“A ciência portuguesa precisa de políticas estáveis”

28-11-2017 | Pedro Costa

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Entrevista a Rui Vieira de Castro, professor catedrático do Instituto de Educação. Hoje toma posse como reitor.




Rui Vieira de Castro nasceu há 59 anos em Caldas de Vizela, no distrito de Braga. É licenciado em Ensino de Português e Inglês pela UMinho, mestre em Linguística Portuguesa Histórica pela Universidade de Lisboa e doutorado em Educação pela UMinho. Começou a lecionar em 1983 nesta academia, onde veio a desenvolver toda a sua carreira profissional, e deu também aulas em diversas universidades portuguesas e estrangeiras. Dirigiu projetos de investigação nas áreas da Educação e Linguagem e das Literacias, apoiados por agências nacionais e internacionais. É autor de numerosos livros, capítulos de livros e artigos. Coordenou projetos de cooperação para o desenvolvimento em Timor-Leste, presidiu a Associação Portuguesa de Linguística, dirigiu a Revista Portuguesa de Educação, foi consultor do Ministério da Educação. Em 2009 tomou posse como vice-reitor para o Ensino e a Investigação e, em 2013, como vice-reitor para a Educação. Hoje torna-se o nono reitor da UMinho e, em entrevista (VÍDEO), contextualiza as principais metas do seu mandato.


A Universidade
 
Tem um perfil algo diferente dos antecessores e, por outro lado, oito anos numa vice-reitoria da equipa reitoral anterior. O que vai pesar mais no novo ciclo que será protagonizado por si e que cunho pessoal trará?
Na UMinho estamos muito habituados a associar o reitor a professores de determinada proveniência disciplinar. Este facto não decorre de nenhuma circunstância precisa, pois acho que, como no meu caso, qualquer professor pode ser reitor da instituição. Naturalmente, a área em que trabalhamos não deixa de determinar a nossa visão sobre o mundo e sobre a própria instituição, mas também é verdade que cruza com o que somos, com a nossa forma de olhar a própria instituição e o mundo, logo o exercício do cargo envolve um conjunto de várias dimensões. Tenho um percurso próprio e o facto de eu me inscrever naquilo a que chamamos de Ciências Sociais e Humanas, não deixará de proporcionar uma maior atenção a determinadas dimensões da UMinho, tudo isto balizado por aquilo que são os documentos de referência. Mas não escondo que um reitor com a minha proveniência há-de introduzir certas formas de ver, há-de valorizar certos aspetos que provavelmente outros de outras origens não fariam. Mas tudo isto não é determinado apenas por esta dimensão…
 
Tudo isso, sendo um homem da casa…
Sim. Eu tenho uma experiência longa de vida construída na UMinho. A minha carreira académica não foi toda construída aqui, mas a minha carreira profissional sim; assumi algumas funções de responsabilidade na instituição e isso traz consigo algum capital de conhecimento e de relações, que, do meu ponto de vista representa uma mais-valia.
 
Prevê que a ligação institucional e conceptual à região, nomeadamente às duas cidades, possa ser ainda mais incrementada?
Tenho sempre alguma dificuldade em desligar a UMinho da sua vocação enquanto instituição de ensino superior. Diria que, em primeira instância, uma universidade não deverá ser regional e a UMinho não o é, pois em muitos dos níveis da sua atuação tem uma atuação internacional muito expressiva. E esta deve ser a nossa ambição, no sentido da afirmação internacional, não descurando naturalmente a sua intervenção nos territórios onde desenvolve a sua atividade. É nesta relação, que deve ser virtuosa, entre o local e global que a universidade deve desenvolver a sua atuação. Temos uma atuação muito forte com os territórios onde estamos inscritos, temos retirado vantagens muito importantes disso e a própria região retirou também muitas vantagens. É uma relação muito importante, que devemos aprofundar.
 
O financiamento da UMinho, tal como noutras universidades, continua a ser um dos pontos marcantes. Esta é a sua grande preocupação?
Para mim, o financiamento é muito importante, mas é meramente instrumental. É o meio para concretizar a missão da instituição, que está claramente definida. Nós queremos qualificar pessoas, queremos avançar no conhecimento, queremos manter uma relação sólida com os nossos territórios, mas para tudo isso é preciso dinheiro. Sendo esta uma universidade pública, é expectável que o Estado atribua os meios financeiros adequados para que esta leve a cabo a sua missão. Agora, quando somos confrontados com indicadores que nos dizem que o investimento per capita no ensino secundário é maior face ao do ensino superior apercebemo-nos que alguma coisa não estará bem. Penso que os sucessivos Governos precisam de ser sensibilizados para as necessidades das instituições de ensino superior e dotá-las de meios financeiros que são necessários à sua atuação. No entanto, a UMinho nunca ficou refém dos constrangimentos orçamentais que imperam sobre o Estado. Por isso, fizemos o nosso caminho, alargando as nossas fontes de financiamento. Há dados recentes sobre a execução orçamental que demonstram que a UMinho é a universidade portuguesa que percentualmente é capaz de uma maior captação de receitas próprias, estando menos dependente do orçamento de Estado.



Ensino e oferta formativa
 
Qual é o crescimento previsto do número de estudantes a médio prazo? Ainda se perseguirá os 25.000 alunos em 2020?
Essa meta está inscrita num documento fundamental da UMinho, que é o plano estratégico. Porque esse plano tem alguns anos de vigência, proporei uma revisão e esse objetivo do número de alunos há-de ser equacionado. As universidades têm sido confrontadas com impactos muito fortes da crise demográfica que o país vive e é um indicador que vai pesar quando avaliarmos este objetivo. Parece-me claro que esse número pode ser demasiado ambicioso, mas isso não significa que não devemos continuar a trabalhar para o crescimento da universidade. Há é uma necessidade de ponderarmos outros meios e objetivos. No que diz respeito a recrutamento para os primeiros ciclos, julgo que estaremos próximos daquele que é o limite do que poderemos fazer (e este ano tivemos resultados francamente bons, que nos colocam como uma universidade de topo na captação de alunos), mas há outros caminhos. Um caminho alternativo é o de recrutamento ao nível de estudantes internacionais e existe ainda potencial de crescimento no nível da formação pós-graduada e de mestrado. A nossa oferta é diversificada, mas está a precisar de uma revisão, para a organizarmos e verificarmos o potencial de crescimento. Por outro lado, a UMinho iniciou uma aposta na formação a distância, que tem também margem de crescimento. Mas nesta dimensão de formação não estamos só a pensar no objetivo em si, também queremos mais estudantes, porque sabemos que ao dar-lhes mais formação de qualidade estamos a contribuir para o seu crescimento individual e para o desenvolvimento das organizações e do próprio país.
 
A UMinho sempre se posicionou como uma academia eclética e completa. Para onde crescerá, e em que áreas, a oferta nos próximos anos?
Os estatutos são claros - a UMinho assume-se como uma universidade completa e esse é o nosso caminho. É verdade que algumas áreas novas não têm estado no nosso horizonte, mas trata-se de uma visão de conjunto, em relação às várias instituições que se envolvem na educação superior. Certo é que a UMinho tem estado atenta às possibilidades e, por isso, lançaremos no próximo ano a licenciatura em Artes Visuais, como já lançamos Teatro, Design de Produto, Engenharia Física, tudo isto em apostas que se estão a revelar de sucesso. Há balizas importantes, como estarmos a falar de uma instituição com a ambição de ser uma universidade completa, mas num perfil que não pretendemos exaurir, havendo áreas que não estarão no nosso horizonte.
 

 
Investigação e ciência
 
A UMinho destaca-se, nomeadamente em Portugal, pela investigação de topo. De que forma propõe uma evolução nesta área determinante?
Temos felizmente, distribuídos por várias áreas, grupos de elevadíssima qualidade científica, reconhecidos no contexto internacional, que desenvolvem projetos internacionais, que captam financiamento a um nível muito elevado. No entanto, temos uma situação algo desequilibrada. Com tão bons exemplos, temos este desafio de os generalizar através de boas práticas e experiências, envolvendo outras áreas. A partilha de experiências articulada com algumas medidas de âmbito organizacional - que têm que ser tomadas -, constituem esse grande desafio. A capacitação técnica de apoio à atividade cientifica e, sobretudo, a criação de uma estrutura de apoio à atividade das nossas unidades, que seja capaz de um mais claro amparo são medidas necessárias. Acho que a UMinho tem falhado aí: ou nós conseguimos este nível de organização ou a nossa capacidade de afirmação ao nível da produção científica pode vir a ser afetada.
 
Que estratégias serão importantes para garantir fatores competitivos na investigação portuguesa, para a sua afirmação numa ciência cada vez mais global e multidisciplinar?
Estamos a falar de um setor de atividade que tem conhecido avanços notáveis nas últimas décadas. O salto qualitativo da ciência portuguesa foi notável, pois fizemos muito depressa um caminho que outros países demoraram a realizar. É um caminho que necessita de consolidação e de uma contínua atenção por parte das agências responsáveis pelo financiamento, porque é um caminho não irreversível. Se as instituições forem amputadas das condições necessárias ao seu desenvolvimento, isso vai irremediavelmente refletir-se, com resultados que eu acho que serão dramáticos para o país. E é um reflexo que pode manifestar-se não só ao nível da sua posição na produção de conhecimento à escala global, mas também nos modos de apropriação desse conhecimento pelo tecido económico e produtivo. Deve reconhecer-se o papel das universidades, principalmente na capacidade de captação de financiamento e de envolvimento em grandes projetos de investigação na Europa, por exemplo, mas esta capacidade não pode dispensar o Estado do seu próprio investimento nesta atividade, que é estruturante.
 
Estado ou Europa: na sua opinião, onde há ainda mais margem de crescimento no apoio à ciência portuguesa?
Temos que continuar o que estamos a fazer bem. Penso que o desafio é ter mais grupos envolvidos em candidaturas aos projetos e fundos europeus. Mas isto não significa que não devemos manter pressão junto das agências nacionais, para garantir envolvimento efetivo e ativo no desenvolvimento da atividade de investigação.
 
Como vê a relação com a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e a questão da classificação dos centros de investigação?
A relação com a FCT tem sofrido sobressaltos de várias naturezas. A indefinição, a alteração dos quadros regulares de referência para a atividade de I&D, a inexistência de uma política científica, que nos seus aspetos essenciais possa ser mantida, independentemente das oscilações que vão ocorrendo na esfera política, são fatores muito preocupantes. Estamos a entrar num novo ciclo de avaliação das unidades de investigação, naturalmente com novas orientações emanadas por um Governo legitimado para definir estas balizas, mas seria muito interessante para o sistema científico que, para lá destas questões, houvesse algumas linhas de fundo que traduzissem grandes consensos. Por outro lado, a capacidade de resposta, no plano estritamente financeiro, nem sempre é tão célere quanto gostaríamos no que diz respeito aos reembolsos, o que cria problemas numa universidade como a nossa, que depende muito da atividade de investigação.
 
 
Infraestruturas e recursos
 
Quais as suas maiores preocupações ao nível do parque de infraestruturas que a UMinho já tem a seu encargo?
Gostaria de distinguir três níveis. Primeiro, o nosso parque edificado nos campi começa a acusar o peso da idade e a exigir um nível de intervenções de manutenção, que, nesse sentido, deveriam ser sensíveis às novas condições do ensino e da aprendizagem. Há um esforço a este nível que é necessário garantir. Segundo, temos unidades de investigação a viver em condições muito adversas. Por exemplo, o Centro de Engenharia Biológica, sendo uma das que tem melhor desempenho científico, vive hoje em circunstâncias que não são certamente as mais estimulantes. Também aqui é necessário encontrar soluções imediatas, mas também projetar investimento, para logo que surjam oportunidades de financiamento. Num terceiro nível, não sendo propriamente no edificado, teremos que continuar a trabalhar as condições de habitabilidade dos nossos campi. Há situações críticas que nos vão requerer soluções urgentes. Por exemplo, o acesso é problemático ao nível de mobilidade, circulação e segurança, além dos espaços verdes, que têm que ser requalificados, de modo a reunir um conjunto de condições apropriadas para as muitas pessoas que transformam os nossos campi em pequenas cidades.
 
Será o campus de Couros o principal referencial de desenvolvimento infraestrutural dos próximos anos?
Julgo que nós falamos de forma otimista do campus de Couros. Este é um projeto extraordinário da universidade e da cidade de Guimarães, um exemplo de articulação de uma universidade e da malha urbana. É já composto por um conjunto interessante de edifícios que ocupamos, que será alargado proximamente para o Teatro Jordão e a Garagem Avenida, onde teremos os cursos de Teatro e de Artes Visuais. A instalação do mestrado de Design de Produto e Serviços também reforçará este espaço. Começamos agora a ter algumas condições para falarmos de um campus, através da presença de massa humana. Ainda não é, mas isto constitui em si um desafio para a universidade, o de criar práticas e infraestruturas, com presença continuada de pessoas, estudantes e professores, que se constituam num campus.
 
A UMinho ganhou importantes recursos infraestruturais nos últimos anos, como o IB-S. Há novos projetos desta dimensão no horizonte?
Temos à nossa frente um dos grandes projetos com que nos vamos confrontar, que resulta do reconhecimento da grande qualidade do Grupo 3B’s - estou a falar da instalação do The Discoveries Centre. O projeto vai representar uma alteração qualitativa, com grande capacidade de atração de pessoas, no AvePark. No entanto, volto a frisar que a universidade terá que olhar para as infraestruturas de trabalho de outros grupos que estão em condições que prejudicam o seu desempenho.
 
Ao nível de património histórico, a UMinho tem assumido um papel crescente. Que planos mais imediatos existem nesta interação cultural e patrimonial?
Felizmente, temos um património muito rico e de que nos devemos orgulhar, mas que temos que preservar e rentabilizar. Há dois projetos consolidados de intervenção e recuperação: o edifício Largo do Paço e o Convento de S. Francisco, ambos alvo da nossa operação de fundraising, para a angariação de financiamento. Já relativamente ao Museu Nogueira da Silva, que apresenta sinais de degradação, está a precisar de intervenção, respeitando as decisões do comendador Nogueira da Silva. Por outro lado, no edifício dos Congregados, pensamos que pode ser a verdadeira “Casa da Música” de Braga e, aí, os desafios são grandes, passando por consolidar o nosso projeto de formação na área da música. Neste domínio, devo referir que assumimos recentemente uma responsabilidade muito interessante, com uma unidade diferenciada - a Casa de Sarmento -, que ficará alojada na casa deste celebrado arqueólogo, representando mais um património de que a UMinho passará a ser usufrutuária e que queremos tornar um lugar de interação. Todos estes são espaços nossos, mas que nos permitem interagir com as populações e que, por outro lado, permite a estas populações interagirem com a dimensão histórica e patrimonial dos espaços.