Gene Grossman, o nosso novo doutor honoris causa

17-02-2016 | Nuno Passos

Gene Grossman a intervir no Ciclo de Seminários NIPE, na Escola de Economia e Gestão da UMinho, a 16 de fevereiro de 2016

O professor Gene Grossman e o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, são os oradores convidados da II Conferência Alumni, que inicia pelas 20h00 na Reitoria da UMinho

Princeton é a quarta universidade mais antiga dos EUA (1746), está nas dez melhores do mundo, faz parte da "Ivy League" e teve 38 Prémios Nobel. Aqui formaram-se John Nash, Alan Turing ou Michelle Obama; Albert Einstein deu aulas nos anos 1950

O imponente Blair Hall, na parte oeste do Mathey College da Universidade de Princeton

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O professor da Universidade de Princeton (EUA) é um dos economistas mais influentes do mundo.





O nova-iorquino de 60 anos fez o B.A. em Economia na Universidade de Yale, o doutoramento no MIT e é Jacob Viner Professor da Universidade de Princeton, onde trabalha desde 1980. Tornou-se um dos 100 economistas mais influentes, segundo a publicação IDEAS/RePEc, e é dos mais citados de sempre na área. Hoje torna-se o nosso 17º doutor honoris causa (VÍDEO), na cerimónia solene do 42º aniversário desta academia. Mais logo, pelas 20h00, é orador convidado da II Conferência Alumni, também no salão medieval da Reitoria, ao lado do ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral.


É reconhecido pelos seus colegas e críticos como uma referência mundial em Economia. Esperava que a sua investigação tivesse um impacto assim tão grande? Quais foram os momentos mais especiais da sua carreira até agora?
Para mim, a investigação é a sua própria recompensa. As honras são uma validação agradável, mas o que é realmente especial é ter a oportunidade de satisfazer a minha curiosidade intelectual e pensar sobre as coisas que são interessantes e importantes. Ainda estou maravilhado com o facto de alguém estar disposto a pagar-me para fazê-lo. O Prémio Onassis em Comércio Internacional, que recebi numa cerimónia maravilhosa em Londres, em setembro, foi certamente um ponto alto da minha carreira. Mas os momentos realmente especiais são particulares e muitas vezes estão relacionados com a colaboração do meu amigo e colega, Elhanan Helpman. Não há nada como ver uma solução para um problema que parecia extremamente complicado durante dias, semanas ou meses.
 
Como pode um economista ser competente, bom investigador, bom educador e, de alguma forma, bom empreendedor?
A minha atração por Economia está na sua rara combinação de preocupações sociais com rigor analítico. É preciso uma forte formação em matemática para aprender a linguagem e, mais importante, para aprender o que significa formar um argumento lógico. Ao mesmo tempo, é preciso ter um interesse no mundo real para encontrar problemas interessantes. Não se trata de pura abstração, trata-se de coisas reais que importam. Para ser realmente um bom investigador, precisamos de nos preocuparmos com os problemas e não apenas com as publicações ou outras atividades conducentes ao sucesso académico. Quanto ao ensino, os requisitos mais importantes são preocuparmo-nos com a educação e entendermos o tópico muito bem. Aqueles que se orgulham em ensinar, regra geral, são muito bons no que fazem. Dada a natureza técnica do assunto, é muito fácil cair em explicações mecânicas e algébricas. Os educadores mais bem-sucedidos conseguem chegar ao centro de uma questão técnica e fornecer uma explicação simples e intuitiva.
 
Por que razão as previsões económicas falham tantas vezes? A experimentação é politicamente cara.
A economia é um sistema muito complicado, que envolve interações entre milhões de pessoas com diferentes constrangimentos institucionais. É muito difícil fazer previsões sobre um sistema tão complexo. Além disso, o sistema envolve pessoas e não partículas. As partículas estão sujeitas às leis da física e farão sempre a mesma coisa desde que as condições se mantenham. As pessoas são mais temperamentais, mais emocionais e menos orientadas por regras e lógica. O pessimismo pode surgir num mercado sem razão aparente, ou pelo menos sem uma boa razão que possamos entender. Como podemos prever tais coisas? Estou mais impressionado com a forma como a profissão é boa em prever a resposta a várias políticas, do que surpreso com as suas falhas em prever a próxima recessão.
 
A Economia é vista principalmente como uma área sexista, dominada por homens. Como podemos mudar isso?
A economia moderna é extremamente matemática e a sociedade tem vindo a dizer às meninas durante décadas (desde sempre?) que não são boas a matemática. Vendo as minhas próprias filhas, estou convencido que isso não é verdade. Mas estas coisas estão a mudar e vemos cada vez mais mulheres a serem bem-sucedidas na profissão. É óbvio que proporcionar modelos e mentores ajuda. Como diretor do departamento empenhado na diversidade, tenho pensado muito sobre o sexismo e a discriminação na área de economia. Eu não vejo isso, pelo menos não abertamente. Mas precisamos estar vigilantes, porque os comportamentos que são necessários para o sucesso académico e que são admirados nos homens, como a autoconfiança e a defesa vigorosa das suas ideias, são muitas vezes vistos como "arrogância" ou "vulgaridade" quando praticados por mulheres. Não podemos ter dois pesos e duas medidas.
 
Tanto quanto sabe, quais são os desafios mais graves na área de economia em geral?
O desafio mais grave é permanecer relevante, enquanto se mantém o rigor analítico. A força da economia vem da sua estrita observância das leis da lógica e da estatística. As conclusões devem decorrer logicamente de pressupostos claramente definidos. As proposições devem encontrar apoio nas evidências empíricas. No entanto, a técnica não pode ser autorizada a assumir o controlo e tornar-se um fim em si mesmo. Os modelos matemáticos mais elegantes e rigorosos poderão exigir pressupostos que estão muito distanciados do mundo real. O rigor não pode vir à custa do realismo, porque a nossa área é muito importante para a qualidade de vida.
 

"Limitar a circulação de pessoas e ideias vai ser um grande erro, e muito caro"

Às vezes fala de democracia como uma "meta-instituição". Por que razão as democracias tendem a ter um melhor desempenho económico do que os regimes autoritários?
As democracias tendem a ser meritocráticas e abertas a novas ideias. As autocracias prosperam num sistema de poder fechado e na preservação do statu quo.
 
No que respeita à imigração na Europa, o conflito sírio e a expansão do Estado Islâmico (ISIS), quais seriam as consequências na economia mundial e na prosperidade?
Estou muito preocupado com as tendências nacionalistas e populistas que são hostis à imigração. Durante séculos, as economias têm prosperado com base na diligência, inovação e pura ambição dos imigrantes altamente motivados. Vai ser um grande erro, e muito caro, limitar a circulação de pessoas e ideias.
 
Na era da globalização, como podemos melhorar a qualidade de vida nos países em desenvolvimento do Leste Asiático, América Latina e África?
Acho que a qualidade de vida tem vindo a melhorar nos países em desenvolvimento e isso deve-se, em grande parte, à globalização. A investigação mostra que a propagação de bens, pessoas e sobretudo ideias tem contribuído em larga medida para o crescimento na Ásia, na América Latina e até na África. É óbvio que o progresso não é tão rápido como gostaríamos, dadas as enormes diferenças nos padrões de vida que existem em todo o mundo. Mas quem poderia ter previsto o rápido crescimento na China, que fez tantos saírem da pobreza? A sua pergunta de alguma forma sugere que precisamos encontrar uma maneira de melhorar a qualidade de vida, apesar da era da globalização. Eu acredito que as melhorias rápidas são possíveis exatamente porque vivemos na era da globalização. Os obstáculos ao crescimento, como eu os vejo, são internos e políticos. Olhe para o Zimbabué, por exemplo.
 
Como descreveria a relação com os centros de investigação e com a sociedade/indústria?
Os centros de investigação vêm em muitas cores, tal como as empresas. Alguns (de ambos) fazem coisas maravilhosas para a sociedade. Outros são egoístas e servem a si próprios. É impossível generalizar. É importante que o financiamento da investigação seja concedido meritocraticamente, sem muitas considerações políticas, porque a investigação deve ser baseada no avanço de ideias e conhecimento e não na realização de uma miríade de outros objetivos sociais, por muito válidos que sejam. Também é importante que os investigadores revelem as suas fontes de financiamento, para que outros possam avaliar possíveis vieses. Quanto à ligação entre a indústria e a sociedade, será sempre uma de equilíbrio delicado na procura de políticas que alinhem os incentivos das empresas com as metas da sociedade, mas que também evitem o excesso de regulamentação que impede a eficiência e a inovação.
 
Sobre este assunto, como acha que Portugal tem evoluído nos últimos anos?
Estaria a ser presunçoso ao comentar sobre a situação de Portugal. Deixe-me apenas dizer que estou dececionado com o desempenho da zona euro como um todo, onde eu vejo uma ênfase exagerada na austeridade e uma preocupação excessiva na estabilidade de preços em detrimento da recuperação e crescimento.
 
O que acha do trabalho e visibilidade da Universidade do Minho?
Eu só tive a sorte de visitar a Universidade do Minho uma vez. Foi uma visita maravilhosa, tanto pessoal quanto profissional. Vim em tempos económicos difíceis para a universidade e o país, mas fiquei inspirado ao ver a resiliência e dedicação dos meus colegas lá.
 
O que significa para si receber o título de doutor honoris causa?
Estou imensamente grato por esta honra. O trabalho de investigação pode ser um empreendimento solitário e frustrante e receber o reconhecimento e aceitação dos colegas é um grande passo para validar todo o trabalho envolvido nesse processo. Também estou satisfeito com o facto desta honra se focar no comércio internacional, uma área que me fascina desde que comecei a colecionar moedas quando ainda era uma criança e que eu acho que é extremamente importante para a sociedade. No entanto, é muito mal compreendida e sempre em risco de se tornar um bode expiatório político.
  


Um apaixonado pelo Quénia e pelas Galápagos
 
Um livroAnything, de Leon Uris.
Uma músicaSentimental Lady, de Bob Welch. É uma música muito especial para mim e para a minha mulher.
Um filmeThe Sting. Adorei o ardil intrincado.
Uma viagem. Esta é difícil. Houve tantas fantásticas. Talvez a Masai Mara, no Quénia. Ou talvez às ilhas Galápagos.
Um desporto. Basquetebol. Jogava bem; é como uma forma de arte. O futebol americano seria a minha segunda escolha.
Uma personalidade. Mahatma Gandhi.
Uma curiosidade. Existem outras formas de vida sofisticadas no universo? Os números sugerem que talvez haja.
Um desejo. Que as minhas filhas sejam felizes e vivam num mundo melhor.