A corrida ao “petróleo branco” português

22-01-2018 | Nuno Passos

Carlos Leal Gomes numa colheita de amostras de espodumena, o minério com maior percentagem de lítio, em trincheiras de prospeção no deserto do Namibe, sudoeste de Angola

Os filões de mica litinífera sobressaem como riscos brancos na rocha do jazigo de Gonçalo-Seixo Amarelo, na Guarda (foto: Carlos Franco/National Geographic)

Funcionário da Novo Litio num furo das sondagens em Mirandela. A empresa australiana quer construir fábrica, mas litígio com Luso Recursos, que detém a concessão, "põe em causa" 370 milhões de euros de investimento (foto: Adriano Miranda/Público)

Na reserva de Jujuy, no extremo norte da Argentina, extrai-se um sal que contém o lítio e o impacto da mineração depende da sua concentração (foto: Lucila Pellettieri/Global Press Journal)

Vista geral das "piscinas de lítio" naquela região da Argentina, um dos principais países fornecedores deste metal, a par dos vizinhos Chile e Bolívia (foto: ElFederal.com.ar)

A extração tem gerado revolta desde o Tibete à Argentina, onde por cada tonelada de lítio retirada evaporam dois milhões de litros de água e favorece-se a difusão de sais superficiais na região indígena, diz o geólogo Fernando Días (foto: ElFederal.com)

A investigação sobre lítio suscita cada vez mais publicações e debates científicos - a conceituada revista "Science" trouxe o tema à capa da edição de outubro de 2015

As baterias de iões de lítio permitem ligar-nos o mundo e fazem parte do nosso quotidiano há muitos anos, como nos telemóveis, PC portáteis, relógios e comandos remotos

Tesla Model S, BMW i3, Fiat 500e e Nissan Leaf são alguns modelos de carros elétricos, um segmento que vai contar com multinacionais como a Apple (na foto, o projeto Titan) ou a IBM. A "revolução" segue dentro de momentos

A autonomia das baterias destes veículos é um dos principais desafios da ciência e da indústria. O Renault Zoe, por exemplo, tem uma bateria com apenas 41 kWh e uma autonomia de referência de 400 km

Portugal é um dos países com bom abastecimento na mobilidade elétrica, nomeadamente graças ao projeto MOBI.E, que envolveu a UMinho, superando os 1250 pontos de carregamento em mais de 50 municípios do continente e da Madeira

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O lítio, usado nas baterias de smartphones e carros elétricos, agigantou-se. Não é fácil extraí-lo cá, mas empresas de vários países prospetam o território. Carlos Leal Gomes explica o fenómeno.





A procura e o preço do lítio multiplicaram-se nos últimos anos, embalados pelas vendas de carros elétricos, cujas baterias precisam daquele metal. Até 2030, estima-se que haja 24.4 milhões de veículos elétricos a circular no mundo. O lítio é também utilizado em computadores portáteis, telemóveis, lubrificantes, ar condicionado, ligas de alumínio, na medicina e alguns dos seus minerais servem ainda para a indústria do vidro e cerâmica. Esta matéria-prima existe nos vários continentes e, mesmo que o volume de mercado triplicasse, estaria disponível até 2200, estima o Deutsche Bank.

A extração atual com mais interesse económico é de lagos salgados e suas soluções salinas (salmouras), em zonas privilegiadas como o centro-oeste da América do Sul - o apelidado “Golfo Pérsico do lítio” -, que representa mais de metade da produção mundial. Tem igualmente ganho importância o aproveitamento a partir de jazigos minerais de lítio (em minas) na Austrália, Canadá, EUA, Brasil, Namíbia, Zimbabué, Sérvia, República Checa a até em Moçambique e Angola, onde a sua prospeção começa a ter algum desenvolvimento.

Esta "corrida" passou a contar recentemente com Portugal. Já se identificaram recursos minerais de lítio em várias regiões do Norte e Centro, desde Caminha (Alto Minho) a Idanha-a-Nova (Beira Baixa). Investigadores da UMinho foram pioneiros, ainda na década de 1980, a identificar pela primeira vez em Portugal continental minerios complexos de lítio, especialmente um dos mais abundantes, a petalite. Atualmente, a tutela do Governo tem sido confrontada com “dezenas” de pedidos para licenças de prospeção e há empresas a disputarem em tribunal algumas áreas já licenciadas. Para Carlos Leal Gomes, professor há 35 anos no Departamento de Ciências da Terra da UMinho e uma espécie de “Google dos minérios portugueses”, a reação e a cobertura mediática têm sido excessivas.

Quanto à afirmação nos mercados internacionais dos minérios e recursos de lítio portugueses, “ainda não é o momento, pois não se sabe com detalhe que recursos temos em condições de aproveitamento efetivo”, define. Assiste-se a alguma especulação, que beneficia sobretudo a valorização em bolsa e a obtenção de financiamento pelas empresas envolvidas em projetos de prospeção. Nesta fase ainda não está confirmada a viabilidade tecnológica de aproveitamento de muitos dos minérios e jazidas em estudo. Para várias das situações agora divulgadas, “quando pedirem a um geólogo para retirar o lítio da pedra, perceberão que pode não ser possível”, nota coloquialmente o investigador do Laboratório de Paisagens, Património e Território (Lab2PT) da UMinho.


Um país rico de minas pobres

“Portugal é um país rico de minas pobres”, continua, “pois historicamente não temos muitos exemplos de explorações de grandes dimensões que seja capaz de influenciar o mercado mundial”. As potenciais jazidas nacionais de lítio também se incluem nesta conceção: o lítio surge em pegmatitos, rochas que de forma simplista podem ser consideradas como granitos anormais e em que os minérios de lítio ocorrem em associação com outros minerais e em proporções variáveis. “Para a exploração ser economicamente viável, deveríamos estudar uma fileira industrial considerando as características das nossas eventuais pequenas minas e estabelecer rotinas calibradas para acolher, com alguma tolerância, a diversidade de minérios que exigem tratamentos diferenciados”, defende Carlos Leal Gomes. “Na nossa realidade, é preferível adoptar como princípio a gestão integrada de pequenos jazigos do que privilegiar a possibilidade de existência de jazidas de classe mundial”, acrescenta o professor, que fez o seu doutoramento em Ciências pela UMinho e dedica a investigação precisamente a estas rochas que podem conter lítio.

O especialista considera que os serviços nacionais que tutelam a exploração mineira têm conhecimento adequado, no entanto “há aspetos a melhorar ao nível da transferência de informação entre órgãos que tutelam a administração do território, ao nível da fiscalidade e do ordenamento da atividade extrativa e do território”. Por exemplo, os Planos Regionais de Ordenamento e os Planos Diretores Municipais só recentemente passaram a incluir com algum destaque o aproveitamento mineiro. Além disso, as empresas têm encontrado muitas barreiras a obter licenciamentos. A extração de uma substância metálica, como lítio, tungsténio, estanho, ouro ou cobre, depende de uma concessão do Estado, que em contrapartida recebe royalties e aplica o fisco. A pressão de juntas de freguesia, populações, lobbies ambientalistas e media também pode limitar o aval a uma exploração. Carlos Leal Gomes admite que, a este respeito, tem havido algum excesso de zelo ao nível dos licenciamentos para minerais industriais (que são usados no seu todo e não precisam de tratamento metalúrgico, como a argila, o feldspato e o quartzo), pois às vezes perde-se a oportunidade de extrair um pequeno filão, cuja exploração “dura escassos anos e da qual fica apenas uma cicatriz”.

O docente nascido em Angola há 58 anos faz notar que todas as dificuldades e estrangulamentos que têm surgido não teriam razão de ser se o lítio tivesse uma cotação similar à do tântalo ou do ouro. Para já, estamos longe disso. O valor é relativamente baixo e a viabilização extrativa também depende muito da “criticalidade das substâncias”, que é revista periodicamente pela União Europeia, sendo avaliada pela acessibilidade aos recursos de cada mineral, por acordos internacionais  e pelo interesse manifestado pelo meio empresarial mineiro, entre outros fatores. No caso do lítio, Portugal tem até uma tradição de produção e exportação de materiais cerâmicos “alitinados” (com uma dada proporção de minerais de lítio), que são vantajosos pela sua mistura de minerais industrais que depuram e fluidificam as fusões cerâmicas e que permitem ainda reduzir os consumos de energia na cozedura. Por outro lado, os polos nacionais mais relevantes da atividade extrativa - com minas, essas sim, de classe mundial - continua no Alentejo, em Neves-Corvo a fornecer cobre (o qual integra inúmeras ligas e é fulcral na indústria elétrica) e na Panasqueira, onde se extrai “volfrâmio” (ou tungsténio, que também integra diversas ligas, especialmente os aços endurecidos).