Mulheres ganham menos 24% e estão em minoria nos cargos de chefia

30-06-2017 | Catarina Dias

Miguel Portela, Windy Noro e Luís Aguiar-Conraria têm estudado a performance de mulheres e homens no mercado laboral

É na Escola de Economia e Gestão que Windy Noro se licenciou em Economia. Está a concluir o mestrado na mesma área, depois de um estágio de seis meses no Banco de Portugal

Obrigar as empresas privadas a divulgarem os salários de todos pode atenuar as desigualdades, defende Miguel Portela

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Estudo a 190 mil trabalhadores de 1500 empresas do país concluiu que as mulheres ganham menos 24% do que os homens. A análise é de Windy Noro, orientada por Luís Aguiar-Conraria e Miguel Portela.





Os homens são também quem acede mais às profissões mais bem pagas e às melhores empresas, referem a mestranda Windy Noro e os professores Luís Aguiar-Conraria e Miguel Portela, da Escola de Economia e Gestão da UMinho.

Em que consiste o estudo e que amostra foi considerada?
Windy Noro: O principal objetivo do estudo foi estimar a desigualdade salarial entre homens e mulheres em função da profissão e da formação académica. Foram analisados dados de 2006, 2008 e 2012. O ano de 2008 foi considerado para verificar se houve alguma alteração devido à crise económica. Os últimos dados disponibilizados pelo Ministério do Trabalho e da Segurança Social são de 2012. A amostra desse ano contou com mais de 190 mil trabalhadores de 164 profissões, com um salário médio de 1292 euros, bastante acima da média nacional. Os salários da amostra foram dos 485 aos 19.575 euros por mês. E houve 52% de homens e 48% de mulheres. A idade variou entre os 25 e os 60 anos. Este trabalho não considerou os trabalhadores independentes (“os recibos verdes”) nem os funcionários públicos.
Miguel Portela: No último ano de análise foram consideradas 1558 empresas do setor privado, localizadas em Portugal continental, com mais de 100 trabalhadores, por acharmos que têm uma dimensão suficiente para se fazer a comparação. Também só escolhemos empresas com um número “equilibrado” de mulheres e homens. Foram eliminados os funcionários que ganhavam mais de 20 mil euros por mês, na maioria homens. Recordo que há cerca de 270 mil empresas no país, sendo que as mil maiores empregam 29% da força de trabalho privado.
Luís Aguiar-Conraria: As ilhas da Madeira e dos Açores não foram consideradas porque têm regras laborais distintas, com um salário mínimo diferente. E, também, porque os dados das ilhas tendem a ser disponibilizados mais tarde e nos anos mais recentes nem sequer são disponibilizados.
 
Quais são as principais conclusões?
WN: A diferença salarial média bruta na amostra entre mulheres e homens, sem contar com as variáveis educação ou idade/experiência, é de 30%. Se atentarmos na educação ou na idade desce para 28% em 2006 e 24% em 2012. Isso significa que à partida as mulheres ganham menos 24% do que os colegas do sexo masculino com a mesma idade e os mesmos anos de escolaridade. Os resultados mostram também que existe uma proporção muito maior de mulheres nas profissões mais mal pagas: são 65 a 70%. Nas profissões mais bem pagas apenas representam um terço dos trabalhadores. Voltamos a ver essa diferença salarial dentro de cada profissão. Em trabalhos com salários mais próximos do mínimo a desigualdade revela-se diminuta, o que é expectável. A diferença salarial é máxima em profissões com salários entre os 800/1000 euros e começa a diminuir nas funções mais bem pagas até chegar aos 2000 euros, onde a desigualdade salarial cai para 5%. Daí para a frente volta a subir. Este aumento da desigualdade a partir dos 2000 euros pode estar relacionado com o facto de as mulheres terem maior dificuldade em ocupar lugares de topo nas empresas. Em Portugal, só 12% das mulheres chegam a cargos de chefia.
 
Há motivos para isso acontecer?
WN: Grande parte da discriminação está no acesso à profissão e ao tipo de empresa. Os homens tendem a ir para empresas que pagam melhor. Concluiu-se que dos 24% da diferença salarial entre ambos os sexos, 9% é explicado pelo facto de os homens terem acesso às empresas com maior reputação, rentabilidade e dimensão.
LAC: A explicação para isso é especulativa: eles podem ter acesso às melhores empresas porque estão mais disponíveis para procurar novos empregos e experimentar mais vezes até acertarem ou têm maior mobilidade, porque tipicamente não ficam em casa a tomar conta dos filhos e podem ir para mais longe onde pagam melhor. São explicações plausíveis, mas não há forma de responder a essas dúvidas com os resultados deste trabalho, pelo menos para já.
 
Verificaram alguma diferença em relação às áreas de formação?
LAC: As licenciaturas STEM - Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática são as que dão acesso às posições mais bem pagas. Parte da desigualdade salarial para os mesmos anos de escolaridade pode vir do facto de as mulheres tirarem cursos mais ligados às humanidades e às ciências sociais. Se olharmos especificamente para as formações STEM, a discriminação salarial é mais pequena do que nas outras áreas científicas. Talvez porque os profissionais dessas áreas têm uma produtividade mais fácil de medir e melhores alternativas de emprego. Se parte da discriminação não for consciente, medidas de produtividade mais objetivas podem ajudar a reduzir as desigualdades salariais.
MP: As pessoas licenciadas em STEM têm um “prémio” de mais 20% de remuneração quando comparadas com os colegas de outras áreas. Apesar de as mulheres representarem 60% dos alunos no ensino superior, apenas 19% vai para Tecnologias da Informação e Comunicação. E esta é daquelas áreas com salários mais elevados. Nos cursos ligados à Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, as mulheres são menos de 30% do total.
 
O que afasta as mulheres deste tipo de áreas?
MP: Há discriminação no local de trabalho, isso parece-nos óbvio. Mas existe também um problema de mentalidade na escolha do curso, quer por parte das famílias, quer por parte dos jovens. Conhecemos vários exemplos de alunas pressionadas pelos pais para escolher áreas “mais femininas”. É preciso acordar as mentalidades para isso!
 
A idade interfere na dimensão da desigualdade?
LAC: Um estudo desenvolvido por Ana Rute Cardoso, do Instituto de Análise Económica de Barcelona (Espanha), revela que a diferença salarial média entre homens e mulheres é mais baixa nos escalões etários mais baixos. Nos mais jovens é de 10% e nos mais velhos é de 30%. Isso é normal, pelo menos gostamos de achar que a sociedade está a evoluir no bom sentido.
 
Consideram que os resultados seriam mais animadores no setor público? 
WN: Não esperaria na função pública ver mais desigualdade salarial entre homens e mulheres. A margem de negociação é muito menor. Se dentro do setor público os trabalhadores de ambos os sexos com o mesmo posto por definição têm o mesmo salário, a discriminação pode vir pela promoção e chegada a determinado cargo.
LAC: Gostaríamos muito de incluir o setor público nesta análise, mas o Ministério do Trabalho e da Segurança Social não disponibiliza os dados necessários. É extraordinário, porque a recolha desta informação é obrigatória para as empresas privadas!



Empresas "devem ser obrigadas" a divulgar salários de todos
 
Que medidas poderiam ser implementadas para fomentar uma maior igualdade salarial?
WN: Acho que as mulheres deveriam impor-se mais. Não podemos deixar que isto [ganhar menos] aconteça só porque somos mulheres.
LAC: Admitindo que há discriminação no sentido de uma empresa, perante um trabalhador e uma trabalhadora igualmente produtivos, preferir contratar o funcionário do sexo masculino, então é necessário combater este problema culturalmente, com campanhas de sensibilização, mas também legalmente. A lei aprovada há dias que introduz quotas de género nas administrações é uma forma de dar o empurrãozinho e equilibrar o campo. Mas nem todas as leis são benéficas. Por exemplo, “forçar” legalmente as empresas a construir creches dentro do local de trabalho poderia reduzir a contratação de mulheres, dado que implicaria custos maiores. Há uns tempos uma “senhora” lançou um abaixo-assinado a pedir o alargamento da licença de maternidade com o argumento da amamentação. Leis destas vão não só ajudar a perpetuar a ideia cultural de que a mulher é cuidadora da criança e o homem é que trabalha, como também introduzem custos extra às empresas que empregam mulheres. Se uma mulher estiver num lugar-chave de uma empresa, é muito complicado dispensá-la durante seis meses. 
 
Então como é que se faz?
LAC: É preciso fazer exatamente o oposto! Em vez de haver uma licença de parentalidade de seis meses, faria mais sentido definir uma licença obrigatória de três meses para a mãe e outra de igual tempo para o pai. Desta forma, uma empresa sabe que ao contratar um homem de 30 anos para um lugar-chave corre o mesmo risco de “o perder” durante três meses. Obviamente que as mulheres precisam de um tempo específico para recuperar do parto e devido à amamentação, mas o resto deveria ser igual. Regras como dias de licença para levar as crianças ao médico também deveriam ser obrigatoriamente partilhadas entre homens e mulheres. Só podemos exigir que as empresas paguem de forma igual se a trabalhadora e o trabalhador tiverem um desempenho igual. Queremos que a mulher se emancipe em termos profissionais, mas é importante exigir simultaneamente que o homem se emancipe na vida familiar. Há uma tese de doutoramento da Universidade Northwestern (EUA) que conseguiu ir mais longe, relacionando as desigualdades salariais e a produtividade. Concluiu que homens e mulheres sem filhos têm a mesma produtividade. Havendo filhos, as mulheres são muito menos produtivas. Ou seja, como são elas a assumir as tarefas familiares, a sua produtividade no local de trabalho decai. O trabalho realça ainda que, apesar de homens e mulheres sem filhos apresentarem a mesma produtividade, elas tendem a ganhar menos 12%, criando-se o incentivo para ser a mãe a sacrificar o trabalho. Temos, assim, uma pescadinha de rabo na boca.
 
E como têm atuado os sindicatos? 
MP: Os sindicatos têm um papel fundamental nesta questão. Eles não são suficientemente chamados à colação. Eu não sei medir a produtividade de um trabalhador do setor têxtil, mas os sindicalistas têm a obrigação de saber se os colegas produzem e ganham o mesmo, devendo atuar em caso de discriminação salarial. Na Alemanha, por exemplo, os contratos de trabalho determinam que ninguém pode revelar o seu rendimento. Divulgar os salários é uma excelente forma de os funcionários saberem se estão a ser discriminados. Se se obrigar à transparência dos salários, as pessoas interrogam-se e exigem igualdade. E não há nada de pior para a produtividade de uma empresa do que os trabalhadores se sentirem injustiçados. A multinacional Google tem um processo gigantesco em tribunal devido a salários desiguais entre homens e mulheres. Uma doutoranda minha, que já assumiu a gestão dos recursos humanos de uma empresa de mais de 200 trabalhadores, disse-me há tempos que a desigualdade salarial no seu local de trabalho era de 7 a 8%. Uma das coisas que observou é que a capacidade negocial das mulheres tende a ser menor. Enquanto elas aceitam o montante oferecido após a segunda ou terceira interação, eles continuam a insistir, conseguindo um salário mais elevado.