os Presidentes de Portugal e Galiza para lançar o português como língua estrangeira opcional e da Lei 1/2014 para reforçar aquele idioma na comunidade autónoma espanhola.
 
“O português é agora visto como uma língua internacional e económica. Estou otimista como docente e como um dos protagonistas do processo de divulgação da lusofonia à sociedade galega, mas estou também realista, pois há muito trabalho a fazer”, refere Xurxo Fernández. E porquê? No último ano houve apenas dois mil alunos de português entre os 2.7 milhões de habitantes da vizinha Galiza, incluindo os ensinos primário, secundário, universitário, não formal e as escolas oficiais de idiomas. É pouco para a quinta língua mais falada no mundo, quarta no twitter, terceira no facebook e primeira no hemisfério sul.
 
O “portunhol” não resolve
 
Além Minho, o inglês destaca-se como primeira língua estrangeira, seguido do francês, ainda estudado por tradição académica e potenciado no País Basco e Catalunha por estas comunidades estarem divididas entre Espanha e França. Em simultâneo, resiste a ideia da suposta inutilidade de os galegos aprenderem português, face à proximidade fronteiriça, sociolinguística e cultural. “É um erro pensar que o ‘portunhol’ resolve, como se diz em certos discursos protocolares”, critica Xurxo. Este docente tem 50 a 100 alunos de português por ano, desde galegos, espanhóis, franceses, alemães, checos, norte-americanos, chineses... “Em geral, metade pensa que sabe português, mas fala num galego paupérrimo, a outra metade pensa que é pior do que chinês”.
 
Falta um detalhe crucial: a língua galega procura resistir perante a castelhana, que já domina as conversas nas cidades e parte do ensino normal. “Mal se ouve galego nos parques infantis”, lamenta Xurxo Fernández. A solução? Posição firme das autoridades políticas e sensibilização familiar e escolar para a galeguização. E é aqui que entra o ensino do português como meio de valorizar o galego e o passado linguístico comum, além de poder valorizar o multilinguismo, uma prioridade das sociedades democráticas e no contexto da construção da União Europeia, insiste o investigador.
 
Estudar português para afirmar o galego
 
O Memorando de Entendimento vem nesse sentido. “Contribui para o conhecimento recíproco dos povos, intensifica o diálogo cultural, a solidariedade, o respeito mútuo e reforça ainda as relações económicas, empresariais e de investimento", disseram em fevereiro Cavaco Silva e o homólogo da Galiza, Alberto Núñez Feijóo. A cerimónia contou com o impulso da embaixada de Portugal, do Consello de Cultura Galega, do Instituto Camões e da Real Academia Galega. De facto, no sistema educativo português o espanhol disparou e não se limita à raia. Segundo a Embaixada em Lisboa, entre 1991/92 e 2011/12 os alunos de espanhol no básico/secundário passaram de 35 para 94.924, as escolas de três para 617 e os professores de oito para 917.
 
A Lei 1/2014 é mais ambiciosa, unindo os partidos do Parlamento galego a superar dificuldades identitário-políticas e elevar o marketing à semelhança da fronteiriça Extremadura, onde há 18 mil alunos de português entre 1.1 milhões de habitantes. Pretende-se o ensino desta língua no ensino primário, secundário e de adultos; a relação institucional e cultural com a lusofonia, inclusive pertencer à CPLP, a receção facilitada dos media em língua portuguesa na Galiza; e a avaliação dos progressos atingidos, permitindo uma visão global do projeto-lei. “O que antes era um entrave torna-se uma mais-valia. Oxalá a administração educativa tenha empenho total, rápido e efetivo a promover a difusão do português, para que a lei da oferta e da procura não seja voluntarista nem fique aquém das necessidades no ensino primário e secundário galego”, devolve Xurxo Fernández.
 
A sua dissertação de mestrado avaliou ainda com pormenor as caraterísticas do ensino, aprendizagem e avaliação do português na Galiza (como língua materna, língua segunda, língua estrangeira), as vantagens e desafios dos docentes neste espaço fronteiriço, bem como as relações com Portugal criadas na aula a partir da situação galega política, linguística, didática e pedagógica, sugerindo procedimentos e pistas de trabalho.



Filhas de Xurxo aprendem com “Xana Toc Toc”
 
Xurxo Fernández Carballido é natural de Vilar de Infesta, em Redondela (Pontevedra, Galiza). Interessa-se pela língua e cultura de Portugal desde as histórias míticas que a avó lhe contava sobre o contrabando fronteiriço. Marcaram-lhe também as viagens de comboio a Valença, as feiras e lugares entre Cerveira e Melgaço ou mesmo quando a professora primária mostrou na aula o mapa de países galego-falantes com “nomes esquisitos” como Moçambique, Cabo Verde, Brasil e Angola. “Xurxo do Galheiro”, como é conhecido, tentou ser futebolista no Sárdoma, mas chegou a professor. Considera que a sua classe profissional é das que mais luta pela galeguização das crianças: “Ensinar língua portuguesa é uma paixão, mas não termina aí”.
 
É licenciado em Filologia Portuguesa pela USC e mestre em Ensino de Português Língua Não Materna, Português Língua Estrangeira e Português Língua Segunda pela UMinho. Deu aulas na Universidade de Vigo, é docente de Galego e Português para estrangeiros na USC e vogal da direção da Associação de Docentes de Português na Galiza. Venceu vários prémios, como o de Artigo Jornalístico Normalizador no “La Voz de Galicia”, em 2005. Ao Portal Galego da Língua, destaca o alfabeto como a melhor invenção da humanidade e o “Diccionario enciclopédico galego-castellano”, de Eladio Rodriguez, como obra de referência. Aprecia ciclismo e o Celta de Vigo, o filme “Sempe Xonxa” de Chano Piñero e ouve música diversa, como Fuxan os Ventos, Resonet e Sepultura. Sensibiliza as filhas Aloia e Mencia a verem animações na língua de Camões, inclusive "Xana Toc Toc", “Ruca”, “Noddy” e a “Galinha Pintadinha”.