O nosso professor mais antigo

18-02-2019 | Fotos: Nuno Gonçalves

Fernando Pokee veio de Moçambique e é um dos assistentes técnicos no Laboratório de Engenharia Civil J. Barreiros Martins, no campus de Azurém da UMinho, em Guimarães (foto: Diogo Cunha)

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Julio Barreiros Martins

O professor catedrático emérito jubilado da Escola de Engenharia abre o ciclo de entrevistas com membros da comissão instaladora da UMinho, no âmbito dos 45 anos da instituição.


Nunca falta a uma cerimónia solene no Largo do Paço - neste Dia da UMinho, volta a desafiar o tempo para desfilar com orgulho no cortejo académico da "sua" universidade, onde chegou a 1 de abril de 1975. É o membro ativo decano da academia e tem o número mecanográfico 6; daí é preciso saltar para o nº 20, do professor Carlos Bernardo, também da Escola de EngenhariaJúlio Barreiros Martins nasceu a 1 de agosto de 1930, em Monsanto do Ribatejo (Alcanena), no distrito de Santarém. Fez o curso de Engenharia Civil na Universidade do Porto (UP) em 1956, aquando do serviço militar, e em 1957-68 foi engenheiro chefe do Serviço de Sondagens e Fundações do Laboratório de Engenharia de Moçambique.

Obteve o diploma de pós-graduação pelo Imperial College de Londres, na Inglaterra, em 1961, o master of science pela 
Universidade de Londres em 1962 e o doutoramento em Engenharia Civil pela UP em 1966. Foi contratado como assistente na Universidade de Lourenço Marques (ULM, atual Universidade Eduardo Mondlane, em Moçambique) em 1963 e, sete anos depois, passou a professor catedrático, após provas públicas na UP. Foi diretor da Faculdade de Engenharia da ULM e, já na UMinho, presidente do Conselho Científico, vice-presidente do Conselho Académico, presidente da 
Escola de Engenharia, presidente do Centro de Engenharia Civil, responsável para a divisão de Geotecnia dos Laboratórios de Engenharia Civil e diretor do mestrado em Engenharia Civil. Recebeu um voto de louvor do Ministério do Ultramar português e tem um laboratório em seu nome na UMinho. Casado e pai de quatro filhos, é cronista do jornal "Diário do Minho" e uma das vozes mais respeitadas da academia.
 

Fez a licenciatura no Porto. Houve alguma razão em particular? 
É muito simples. Eu tinha enormes dificuldades económicas, era órfão de pai e tinha que ajudar a minha mãe. Em Leiria era contabilista encartado de um armazém de mercearias. Fiz como “autodidata”, como examinando externo, o 6º ano naquela cidade. Fiz exames do 7º ano em Coimbra, porque não existiam em Leiria. Depois entrei na Universidade de Coimbra, mas tive que recorrer a apoios e fui, aí, bolseiro da Sociedade Filantrópica Académica. No 1º ano, estive como bolseiro de alimentação e, no segundo ano, os presidentes dessa instituição convidaram-me para dirigir o refeitório, o que dava direito a refeições e dormida gratuitas na Associação Académica, no Palácio dos Grilos. O dr. Jayme Rios de Souza, do Centro Universitário do Porto, almoçou um dia no refeitório e perguntou-me se eu queria ir para o Porto, pois oferecia condições iguais. Assim foi.

Depois foi para Moçambique. Convidado, por concurso…?
Saí do serviço militar casado com uma senhora que tinha cerca de 40 familiares em Moçambique. O seu padrinho, que lhe pagou os estudos, queria que fôssemos para lá. Falei com o eng. Pimentel dos Santos, diretor do Laboratório de Ensaios de Materiais e Mecânica do Solo (hoje, Laboratório de Engenharia de Moçambique) e que seria o último Governador de Moçambique. Fui aí ganhar 7500 escudos por mês, enquanto um engenheiro de terceira em Portugal ganhava 3200 escudos. Fiz ainda parte do Conselho Superior de Obras Públicas de Moçambique. Só que o Salazar mandou para lá [em 1962] Veiga Simão para fundar a ULM.
 
Mas já o conhecia?
Era um ano mais velho do que eu; formou.se em Física com 20 valores em Coimbra. E tratávamo-nos por tu. A primeira pessoa que ele topou [em Moçambique] fui eu: “Tens que ajudar-me na fundação da Universidade”. O Salazar até queria que se chamasse “Estudos Gerais Universitários”, mas Veiga Simão reclamou. Respondi: “Ajudo, pois. Vou falar com o diretor do Laboratório. O primeiro andar deste edifício está algo vazio e podes aí começar a pôr as primeiras aulas”. Assim foi. Fez-se uma parede divisória e um anfiteatro do lado esquerdo e outro do direito. Fiz o projeto e a adjudicação para tudo isso. Pronto, aí começou. Fez-se uma escada exterior, onde ficou o anfiteatro de Física, com salas de trabalho, de estudo, de aulas. Foi a primeira unidade da ULM!
 
Ficava no edifício do Laboratório?
Sim, no quilómetro 7 da estrada de Marracuene. Veiga Simão não me largou mais: “Tu tens que dar aulas, tens que me ajudar nos projetos”. Não havia dinheiro sem ser à última da hora. Ele reclamava no Ministério do Ultramar o necessário para as obras. Eu fazia a estimativa de uns pavilhões, em construções não pré-fabricadas, mas que se faziam rapidamente. Começou por se colocar ali a Física e as Ciências, depois o pavilhão da Química, posteriormente o primeiro pavilhão das Engenharias, o segundo, um pavilhão da Medicina, um pavilhão ao lado para a Biologia e para a Agricultura, que era para os alunos entrarem em setembro… Eu tinha tudo preparado, o Laboratório já estava habituado a este tipo de coisas; tinha desenhadores que também ajudavam a fazer desenhos de construção, plantas, alçados, cortes…
 
Quando prosseguiu a formação académica?
Em 1960, disse ao eng. Pimentel dos Santos que queria ter mestrado na minha especialidade. Eu era engenheiro chefe dos Serviços de Sondagens e Fundações naquele Laboratório. Ele apoiou-me em tudo, até em arranjar subsídio, e aproveitei uma licença graciosa [por estar a trabalhar há três anos] para ir para o Imperial College, pois tinha notas para entrar diretamente. Os exames e a entrega e defesa da tese eram para junho de 1962, mas o novo governador em Moçambique, achando que eu estava de férias em Londres, mandou-me voltar. A solução foi a minha esposa, médica, ir a Lisboa ao Ministério do Ultramar falar com os colegas da Junta Médica e indicar a situação. Esses médicos decidiram que eu estava tão doente que tinha que ser tratado em Londres. Lá voltei, para fazer exames e, dias depois, regressei a Moçambique com o mestrado feito. Veiga Simão disse que havia muito trabalho e foi necessário arranjar professores e assistentes. Alguns dos que “pesquei” estão na UMinho, como Carlos Couto e Sérgio Machado dos Santos. Com apoio de Veiga Simão, conseguiu-se obter bolsas para se doutorarem nas melhores universidades do Reino Unido.

E o seu doutoramento?
Como tinha média de 16 valores, não precisava de supervisor nem de recomendação e decidi apresentar-me a provas na UP. Fiz a teoria da tese em Lourenço Marques, mas faltava o trabalho de computação. Aproveitei uma licença de três meses para ficar dia e noite, aos sábados e domingos, no computador do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) em Lisboa, com apoio de Arantes e Oliveira (filho), então diretor do Centro de Informática do LNEC, onde residia o computador Elliot 803B (que era a última moda). Tirei 19 valores no doutoramento feito na Faculdade de Engenhria do Porto.
 
A carreira académica era um cenário para si?
Eu ganhava mais no Laboratório do que na ULM, onde era assistente convidado. Só pedi a demissão do Laboratório com a certeza de que tinha pelo menos o contrato de professor extraordinário [associado] na Universidade. Para esse efeito, fiz o pedido de agregação à UP. Porquê? Eu tinha feito trabalhos importantes de fundações em todo o território: o porto de Nacala, barragens, pontes… Tive nove equipas de sondagem no país. Fiz o projeto, cálculos, modelos e acompanhei toda a execução das Torres Vermelhas, um ex-libris de Maputo com 25 andares e que é o único em África em paredes de moldes deslizantes verticais em betão armado e de geometria variável... Ou seja, eu tinha um dossiê profissional enorme. Também tinha publicado em revistas internacionais. Acabei por ser aprovado por unanimidade. Voltei e Veiga Simão propôs a Lisboa a minha nomeação como professor extraordinário. Mas aquilo demorou porque ele veio para Lisboa ser ministro da Educação Nacional e, por outro lado, a nomeação tinha que ter aprovação do Ministro do Ultramar, Silva Cunha, o qual mandou consultar a PIDE. Essa escreveu à margem que eu não era afeto ao regime e Silva Cunha meteu o processo na gaveta durante largos meses. A verdade é que eu nunca exerci atividade política. Entretanto, fui nomeado e depois designado professor catedrático, as provas foram no Porto.



Uma universidade "iniciada" em Moçambique

Chegou a exercer funções de direção na ULM?
No início fui diretor das Engenharias em geral e, depois, da Engenharia Civil, onde tive que fundar tudo, de dar as cadeiras quase todas. Na primeira turma que se formou havia apenas seis ou sete alunos. Fizemos uma viagem memorável a Brasília, oferta do Governo brasileiro.
 
Acabou por recrutar a maior parte dos professores de Engenharia?
A maioria dos professores da ULM foi feita a partir dos assistentes que havia em Moçambique e que tinham vindo do Porto e de Lisboa. Para Engenharia não consegui “arrastar” nenhum já doutorado, à excepção do professor Carlos Carvalho, da UP. Tive de os “fabricar”, mandando-os formar-se fora. Logo que fui indigitado para trabalhar na ULM, eu vinha a Portugal “caçar” os três alunos mais bem classificados dos cursos de Engenharia das universidades de Lisboa e do Porto e do Instituto Superior Técnico. Consegui alguns, outros não quiseram. Após o 25 de Abril, acabaram por voltar quase todos a Portugal. “Trouxe” também Amália Sequeira Braga para a Geologia da UMinho, que foi minha funcionária 14 anos lá no Laboratório. É professora aposentada e uma excelente especialista.

Quando voltou, estava em formação a UMinho.
É. Antes de mim vieram para Portugal os professores catedráticos Carlos Lloyd Braga [na ULM, dirigiu o Departamento de Física em 1967-72 e vice-presidiu a comissão executiva das novas instalações da universidade em 1970-73] e Joaquim Barbosa Romero. Tinham vindo fundar a UMinho e deu-se a revolução.
 
Portanto, veio muita gente de Moçambique para a UMinho porque já havia ligações. 
Sim, as pessoas vieram por causa de Lloyd Braga e Romero. Mas [na engenharia] as relações com Angola também eram boas. O Laboratório de Engenharia angolano tinha o diretor Novais Ferreira e, depois, Guerra Marques, membro do comité central do MPLA, que veio a Braga – já estava eu na UMinho – convidar-me para ir dar cursos curtos sobre fundações de pontes, vias de comunicação, estradas e aeródromos. O professor Paulo Pereira foi comigo dar um desses cursos.
 
Quando chegou à UMinho?
A minha esposa e eu andávamos a ver se ficávamos em Lisboa, Coimbra ou Porto. Os alunos da Universidade de Coimbra queriam-me, mandaram um telegrama à associação académica em Lourenço Marques e o presidente era Rui Gonzalez – foi lá meu aluno e tem hoje dois irmãos doutorados pela UMinho, também meus ex-alunos –, que lhes deu boas informações. Mas nessa altura em que a minha mulher concorreu para ser médica em Coimbra houve uma RGA [que rejeitou os que vinham de África]. Em Lisboa e no Porto ocorreu uma cena parecida. Por isso, apareci no Minho. A minha mulher arranjou entretanto trabalho no hospital de Barcelos. Residíamos em Vila Fria [Viana do Castelo], na casa dos pais dela. Eu ainda não sabia onde ia ficar [a trabalhar] e cheguei aqui a 1 de abril de 1975. O Lloyd Braga disse: “Assine aqui, faz favor”. Entrei como professor catedrático, transferido diretamente da ULM.
 
Que funções assumiu?
O professor Romero também queria que eu viesse para cá, mas disse-me que não tínhamos Engenharia Civil. Respondi: “O que querem que dê?”. E ele: “Você tem jeito para Matemáticas, dá Matemáticas, Física…”. E foi. O professor Fernandes de Carvalho estava a vir de Coimbra, já tinha muita idade, e pediram-me “para aguentar”. A professora Paula Smith foi minha assistente nas aulas de Matemática. Depois, o professor Romero criou o curso de Engenharia de Produção ramo de Engenharia Civil, sendo diretor da Escola de Engenharia, que ainda não tinha esse nome. Todavia, Engenharia de Produção era uma coisa nova, esquisita, que as pessoas não entendiam. Os alunos foram então diretos no último ano e ficaram todos engenheiros civis [sem a referência a engenheiros de produção]. Portanto, tive que fundar o curso de Engenharia Civil e criar todas as cadeiras. Usei a mesma estratégia de Lourenço Marques. Escolher os melhores alunos, convidá-los para assistentes, “caçá-los” no Porto… (o Porto também nos levou alguns). Paulo Cruz, Paulo Lourenço e Oliveira Barros… “roubei-os” para aqui.
 
Foi buscá-los ao Porto.
Para fundarem a parte das estruturas. Fui buscar o Paulo Pereira a Viana. Depois, tive outra vez dificuldades com a Arquitetura. Lloyd Braga queria a melhor relação com o Porto. Fui à Escola de Arquitetura do Porto, o responsável era Fernando Távora e disse-lhe: “Inteirei-me do problema da Arquitetura total. Como na UMinho é uma Arquitetura destinada à Engenharia Civil, trago-lhe o plano de estudos das escolas de Arquitetura na Corunha onde fui e vi que tinha boa ligação a Engenharia Civil”. Pegou naquilo, atirou ao chão e respondeu-me frontalmente: “Os arquitetos são artistas, não são engenheiros”. Virei costas e disse ao Lloyd Braga que me demitia dessa função. Quem pegou nisso foi Carlos Bernardo e Paulo Cruz e, mais tarde, resolveu-se o assunto.
 
O professor esteve desde muito cedo ligado à questão das instalações.
Muito.
 
E, de alguma forma, com a responsabilidade da criação do Gabinete Executivo das Instalações Definitivas (GEID).
Estive. A maior parte do tempo. Lloyd Braga mandou fazer um plano geral de estudos de instalações universitárias em Braga e Guimarães. Veiga Simão disse aos vimaranenses que iam ter um instituto politécnico e, quando já existia a UMinho, disse que iriam ter um ramo da UMinho. O primeiro-ministro Mário Soares escreveu então um despacho a dizer para se fazer um polo da UMinho em Guimarães sem acréscimo de despesas para a “fazenda nacional” (mas, obviamente, iria implicar despesas).
 
Nos estudos iniciais, a localização da UMinho nas Caldas das Taipas era uma hipótese.
Queria-se ir para as Taipas e estava tudo encaminhado. Face a esse despacho, fui encarregado por Lloyd Braga de ir a Guimarães resolver o problema do polo. Deu uma confusão interessante. Em Braga não houve problema, foi a Profabril que fez o programa preliminar, adjudicou o segundo plano e depois era o plano de execução.
 
Num concurso, o presidente da comissão instaladora escolheu a Profabril e o Ministério impôs outra equipa. Lembra-se disso?
O concurso foi aberto para empresas nacionais. O que se impôs, pelo menos o que Lloyd Braga me disse, foi que tínhamos que adjudicar, em princípio, a uma empresa de Lisboa e outra do Porto. Para haver certo equilíbrio. Mas, visivelmente, a empresa do Porto não estava em condições de fazer o projeto. Por isso, adjudicou-se à Profabril e a outra de Lisboa, que era a única além da Profabril. 
 
  

Três locais provisórios em Guimarães e campus "mais abaixo" do que o desejado

Como ficou a situação para Guimarães?
Eu estava encarregado das instalações provisórias e definitivas. Disse-me Lloyd Braga: “Vá e veja o que é que pode fazer para começarmos a dar aulas”. Fui à Câmara Municipal de Guimarães, que tinha que nos apoiar nalgumas instalações. Os vereadores deram três hipóteses. Uma era a instalação provisória num pavilhão, nuns armazéns insufláveis grandes que havia. Recusei. Outra hipótese era a cocheira dos autocarros da cidade, uns armazéns onde se guardava autocarros. Também não. Sugeriram então o Palácio Vila Flor. O palácio era bonito, mas estava podre e com ratos por dentro, até no telhado. O palácio tem duas partes, a velha e a nova; atrás há umas estatuetas históricas interessantes e, adiante, os jardins. Aceitei, mas pedi para a Câmara pagar as obras, de modo a reparar-se tudo rapidamente e adaptar-se para as aulas. Assim foi. Comparticipou, julgo, 70% do custo, cerca de 20.000 contos, na condição de ficar com o edifício quando a UMinho saísse.
 
É onde está hoje o Centro Cultural Vila Flor.
Sim. Como de costume, lá fiz um projeto em cima do joelho com salas de aula, anfiteatros... Construímos ao lado um pavilhão novo para as oficinas mecânicas e para a Têxtil, que queria instalar umas máquinas. Ficámos no próprio palácio e nos anexos provisórios que construímos. Depois, para as instalações definitivas tinha que se fazer um projeto. O primeiro problema foi o sítio do campus [de Azurém].
 
Foi pensada uma área de cerca de 50 hectares.
Eu queria chegar a universidade uns 100 metros para cima, um terreno vago, com poucas videiras, que era mais abrigado e tinha rocha a pequena profundidade, para fugir a um vale com argila até 28 metros. Mas o arquiteto do Plano Diretor Municipal [Fernando Távora] não deixou, tive aí grandes pegas. Ele queria mais abaixo, encostado ao ribeiro, porque acima ia ser a variante, que tinha que ter vista sobre Guimarães e que daria muito ruído para a universidade. Eu disse que isso não tinha jeito nenhum, pois a estrada não dava para as pessoas saírem do carro e observarem a cidade, os edifícios da UMinho não eram altos e não iriam tirar a vista e, por outro lado, podia plantar-se árvores para absorver o tal ruído. A maior pega a seguir foi no projeto. Os arquitetos eram os vindos de Lisboa. Insistiram em meter a biblioteca na cave do edifício e os refeitórios em cima. Posteriormente, houve uma inundação na biblioteca e, vencido, desliguei-me das instalações definitivas nessa altura. Aquela biblioteca “enterrada” custou quase tanto como o restante edifício onde ela está. Também discordei dos “gabinetes linguiça” dos professores, muito estreitos, compridos e virados para Norte, quando comparados com os da presidência de Engenharia. No pelouro das instalações definitivas seguiu-me o professor José Vieira.
 
Quando estava no GEID, como foi a escolha de terrenos para o campus de Braga?
Escolhemos bem. Comprámos o terreno de Gualtar por 3000 contos aos militares. Quis depois comprar a parte abaixo, onde está hoje o restaurante [McDonald’s], para criar o primeiro curso de Engenharia Agrónoma no Norte. Aquilo era do Ministério da Agricultura, tinham investigação e ia apanhar o pessoal para a UMinho. Lloyd Braga não concordou. Depois, sugeri expandir para cima, onde havia a carreira de tiro e terrenos anexos. Lloyd Braga mandou-me falar com o general chefe da região Norte no Porto, que concordou, desde que pagássemos o alargamento de uma carreira de tiro próxima de Braga. Valia a pena pagar o valor, porque a UMinho ficaria com uma área muito grande, mas Lloyd Braga não quis. A universidade também tentou crescer para o Centro de Saúde Mental e o colégio, mas houve dificuldades. Em relação ao bairro social [do Sol], resolvemos com a Câmara, realojando as pessoas noutro sítio.
 
A questão da bipolarização era muito discutida. As câmaras de Braga e Guimarães estavam a competir?
Nunca houve grande competição. A Câmara de Braga só se tem interessado pela UMinho nos anos recentes. A Câmara de Guimarães foi ágil a ir a Lisboa chatear Mário Soares para ter o polo da UMinho. E foi a primeira a colocar placas a indicar onde é a universidade, por exemplo.
 
O professor viveu uma espécie de fase heroica da UMinho, com todas as “dores” de montar algo novo, em dois polos e com um Governo distante.
Valeu a minha experiência e a dos professores Lloyd Braga, Barbosa Romero, Machado dos Santos e todos os que vieram de Lourenço Marques, que tinham a experiência da construção de uma universidade. Foi o fundamento para podermos construir esta instituição e sinto-me orgulhoso por ter participado neste processo.
 
Teve vários cargos na UMinho.
Nunca quis ser diretor de coisa nenhuma. Aliás, nem quando na UMinho fui presidente do Conselho Científico, diretor da Escola de Engenharia… nunca me candidatei a nada, só [aceitei] quando me convidaram e fui nomeado.
 
Concorda com a universidade matricial?
Isso foi muito discutido. A minha opinião foi sempre contrária, exceto em certos aspetos das instalações, como sucedeu nos complexos pedagógicos I, II e III, em vez de haver um edifício para cada departamento.
 
Quais são as principais questões que se colocam à universidade?
Maior ligação com a sociedade – muitas empresas portuguesas não colaboram, o marketing delas é aproximarem-se de um ministro. Por outro lado, devia haver menos centralização e burocracia. Os professores também são muito mal pagos e falta atualizar os quadros. Julgo que na “carreira” de professores do Básico e Secundário há docentes que ganham mais do que os universitários. E quanto a provas para subir na carreira, nem é bom falar. A Fenprof não gosta dos universitários porque dariam poucos votos e não só. Por outro lado, “badala-se” muito, hoje e ontem, acerca de descentralização, mas a UMinho está no “fim da linha”, muito longe dos cofres lisboetas. Por fim, acho que não faz sentido haver milhares de cursos e querer-se transformar politécnicos em universidades. Fazem-se “diversificações” com nomes bonitos, algumas vezes para atrair alunos, em prejuízo de um futuro profissional sadio. Haveria muito que dizer a respeito de tudo isto. 


Conteúdo adaptado das entrevistas a Júlio Barreiros Martins realizadas por Fátima Moura Ferreira, Maria Manuel Oliveira e Márcia Oliveira, no âmbito dos 40 anos da UMinho.