Olhar os espaços abandonados para além da ruína

23-03-2018 | Pedro Costa

Vizela (foto de João Sarmento)

Vizela (foto de João Sarmento)

Guimarães (foto de João Sarmento)

Guimarães (foto de João Sarmento)

Guimarães (foto de João Sarmento)

Barreiro (foto de João Sarmento)

Lisboa (foto de João Sarmento)

Lisboa (foto de João Sarmento)

Lisboa (foto de João Sarmento)

Lisboa (foto de João Sarmento)

João Sarmento

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Projeto "NoVOID" estuda de forma inédita as ruínas e os terrenos vagos das cidades portuguesas.




Desenvolver soluções de planeamento adequadas para os espaços urbanos abandonados e para os terrenos vagos é um dos maiores desafios do planeamento urbano. O projeto de investigação "NoVOID" teoriza o "arruinamento urbano e estuda os espaços abandonados das cidades. Estratégias adaptativas que não entendam o abandono urbano como um facto necessariamente negativo são necessárias, para que se possa tirar partido das virtualidades dos espaços abandonados. Por outro lado, pretendeu-se também refletir sobre as qualidades da "porosidade urbana", discutir até que ponto essa porosidade é compatível com a cidade compacta e investigar como essa compatibilização deve ser feita.

A Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) apoia com 158 mil euros o projeto, que iniciou em maio de 2016 e dura 36 meses. A equipa de 23 investigadores é coordenada por Eduardo Brito Henriques, do Centro de Estudos Geográficos (CEG) da Universidade de Lisboa, e cocoordenada por João Sarmento, do Departamento de Geografia e do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) da UMinho. O projeto é interdisciplinar, juntando geógrafos, arquitetos e arquitetos paisagistas. Tem como instituições parceiras o Laboratório de Paisagens, Património e Território (Lab2PT) da UMinho, o Centro de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design (CIAUD) e o Centro de Ecologia Aplicada Prof. Baeta Neves (CEAB), ambos da Universidade de Lisboa.

O "NoVOID" pretende estudar, “além das dinâmicas e padrões espaciais do arruinamento urbano, as significações socioculturais e usos sociais dos espaços abandonados, assim como o seu valor ecológico”, revela João Sarmento. As ruínas e os terrenos vagos são analisados enquanto locais privilegiados de hibridizações socionaturais, onde o tecnológico e o biológico, o humano e o não-humano interagem e se interpenetram. O projeto tem como propósito último “investigar e propor soluções de planeamento que assumam e valorizem a natureza heterotópica destes espaços e sejam alternativas às fórmulas hegemonizantes da regeneração urbana”, acrescenta o investigador.


Mais de 2100 construções em ruína e 700 terrenos vagos em Lisboa

A equipa já despendeu quase 2000 horas de trabalho na identificação, por deteção remota, dos espaços arruinados e vagos de quatro cidades - Lisboa, Barreiro, Vizela e Guimarães. O trabalho detalhado incluiu foto-interpretação, combinada com diversos tipos de imagens, disponibilizadas em acesso aberto na internet, e ainda levantamentos de campo. Segundo João Sarmento, “está concluído o inventário georreferenciado das ruínas e terrenos vacantes nas quatro cidades, reportado aos anos 2014 e 2015”.

No perímetro urbano em Lisboa foram identificadas 2173 construções em ruínas - 91.8 hectares, com quintais arruinados -, correspondendo a 1.1% da área da cidade, e 772 terrenos vacantes (336.4 hectares), que correspondem a 4% da mesma área. No Barreiro foram identificados 377 polígonos em ruínas (15 hectares), correspondendo a 2.2% da área em estudo, e 169 terrenos vacantes (194.8 hectares), que ocupam quase um terço (29.2%) do perímetro da cidade. Já em Guimarães foram identificadas 210 construções em ruínas (num total de 14 hectares), o que corresponde a 0.6% da área urbana em estudo, e 218 polígonos de terrenos vacantes (124.7 hectares), que correspondem a 5.3% daquela área. Quanto a Vizela, foram identificados 70 edifícios em ruínas (2.1 hectares), o que recobre 0.3% da área em estudo, e 139 terrenos vacantes (91,2 hectares), que correspondem a 13.4% da área avaliada.

Entretanto, desenvolveu-se também uma base de dados de caracterização dos elementos inventariados. A informação foi recolhida em trabalho de campo e cobre uma amostra aleatória de 20% dos terrenos vagos e ruínas de cada cidade, num total de 826 registos. Continuam a ser estudados 17 microcasos em detalhe, que se pretendem ilustrativos da variedade de situações, desde moradias unifamiliares e prédios coletivos, palácios e casas populares, quintas abandonadas, empreendimentos por concluir, lotes por aprovar, arrasamentos produzidos por demolições, antigas fábricas, infraestruturas ferroviárias abandonadas e equipamentos encerrados.



Estes espaços têm "papel ativo" na vida citadina

Em termos de conclusões preliminares do projeto, João Sarmento desvenda que "as ruínas e os espaços vacantes têm um papel ativo na vida das cidades". O geógrafo da UMinho acrescenta que o conhecimento dos seus usos é importante para compreender como aqueles espaços e estruturas frágeis enquadram, das mais variadas formas, a vida quotidiana nas cidades contemporâneas. Ao mesmo tempo, realça que os espaços abandonados não edificados, sejam logradouros de ruínas ou terrenos vacantes, "trazem uma mais-valia ecológica para a cidade”. Estes lugares podem reforçar a estrutura ecológica urbana, em complemento aos espaços verdes, ao contribuírem para promover e conservar a biodiversidade, a resiliência urbana e a mitigação de riscos.

Os resultados estão agora a ser aplicados em propostas de caráter permanente ou temporário nestas paisagens urbanas. A discussão de propostas foi, aliás, central no workshop realizado há dias na Escola de Arquitetura da UMinho, em Guimarães. O trabalho com estudantes de Arquitetura, Geografia, Arquitetura Paisagista e Design foi aplicado a espaços obsoletos e desocupados da cidade, sendo avançadas "soluções estratégicas programáticas, assentes na transitoriedade, na flexibilidade, versatilidade, multifuncionalidade e baixo custo”, revela João Sarmento. Construíram-se assim cenários para um espaço industrial e para um edifício de habitação unifamiliar em banda, em Vizela, e para um espaço industrial, um edifício de habitação coletiva e um loteamento, em Guimarães.