A Escola Portuguesa de Macau está em boas mãos

24-01-2017 | Nuno Passos

A EPM, que celebra duas décadas em 2018, tem 565 alunos do 1º ao 12º ano de escolaridade de 22 nacionalidades

Manuel Peres Machado no seu gabinete de trabalho

Num corredor da EPM (foto do portal Ponto Final)

A receber o Prémio Identidade 2014, atribuído pelo Instituto Internacional de Macau

Manuel Peres Machado numa intervenção pública na Escola Portuguesa de Macau

Pormenor da entrada da EPM, em plena Av. do Infante D. Henrique

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Manuel Peres Machado

Formado em Ciências da Natureza pela UMinho, o portuense de 60 anos considera que coordenar uma escola portuguesa no estrangeiro tem a responsabilidade acrescida de representar a cultura e os valores portugueses. A EPM tem neste momento 565 estudantes do 1º ao 12º ano de escolaridade, provenientes de 22 nacionalidades dos cinco continentes. 


Manuel Peres Machado licenciou-se em Ciências da Natureza nos inícios da UMinho, tendo aulas na rua D. Pedro V e nos pavilhões adjacentes. Lecionou em Braga, Serpa e Setúbal, mas a paixão pelo Oriente levou-o até Macau em 1990. Preside atualmente a respeitada Escola Portuguesa de Macau (EPM), criada em 1998 como herdeira de três instituições de língua portuguesa (Escola Primária Oficial, Escola Comercial, Liceu de Macau), numa parceria entre o Estado Português, a Fundação Oriente e a Associação Promotora da Instrução dos Macaenses. A sua intenção é voltar mais tarde às origens, mas sempre com um pé na Ásia.

 
Quais são as suas origens e que recordações tem da infância e juventude?
Nasci no Porto, em 1956, e aí residi até aos 8 anos de idade, tendo ido para Braga com meus pais e avós, onde fiz a antiga 4ª classe na escola primária de S. Victor. Feitos os exames da 4ª classe e de admissão ao liceu, ingressei no Liceu Nacional de Sá de Miranda, que frequentei até ao 7º ano, correspondente ao final ensino secundário. São muitas as recordações que tenho da juventude. Realçaria aqui as férias grandes que passava na praia de Molêdo do Minho, que por vezes se estendiam de julho até setembro. Para além da praia, havia o pinhal, o clube, Vilar dos Mouros, a foz do rio Minho, enfim, um leque muito variado de distrações que nos ocupavam o tempo todo. Férias inesquecíveis!
  
A que se deve o seu gosto por Ciências da Natureza e porque decidiu tirar esse curso na UMinho?
Na verdade, no final do liceu era minha intenção seguir medicina por entender ser uma profissão nobre e para seguir o exemplo de meu avô, médico pediatra, que a exerceu com um humanismo indescritível, sempre presente para ajudar quem necessitasse, sem quaisquer interesses materiais. Contudo, o gosto pela natureza e pelas questões com ela relacionadas, por um lado, o desafio de vir a trabalhar com novas gerações durante a atividade profissional, por outro, e ainda o facto de a Universidade do Minho estar a dar os seus primeiros passos levou-me a optar por este curso de formação de professores.

Como foi o seu primeiro dia na UMinho e a integração?
Na altura em que ingressei na UMinho ainda não havia o campus atual. As aulas teóricas eram dadas nas instalações da D. Pedro V, onde atualmente funciona a Associação Académica, e as aulas práticas nos pavilhões adjacentes. A integração foi ótima, uma vez que muitos dos colegas vinham do liceu e já nos conhecíamos de lá. Por outro lado, as colegas, que vinham maioritariamente do liceu feminino, também eram conhecidas. Não havia praxes e o começo do ano letivo permitiu o reencontro com “velhos” conhecidos, bem como a abertura a novos conhecimentos que se foram aprofundando ao longo dos anos.
 
Que estórias e curiosidades guarda da vida académica?
A frequência da universidade, tal como a do liceu, corresponde a momentos da nossa vida que não mais se repetem e que, por vezes, são recordados com nostalgia, sobretudo à medida que a idade vai avançando. Foram tempos em que, para além do estudo, também apreciávamos uma boa pândega quando a ocasião o propiciava e a bolsa o permitia! Intervim sempre nas questões que se levantaram enquanto frequentei a UMinho e fui membro da Associação Académica.

Após o curso “atirou-se” ao mundo do trabalho. Como foi a sua evolução profissional?
Terminado o estágio, correspondente ao 4º ano do curso e fazendo parte integrante do mesmo, que frequentei e concluí na Escola Secundária de Sá de Miranda - por mim frequentada durante sete anos, como já referi -, fui colocado como professor agregado, no ano subsequente, na Escola Secundária de Carlos Amarante, onde só lecionei turmas do 7º e 8º anos, de segunda a sábado. Era um horário bastante cansativo, pois, além do elevado número de turmas atribuídas, não tinha qualquer dia livre e tinha de o conciliar com a frequência da licenciatura na UMinho, uma vez que, após a conclusão do estágio, fiquei com o grau de bacharel, havendo, no caso do meu curso, que frequentar mais um ano para concluir a licenciatura. Terminado este ano como professor agregado, concorri a lugares de professor do quadro, tendo ficado colocado na Escola Secundária do Rodo, na Régua. Contudo, concorri ao abrigo da preferência conjugal para a Escola Secundária de Serpa, onde fiquei colocado e trabalhei durante dois anos, findos os quais concorri para a Escola Secundária Nº 1, em Setúbal, onde fui colocado, tendo lá trabalhado sete anos consecutivos até vir para Macau em 1990. Ao longo destes primeiros 11 anos da minha carreira, para além da componente letiva essencialmente no ensino secundário - 10º, 11º e, fundamentalmente, 12º ano - exerci inúmeros cargos como diretor de turma, coordenador dos diretores de turma, delegado de grupo, membro do secretariado de exames, relator do júri nacional de recursos, tendo também frequentado inúmeras ações de formação. Em Setúbal fui também, por quatro anos, presidente do conselho diretivo da Escola Secundária Nº 1, hoje Escola Secundária D. Manuel Martins, a cujo quadro ainda pertenço.
 
Está na Região Administrativa Especial de Macau desde 1990. Como chegou aí?
Nos últimos cinco anos da minha atividade docente em Portugal, começou a desabrochar a ideia de vir até ao Oriente, Macau. A partir daí, comecei a tentar perceber quais as escolas que havia, como era o ensino, quais as condições oferecidas aos professores, entre outros aspetos, até que resolvi, juntamente com minha mulher, concorrer para virmos trabalhar como professores para Macau. Tendo sido aceites, após entrevistas realizadas, por uma responsável dos Serviços de Educação de Macau, no Gabinete de Macau que funcionava na Presidência do Conselho de Ministros, embarcámos, juntamente com os nossos dois filhos, para o Oriente.
 
Como foi a adaptação à Ásia, sobretudo as diferenças no quotidiano e saudade das origens?
Ao chegar a Macau, uma das primeiras impressões, por acaso bastante desagradável, foi o calor intenso e a alta humidade que se fazia sentir e a que não estávamos habituados. Outra curiosidade teve a ver com os cheiros. Aos passearmos na rua, os odores que sentíamos nada tinham nada a ver com Portugal e assemelhavam-se muito às especiarias orientais de que tanto se fala no Ocidente e se estuda nos manuais de História. Fui colocado na Escola Secundária Infante D. Henrique tendo, para além das funções letivas no ensino liceal noturno, desempenhado também o cargo de diretor de instalações do laboratório de Biologia e Geologia. A escola era muito boa e bem equipada, e aí conheci alguns dos bons amigos que ainda mantenho, quer em Macau, quer em Portugal. A verdade é que o primeiro contrato tinha a duração de três anos e, no princípio, era esse o tempo que tencionávamos ficar pelo Oriente… Já lá vão 26 anos, a caminho dos 27! 

O tempo foi passando...
Sim, mas ao contrário do que aconteceu com algumas pessoas que conheci, comecei a gostar cada vez mais de cá estar, embora nunca prescindisse, tal como hoje, de ir periodicamente a Portugal ver a família e deliciar-me com o azul do céu português e com as nossas “coisas”: as aldeias, as vilas, o mar, as paisagens, os monumentos, a cultura e a excelente gastronomia do Norte, do Centro e do Sul. À medida que o tempo foi passando, procurei ir conhecendo a cultura local, fruto do encontro e convivência de gentes vindas de partes tão diferentes do mundo, tendo como principais protagonistas os chineses e os portugueses. Simultaneamente, fui visitando a República Popular da China e alguns dos países asiáticos próximos de Macau, o que me permitiu, com o tempo, adquirir uma percepção mais esclarecida sobre esta zona do mundo, também rica de cultura e com costumes muito distintos dos nossos. Aprendi sobretudo a admirar e a respeitar a diferença civilizacional entre as minhas origens e esta região, onde já passei uma boa parte da minha vida.
 

"Tenho uma excelente equipa"

Está pela segunda vez à frente de uma instituição de ensino macaense. Lidera a EPM desde 2013. Porque aceitou este desafio, após o forte legado de 15 anos da fundadora Edith Silva?
É verdade, entre 1991 e 1993 fui presidente do conselho diretivo da Escola Secundária Infante D. Henrique, uma vez que encabecei a lista que venceu as eleições. De 1993 até 1997 exerci, para além da atividade letiva, diversas funções, nomeadamente a assessoria a algumas das direções que se seguiram. Em 1998 fui convidado para integrar a direção da Escola Portuguesa de Macau, cuja primeira pedra foi lançada em 18 de abril de 1998, pelo então primeiro-ministro eng. António Guterres. Assim, desde a fundação da Escola Portuguesa fui sempre um colaborador próximo da dra. Edith Silva, que liderou o estabelecimento de ensino desde o seu nascimento com muita sabedoria e afabilidade, sendo a grande responsável pela sua afirmação na Região Administrativa Especial de Macau e pelo reconhecimento da qualidade do ensino ministrado, quer por parte das autoridades de Macau, quer pelas de Portugal. Criou-se entre nós uma forte relação profissional e de amizade. Não sendo fácil suceder no lugar à dra. Edith Silva, dada a obra por si criada e o seu carisma, os objetivos que têm norteado a minha ação são os de manter a escola com elevados padrões de qualidade em todas as suas dimensões. Acresce, e é importante sublinhar, que estes lugares não se fazem sozinhos. Tenho o privilégio de ter uma excelente equipa a colaborar comigo, na direção, no corpo docente, nos funcionários administrativos e nos auxiliares.
 
Ser presidente de uma escola portuguesa no estrangeiro é mais do que sê-lo em Portugal?
Uma escola portuguesa no estrangeiro tem a grande responsabilidade de, para além de ser um estabelecimento de ensino que deve primar pela qualidade, ser um representante da cultura e dos valores portugueses na região em que está inserida, devendo estar aberta ao meio e em contínuo diálogo com todos os sectores da sociedade. Acresce, pois, às obrigações inerentes ao lugar, quer em Portugal quer fora, a grande responsabilidade de ser, também, uma imagem de Portugal no exterior, que todos queremos que engrandeça.

A EPM tem 565 alunos do 1º ao 12º ano de 22 nacionalidades dos cinco continentes. De que forma o vosso projeto influencia pais e alunos, até os não luso-falantes, a optarem pela EPM, para aprenderem o Português, o hino, as janeiras, a nossa História?
Creio que são múltiplos os fatores que influem na escolha deste estabelecimento de ensino: a qualidade do ensino aqui ministrado, cujo desenho curricular obedece ao português, com algumas modificações, fruto da região em que a escola se insere, como o ensino da História e da Geografia de Macau e da China, mas também o ensino da língua chinesa, Mandarim, do 1º até ao 12º ano, o ensino da Língua Inglesa ao longo de toda a escolaridade, a Educação Física e a Educação Musical frequentadas por todos os alunos do 1º ciclo, entre outras; as baixas taxas de retenção e a inexistência de abandono escolar; a atenção e o acompanhamento dado aos alunos que têm necessidades educativas especiais; as salas de estudo para alunos de todos os níveis de ensino; a existência de um Ano Preparatório, especialmente criado para que os alunos de língua materna não portuguesa adquiram as competências linguísticas necessárias ao acompanhamento do currículo, cuja língua veicular é o Português; o facto de, com a conclusão do ensino secundário, haver a possibilidade de prosseguir estudos em qualquer estabelecimento de ensino superior, quer em Portugal, quer no estrangeiro. Em suma, diria que a Escola é escolhida pelo seu Projeto Educativo, pelos seus resultados, mas também pelo ambiente que reina dentro das suas paredes, pela sua cultura.
  
A EPM tem liderado o ranking das Escolas Portuguesas no Estrangeiro com base em oito disciplinas. Em que é que sobressai, qual é o segredo destas quase duas décadas da Escola?
Julgo que tudo se prende com aquilo que referi, embora a questão dos rankings deva ser sempre analisada com as devidas precauções, pois só traduzem uma parte da realidade dos estabelecimentos de ensino, devendo ser analisados múltiplos indicadores.
  
É professor há 38 anos, mas a exigência do cargo impede-o de lecionar regularmente. Sente falta de dar aulas e dessa relação com os alunos?
Um professor sente sempre a falta da relação próxima que se estabelece com os alunos no decurso das aulas.
 
Como é o seu dia normal?
Levanto-me relativamente cedo, faço um pouco de exercício, tomo o pequeno almoço (geralmente cereais) e saio para a escola. Tenho o costume de, quando chego, tomar nota numa folha de rascunho dos principais assuntos a tratar durante o dia mas, antes disso, ligo o computador e procuro uma estação de rádio portuguesa na internet, cuja emissão me acompanha durante todo o dia de trabalho. Posto isto, dou uma leitura aos jornais publicados em língua portuguesa e, durante o dia, vou dando resposta aos assuntos que há a resolver, a sós ou em conjunto com a equipa que constitui a direção.
  
Quais são os seus próximos projetos?
A minha maior ambição neste momento é contribuir para que a Escola se continue a afirmar na sociedade de Macau e mantenha o sucesso atingido ao longo destes quase 20 anos de existência. Um dia voltarei, pois, apesar desta longa estadia em Macau e do prazer que sempre tive em estar em Macau, as minhas raízes continuam em Portugal. O ideal será regressar, mas poder retornar a Macau de tempos a tempos.
 
Como Macau vê Portugal?
Na verdade, Macau vê Portugal como um país amigo que, para além da relação multissecular que tem com a China, sempre esteve sem lhe fazer guerra. Pelo contrário, sempre existiu uma relação muito forte, a qual é evidente em muitos aspetos da vida e cultura macaenses.

 

  Curiosidades
 
  Um livro. “Viver Para Contá-la”, de Gabriel García Márquez.
  Um filme. “África Minha”, de Sydney Pollack.
  Um disco. “A Arte de Vinicius de Moraes".
  Um clube. FC Porto.
  Um desporto. Fórmula 1.
  Um passatempo. Cinema.
  Uma viagem. Nova Iorque.
  Um prato. Cozido à portuguesa.
  Um vício. Chocolate.
  Uma personalidade. Mário Soares.
  Um momento. O momento presente.
  Uma frase. “A beleza é essencialmente a simplicidade”, de Einstein.
  Um sonho. Paz.
  A UMinho. Conhecimento.