Cinco olhares sobre o "fundador"

30-11-2015 | Pedro Costa

Aníbal Alves em 2015

Aníbal Alves em 2009

Artur Norton em 2015

Carlos Bernardo em 2015

Carlos Bernardo nas provas de agregação

Chainho Pereira em 2015

Chainho Pereira e Sérgio Machado dos Santos

Hernâni Maia em 2015

Hernâni Maia e Ramalho Eanes

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O primeiro reitor, Carlos Lloyd Braga, visto pelos professores Aníbal Alves, Carlos Bernardo, Chainho Pereira, Hernâni Maia e pelo bibliotecário Artur Norton.





Nascido em Lisboa e vindo, já catedrático, de Lourenço Marques (atual Maputo, em Moçambique), Carlos Lloyd Braga chegou em 1973 à UMinho para a sua instalação, acabando por ser o rosto visível de uma liderança que viria a marcar os primeiros anos da, então, nova universidade. Um dia, Mike Lumb, seu colega de doutoramento na Universidade de Manchester, chamou-lhe “university builder”. Fomos ao encontro de algumas personalidades (VÍDEO) que viveram os primórdios da UMinho e que, de alguma forma, também cá chegaram nesses primeiros anos da academia, sob o reitorado de Lloyd Braga.

 
Aníbal Alves (ex-presidente do ICS): "Uma personalidade de grande abertura"

Catedrático, especialista em Comunicação Humana, regressou da Bélgica em 1976 e ingressou na UMinho, fazendo parte da geração que após o 25 de Abril catalisou em Portugal os estudos em comunicação social. Mais tarde presidiu ao Instituto de Ciências Sociais (ICS) da academia e foi vice-reitor. Por questões geracionais e de chegada à instituição, a figura de Lloyd Braga pressupunha “um grande respeito, perante um homem de grande simpatia e amabilidade, de quem muito se tinha ouvido falar”. Aníbal Alves lembra “uma personalidade de grande abertura, muito rápido de raciocínio, que transmitia claramente o caráter intrépido do projeto da UMinho”.

Nas características determinantes do primeiro reitor, Aníbal Alves fala de “um personagem que, não sendo de cá, colou claramente às gentes locais, com uma grande autenticidade”. Lembra que “o professor Lloyd era um citadino, que assumiu um papel semelhante ao assumido pelo vimaranense Santos Simões, ou por Lúcio Craveiro da Silva, em Braga”, nunca deixando de ser uma personalidade “amável, inteligente, assertiva e capaz de levar a água ao moinho”. Acrescenta que há muitos testemunhos que falam de alguém com grande capacidade de mobilizar, “a que não é alheio o grupo de pessoas que, como ele, vieram do ultramar e que, em abono da verdade - e tem que ser dito -, eram pessoas que tinham vivido coisas muito complicadas e vinham com grande estímulo e entusiasmo”. Outra caraterística reconhecida era “ter uma grande capacidade de diligenciar processos, nomeadamente em Lisboa, junto do Ministério ou das autoridades tutelares”.

No que toca às marcas da UMinho que vêm da fundação, Aníbal Alves refere que “há alguma transmissão da marca original, até porque as equipas que se sucederam – das quais se destaca Sérgio Machado dos Santos – traziam a marca do fundador”. Há, no entanto, um "senão": "No que diz respeito à parte académica e de criação de cursos e linhas de investigação, o professor Lloyd, que trabalhou isto muito próximo de Barbosa Romero, seguiu uma ideia gerada pelo professor Veiga Simão do modelo matricial, uma marca que, com os tempos, de facto, não prevalece”. A ideia de rede, subjacente à ideia do modelo matricial, “acabou por presidir à própria fundação da UMinho, numa ideia de uma universidade do Norte-Norte, muito bonita para levedar este Norte mais atávico”. Para Aníbal Alves, "estes homens tinham mesmo esse grande sonho de transformar Portugal”. Contudo, este conceito de “entrelaçar as competências científicas nos projetos de ensino e de investigação, que exigia uma flexibilidade extraordinária, acabou por se ir perdendo”.
 

Artur Norton (primeiro diretor dos SDUM): "Sempre deu grande liberdade"

Especialista e autor de diversos trabalhos técnicos e de história, genealogia e heráldica, Manuel Artur Norton é doutorado em História pela UMinho. Por ter também curso de Bibliotecário Arquivista pela Universidade de Coimbra e ter sido bibliotecário do LEMMS em Lourenço Marques, acabou por ser destacado por concurso público para diretor dos Serviços de Documentação da UMinho (SDUM), em 1973. Dos primeiros contactos com Lloyd Braga lembra que, dias antes de ser colocado em Braga, conheceu-o em Lisboa e ficou "com uma boa primeira impressão, pois pareceu dinâmico e muito simpático”. Depois de começarem a trabalhar na instituição, Artur Norton recorda que contactava com ele com frequência, pois a Reitoria era no mesmo edifício do Arquivo Distrital e da Biblioteca Pública, onde "teve que se desenvolver um grande trabalho”.

"Como diretor de serviço não tive grandes dificuldades no desempenho das funções, mas a Reitoria vivia momentos de grandes trabalhos e o reitor andava constantemente em viagens e contactos, nomeadamente com Lisboa”, evoca. "No trabalho diário sempre que necessitei de apoio da Reitoria, o professor Lloyd Braga tentou resolver os problemas que lhe expus. E, na verdade, sempre nos deu uma grande liberdade na estruturação da nossa tarefa e, desde o início, deu-nos condições para criarmos um trabalho sustentado e pioneiro”.

Artur Norton faz um paralelismo com os dias de hoje dos SDUM: "Criámos uma ideia e uma estrutura, que permitiu crescer de forma organizada e alicerçar o que de bom se veio a fazer nestes serviços ao longo do tempo”. O responsável realça que “Lloyd Braga era um engenheiro, ao nível da construção e dimensionamento de uma nova universidade era de facto fora de série”; no entanto, “as questões relacionadas com humanidades estavam fora do âmbito dele, por isso, felizmente, delegava”.
 

Carlos Bernardo (ex-presidente da EEUM): "Era um homem de ação"

Licenciado do Instituto Superior Técnico, com docência iniciada em Lourenço Marques e a passagem pelo doutoramento em Londres, Carlos Bernardo fez carreira de topo na UMinho. Aqui tornou-se catedrático em 1987, tendo sido vice-reitor e presidente da Escola de Engenharia, entre outros cargos estruturantes. De Lloyd Braga diz que “era um homem maior que a vida, a quem a instituição universitária em Portugal muito deve, um homem sempre cheio de energia, cheio de ideias, sempre a correr de um lado para o outro, entusiasmando as pessoas”. "Talvez lhe faltasse um aspeto mais regulamentador e mais formal, mas que era compensado pelo entusiasmo e pela capacidade de realização”, destaca.

As primeiras impressões de Carlos Bernardo vão para o seu nome. "Como aluno do Técnico ouvi falar dele e mais tarde, a partir dos anos 70, conheci-o pessoalmente na Universidade de Lourenço Marques, mas um conhecimento mitigado pela circunstância de eu ser um jovem assistente e, ele, já ser um professor importante, responsável pela construção das instalações definitivas, na Reitoria”. "Esta circunstância fez com que tivéssemos um conhecimento relativo, até pela diferença de estatuto e geracional”, acrescenta. Mais tarde, já na UMinho, conheceu-o "um pouco melhor", mesmo não trabalhando diretamente, já que "havia outros colegas que se relacionavam muito de perto", como os professores João de Deus Pinheiro, Chainho Pereira ou Sérgio Machado dos Santos.

"Onde a relação se tornou, curiosamente, mais próxima, não foi na UMinho, mas quando, nos anos 80, foi nomeado presidente da comissão instaladora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Nova de Lisboa (FCT/UNL) - era já a terceira universidade que estava a construir, na medida que em dimensão aquela era de longe a maior escola da UNL", sublinha Carlos Bernardo. "E, por coincidência, eu colaborava com o professor Luis Sousa Lobo, pois ia periodicamente ajudá-lo a montar um laboratório nos Olivais. Nessa altura era natural encontrar-me com o professor Lloyd, numa relação mais igual e próxima. Aí tive a oportunidade de constatar uma das principais características dele: era de facto um 'construtor de universidades' e, no percurso dele, isso é indiscutível”, acrescenta.

Para Carlos Bernardo “pode ser injusto dizer-se que não era um pensador, pois "a sua capacidade intelectual parece mais do que evidente": No entanto, "o que parece também claro é que a dado momento talvez ele tenha pensado que era mais importante ser um homem de ação e, quem sabe, talvez fosse mais feliz a sê-lo".
 

Chainho Pereira (reitor em 1998-2002): "Uma pessoa de diálogo e consensos"

Considerado um dos principais seguidores do “fundador”, é um dos representantes da chamada “geração de Lourenço Marques”, recrutada por Lloyd Braga. Ele próprio foi reitor da UMinho, sendo atualmente presidente da Comissão de Ética. "Era estudante do primeiro ano de Engenharia Químico-Industrial do Instituto Superior Técnico quando vi pela primeira vez o então jovem engenheiro Carlos Lloyd Braga, que regia a cadeira de Elementos de Física Atómica e da qual eu ia ser aluno”, evoca. No dia em que o conheceu, “ele saía com alguma dificuldade do seu automóvel, um pequeno DKV. Carregado de livros em ambas as mãos, fechou a porta do carro com o pé, passou pelos estudantes e brindou-nos com um bem-disposto e descontraído 'bom dia'”. Esse viria a ser o mote para a imagem do “docente de contacto fácil, pois bastaria aos alunos aparecerem no seu gabinete para os ajudar”.

Chainho Pereira viria mais tarde a ser convidado por Lloyd Braga para integrar a equipa de professores dos Estudos Gerais de Moçambique - mais tarde, Universidade de Lourenço Marques -, iniciando um percurso conjunto, até ambos chegarem à UMinho. "A 20 de outubro de 1973 realizámos no restaurante Mini-golfe de Lourenço Marques o seu almoço de despedida, já que em breve partiria para Lisboa para tomar posse como reitor da UMinho. Para trás, deixava uma obra notável que muito contribuiu para o amadurecimento da nova universidade moçambicana”, declara, frisando que teve depois o privilégio de ser convidado por Lloyd Braga para a UMinho, onde ambos colaboraram de perto. "Encarregou-me de montar o Departamento de Física e o respetivo Centro de Investigação”, alude.

Chainho Pereira afirma que “o rigor e o pragmatismo na sua vida académica, como professor, investigador e gestor universitário constituíram algumas das suas excecionais qualidades”. Testemunha que "era um homem de diálogo e de consensos”. Na sua opinião, a grande marca da UMinho, que vem da fundação de Lloyd Braga, é “a ideia de uma universidade completa, em que se propunha um equilíbrio no leque das áreas científicas, entre ciências, tecnologias e humanidades”. Outra política que implementou desde a instalação “foi a da abertura da universidade ao meio exterior a nível local, regional e também internacional, de que constituíram primeiros exemplos a ligação à malha empresarial da indústria têxtil, o salvamento da Bracara Augusta, com a criação da Unidade de Arqueologia, e o estabelecimento da Unidade de Educação de Adultos, apoiada pelo Governo sueco e por professores da Universidade de Linkoping”.
 

Hernâni Maia (diretor Dep. Química 1975-95): "Determinado na hora das decisões"

Vindo de Luanda, em Angola, como um dos primeiros catedráticos na UMinho, foi fundador do Departamento de Química e instalador do respetivo centro de investigação. Hernâni Maia tornou-se uma referência na docência da química orgânica e da cosmogonia, além de prestigiado investigador da ciência dos peptídeos, que o levou a publicações científicas internacionais e seis livros em (co)autoria. Da convivência com Carlos Lloyd Braga não guarda gratas recordações. "A relação começou mal, logo que nos conhecemos, em 1975".

Repescando as memórias, lembra que o primeiro contacto com Lloyd Braga foi por telefone, quando estava a tratar da desvinculação na Universidade de Luanda e havia muitas dificuldades para resolver a colocação em Portugal: "Eu tinha propostas de trabalho, estava a ter dificuldades e, como estava preocupado, com quatro filhos a meu cargo, fui a Lisboa tentar resolver o problema. O professor Lloyd não terá gostado e, nesse primeiro contacto por telefone, ameaçou que não me dava posse - claro, acabamos a discutir”. "Talvez esse momento tenha condicionado a nossa relação, acabámos por nunca nos entender muito bem”, confessa. "Sempre que tínhamos questões a resolver, eu, sendo mais velho, era o indicado para falar com ele e normalmente não corria bem”, acrescenta. Exclui no entanto a relação com Barbosa Romero: "Era um homem direto, sério, com outra abertura e acabou por ser quem muito nos ajudou, a mim em particular, na tarefa difícil que tinha a meu cargo”.

No que diz respeito aos primórdios da UMinho, fez parte do "grupo que foi a grande força de trabalho, com quem Carlos Lloyd Braga contou para instalar a universidade”. "O CET - Ciências Exactas e Tecnológicas - que a brincar chamávamos de 'sete', porque eramos sete, incluindo também Sérgio Machado dos Santos ou Chainho Pereira - foi quem criou cursos, fez projetos”, sustenta. "Até as instalações e as torneiras projetei", revela, contando que arranjou uma empresa fabricante para resolver o problema de fornecimento, "entre muitos trabalhos" que aquele grupo realizou.

Na comissão instaladora da UMinho, Hernâni Maia considera que “Barbosa Romero era o estratega, o grande pensador e quem conseguia mobilizar as pessoas". Porém, reconhece que Lloyd Braga, "mais político, talvez fosse mais determinado na hora de tomar decisões". No que concerne às grandes referências da UMinho, "Lúcio Craveiro da Silva foi um grande reitor, embora Machado dos Santos também tenha sido um verdadeiro líder e feito um trabalho enorme".