Uma universidade "iniciada" em Moçambique
Chegou a exercer funções de direção na ULM?
No início fui diretor das Engenharias em geral e, depois, da Engenharia Civil, onde tive que fundar tudo, de dar as cadeiras quase todas. Na primeira turma que se formou havia apenas seis ou sete alunos. Fizemos uma viagem memorável a Brasília, oferta do Governo brasileiro.
Acabou por recrutar a maior parte dos professores de Engenharia?
A maioria dos professores da ULM foi feita a partir dos assistentes que havia em Moçambique e que tinham vindo do Porto e de Lisboa. Para Engenharia não consegui “arrastar” nenhum já doutorado, à excepção do professor Carlos Carvalho, da UP. Tive de os “fabricar”, mandando-os formar-se fora. Logo que fui indigitado para trabalhar na ULM, eu vinha a Portugal “caçar” os três alunos mais bem classificados dos cursos de Engenharia das universidades de Lisboa e do Porto e do Instituto Superior Técnico. Consegui alguns, outros não quiseram. Após o 25 de Abril, acabaram por voltar quase todos a Portugal. “Trouxe” também Amália Sequeira Braga para a Geologia da UMinho, que foi minha funcionária 14 anos lá no Laboratório. É professora aposentada e uma excelente especialista.
Quando voltou, estava em formação a UMinho.
É. Antes de mim vieram para Portugal os professores catedráticos Carlos Lloyd Braga [na ULM, dirigiu o Departamento de Física em 1967-72 e vice-presidiu a comissão executiva das novas instalações da universidade em 1970-73] e Joaquim Barbosa Romero. Tinham vindo fundar a UMinho e deu-se a revolução.
Portanto, veio muita gente de Moçambique para a UMinho porque já havia ligações.
Sim, as pessoas vieram por causa de Lloyd Braga e Romero. Mas [na engenharia] as relações com Angola também eram boas. O Laboratório de Engenharia angolano tinha o diretor Novais Ferreira e, depois, Guerra Marques, membro do comité central do MPLA, que veio a Braga – já estava eu na UMinho – convidar-me para ir dar cursos curtos sobre fundações de pontes, vias de comunicação, estradas e aeródromos. O professor Paulo Pereira foi comigo dar um desses cursos.
Quando chegou à UMinho?
A minha esposa e eu andávamos a ver se ficávamos em Lisboa, Coimbra ou Porto. Os alunos da Universidade de Coimbra queriam-me, mandaram um telegrama à associação académica em Lourenço Marques e o presidente era Rui Gonzalez – foi lá meu aluno e tem hoje dois irmãos doutorados pela UMinho, também meus ex-alunos –, que lhes deu boas informações. Mas nessa altura em que a minha mulher concorreu para ser médica em Coimbra houve uma RGA [que rejeitou os que vinham de África]. Em Lisboa e no Porto ocorreu uma cena parecida. Por isso, apareci no Minho. A minha mulher arranjou entretanto trabalho no hospital de Barcelos. Residíamos em Vila Fria [Viana do Castelo], na casa dos pais dela. Eu ainda não sabia onde ia ficar [a trabalhar] e cheguei aqui a 1 de abril de 1975. O Lloyd Braga disse: “Assine aqui, faz favor”. Entrei como professor catedrático, transferido diretamente da ULM.
Que funções assumiu?
O professor Romero também queria que eu viesse para cá, mas disse-me que não tínhamos Engenharia Civil. Respondi: “O que querem que dê?”. E ele: “Você tem jeito para Matemáticas, dá Matemáticas, Física…”. E foi. O professor Fernandes de Carvalho estava a vir de Coimbra, já tinha muita idade, e pediram-me “para aguentar”. A professora Paula Smith foi minha assistente nas aulas de Matemática. Depois, o professor Romero criou o curso de Engenharia de Produção ramo de Engenharia Civil, sendo diretor da Escola de Engenharia, que ainda não tinha esse nome. Todavia, Engenharia de Produção era uma coisa nova, esquisita, que as pessoas não entendiam. Os alunos foram então diretos no último ano e ficaram todos engenheiros civis [sem a referência a engenheiros de produção]. Portanto, tive que fundar o curso de Engenharia Civil e criar todas as cadeiras. Usei a mesma estratégia de Lourenço Marques. Escolher os melhores alunos, convidá-los para assistentes, “caçá-los” no Porto… (o Porto também nos levou alguns). Paulo Cruz, Paulo Lourenço e Oliveira Barros… “roubei-os” para aqui.
Foi buscá-los ao Porto.
Para fundarem a parte das estruturas. Fui buscar o Paulo Pereira a Viana. Depois, tive outra vez dificuldades com a Arquitetura. Lloyd Braga queria a melhor relação com o Porto. Fui à Escola de Arquitetura do Porto, o responsável era Fernando Távora e disse-lhe: “Inteirei-me do problema da Arquitetura total. Como na UMinho é uma Arquitetura destinada à Engenharia Civil, trago-lhe o plano de estudos das escolas de Arquitetura na Corunha onde fui e vi que tinha boa ligação a Engenharia Civil”. Pegou naquilo, atirou ao chão e respondeu-me frontalmente: “Os arquitetos são artistas, não são engenheiros”. Virei costas e disse ao Lloyd Braga que me demitia dessa função. Quem pegou nisso foi Carlos Bernardo e Paulo Cruz e, mais tarde, resolveu-se o assunto.
O professor esteve desde muito cedo ligado à questão das instalações.
Muito.
E, de alguma forma, com a responsabilidade da criação do Gabinete Executivo das Instalações Definitivas (GEID).
Estive. A maior parte do tempo. Lloyd Braga mandou fazer um plano geral de estudos de instalações universitárias em Braga e Guimarães. Veiga Simão disse aos vimaranenses que iam ter um instituto politécnico e, quando já existia a UMinho, disse que iriam ter um ramo da UMinho. O primeiro-ministro Mário Soares escreveu então um despacho a dizer para se fazer um polo da UMinho em Guimarães sem acréscimo de despesas para a “fazenda nacional” (mas, obviamente, iria implicar despesas).
Nos estudos iniciais, a localização da UMinho nas Caldas das Taipas era uma hipótese.
Queria-se ir para as Taipas e estava tudo encaminhado. Face a esse despacho, fui encarregado por Lloyd Braga de ir a Guimarães resolver o problema do polo. Deu uma confusão interessante. Em Braga não houve problema, foi a Profabril que fez o programa preliminar, adjudicou o segundo plano e depois era o plano de execução.
Num concurso, o presidente da comissão instaladora escolheu a Profabril e o Ministério impôs outra equipa. Lembra-se disso?
O concurso foi aberto para empresas nacionais. O que se impôs, pelo menos o que Lloyd Braga me disse, foi que tínhamos que adjudicar, em princípio, a uma empresa de Lisboa e outra do Porto. Para haver certo equilíbrio. Mas, visivelmente, a empresa do Porto não estava em condições de fazer o projeto. Por isso, adjudicou-se à Profabril e a outra de Lisboa, que era a única além da Profabril.
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