Como será o mundo daqui a 40 anos?

17-02-2014 | Catarina Dias

Envelhecimento, declínio populacional e endividamento serão alguns dos problemas nacionais, avisa Manuel Caldeira Cabral

"Quem quer que ame a ciência e faça dela a sua vida não pode esquecer essa época verdadeiramente calamitosa em Portugal", diz Moisés de Lemos Martins.

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Vamos perspetivar o futuro em várias áreas científicas. A primeira de cinco reportagens recebe Manuel Caldeira Cabral e Moisés de Lemos Martins.




Dívida e declínio populacional limitarão crescimento
Manuel Caldeira Cabral, professor auxiliar da Escola de Economia e Gestão
 
Há quem diga que as previsões dos economistas apenas servem para dar alguma credibilidade às dos meteorologistas. Estes só fazem previsões a 15 dias. E erram muito. A minha primeira previsão é, portanto, que talvez daqui a 40 anos os economistas consigam fazer previsões sobre o que se vai passar nos 40 anos seguintes. Essa é certo que estará errada, ajudando a que, em termos relativos, se possa dizer que as seguintes são pelo menos mais prováveis.
 
A economia mundial será mais asiática. Não se trata de nenhuma ideia de hegemonia, mas da reposição do peso de um continente que está a recuperar rapidamente o seu atraso à revolução industrial. A força económica da Ásia será mais próxima do seu peso populacional. Será na Ásia que estarão a maioria das grandes cidades mundiais. Será a pressão da procura asiática que obrigará a novas soluções e/ou fará subir os preços da energia, matérias-primas e alimentos. Será com a Asia que terão de se resolver os principais problemas ecológicos mundiais. O crescimento económico continuará a ser marcado pela evolução da globalização e da tecnologia, em particular pelos avanços e generalizações das aplicações da informática. Ao mesmo tempo, os limites ambientais deverão exercer um efeito de restrição mais ativo. Tal será visível na necessidade de novas soluções ambientais, mas também nas áreas energéticas e de alimentação. Estes setores deverão ter maior peso na economia e atrair mais recursos de investigação para encontrar novas soluções. A globalização obrigará a novos mecanismos de regulação e estabilização mundiais, ou poderá trazer um aumento de instabilidade.
 
Portugal deverá estar mais inserido na economia global e poderá, com isso, aproveitar melhor a sua posição geográfica. Tal não deverá evitar que perca peso na economia mundial, principalmente devido ao declínio populacional. A redução da população ativa e o envelhecimento, a par do endividamento, deverão limitar o crescimento económico. Paralelamente, a melhoria das qualificações e da capacidade científica e tecnológica poderão, se o país as souber reter e aproveitar, permitir avanços no rendimento e a continuação de melhorias nas condições de vida dos portugueses. 
 

A bola de trapos da investigação
Moisés de Lemos Martins, professor catedrático do Instituto de Ciências Sociais
 
2014 foi há quarenta anos. Lembro-me de que morrera Eusébio, a imortal “pantera negra”, e se discutia a sua trasladação para o Panteão Nacional. Também se discutia Salgueiro Maia. Celebrava-se então o 40.º aniversário da “Revolução dos Cravos” e os sumo-sacerdotes do país interrogavam-se se o herói do “25 de abril” merecia o Panteão. Nessa época, acentuava-se a crise na Universidade e, diante de uma comunidade académica pusilânime, as academias do país eram devastadas por umas práticas fascistóides, chamadas praxes, com os estudantes a parirem abaixo de zero o ano inteiro. Para piorar as coisas, levantara-se na cidade um vento ruim, que a cobriu de negrume e secou toda a esperança.
 
Lembro-me de que os sumos-sacerdotes do país pregavam que, de futuro, os cientistas de excelência iriam nascer, como Eusébio, das pedras, do pó e da lama de Mafalala, a estocadas de pé descalço numa bola de trapos. Já o futebol moderno exigia formação altamente especializada, em escolas aparelhadas para fazer campeões, e os nossos sumo-sacerdotes vendiam, para a ciência, “perfumes de lama e anéis d’ouro a um tostão”. Hábeis na arte de inventar “milagres na periferia”, imaginaram para a ciência o milagre da bola de trapos, sujeitando-a a pão e água, como se fosse possível desterrar Ronaldo de Alcochete para Mafalala.
 
A nação vivia então da boa vontade da comunidade internacional, que a ajudava financeiramente, abraçando-a como apenas um urso o podia fazer. E a ciência era o exato retrato da nação. Também na investigação a ajuda internacional constituía a regra: na língua, nos assuntos a tratar, nos problemas a analisar, nos modelos teóricos a seguir, nas equipas de avaliação… A situação era a mesma de um país sob assistência financeira internacional. Ou seja, também na ciência a situação era de resgate, com a Europa, como instituição financiadora, a estabelecer o modo de fazer ciência e os sumos-sacerdotes do país a votarem-na ao regaço exclusivo de estrangeiros, com predominância da área geocultural anglo-saxónica, o que nas ciências sociais e humanas acontecia à revelia das opções estratégicas de cooperação da comunidade nacional, que privilegiavam os contextos lusófonos e ibero-americanos.
 
Por esses dias, o Conselho Científico de Ciências Sociais e Humanidades da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, presidido pelo historiador José Mattoso, produziu um relatório, inserindo uma carta subscrita por quase uma centena de investigadores portugueses de Economia, que exigiam para essa disciplina “pluralismo e abertura interdisciplinar na investigação”. Mas a “unicidade empobrecedora dos estudos nesta área”, assim como a hostilização da diversidade, em função da subordinação da qualidade científica à lealdade a um cânone hegemónico, não eram apenas uma realidade específica da Economia. Eram, afinal de contas, a lei de bronze que se impunha então ao conjunto das ciências sociais e humanas. Quem quer que ame a ciência e faça dela a sua vida não pode esquecer essa época verdadeiramente calamitosa em Portugal.