CSI. Como a genética investiga o crime na Europa

30-04-2018 | Pedro Costa

A gestora de projeto Ana Monteiro e as investigadoras Sheila Khan, Nina Amelung, Helena Machado (coordenadora principal), Rafaela Granja, Sara Matos, Marta Martins e Filipa Queirós, no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da UMinho

Helena Machado é professora catedrática do Departamento de Sociologia da UMinho

Uma imagem promocional do portal do projeto Exchange

O CECS situa-se no Instituto de Ciências Sociais da UMinho, no campus de Gualtar, em Braga

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Socióloga Helena Machado tem uma bolsa de 1.8 milhões de euros do Conselho Europeu de Investigação para o projeto Exchange - Geneticistas forenses e partilha transnacional de informação genética na UE





Helena Machado, investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) e professora do Instituto de Ciências Sociais da UMinho, propõe compreender a forma como as tecnologias genéticas atuam no âmbito da investigação criminal. O Exchange envolve cinco estudos de caso em Portugal, Polónia, Alemanha, Holanda e Reino Unido, bem como a recolha de dados empíricos nos 28 Estados-membros. Com duração de cinco anos e conclusão prevista para setembro de 2020, o projeto valeu a Helena Machado uma bolsa de consolidação (consolidator grant) do Conselho Europeu de Investigação (ERC), que é das mais importantes do continente.

O projeto interdisciplinar junta um grupo de sociólogas a estudar os impactos da partilha de dados genéticos no âmbito da cooperação policial e judiciária na União Europeia. A identificação de potenciais criminosos por via de perfis de DNA é o objeto de estudo, sabendo-se que, a partir das amostras recolhidas em contextos de crime, o cruzamento de informação entre as bases de dados nacionais pode levar à identificação desses suspeitos, que geralmente operam em diferentes países. O projeto envolve uma equipa de sociólogas que desenvolvem trabalhos de investigação em contexto de doutoramento e pós-doutoramento. A equipa propõe-se desenvolver em Portugal uma linha de investigação na área dos estudos sociais da genética forense, que teve início no Reino Unido e nos EUA.
 
Helena Machado é a investigadora responsável e realça que “este é o primeiro estudo empírico sobre a operacionalização da partilha de dados genéticos através da utilização do chamado sistema de Prüm“. O Tratado de Prüm, que atualmente envolve 24 países da UE, definiu um quadro legal que visa o desenvolvimento da cooperação entre os Estados-membros no domínio da luta contra o terrorismo, a criminalidade transfronteiriça e a imigração ilegal. No âmbito deste tratado há a obrigatoriedade dos Estados-membros partilharem de forma automatizada perfis de DNA que estão nas bases de dados nacionais de âmbito criminal, impressões digitais e registos de automóveis, sendo que “o caso do Exchange dedica-se exclusivamente ao estudo da partilha de perfis de DNA, que tem aspetos particulares que a distinguem”, refere a investigadora do CECS.
 
Em 2020, no final do projeto, garante que estará "perante um estudo completamente inovador, que permitirá refletir sobre as políticas atuais no combate ao terrorismo e à criminalidade transfronteiriça”. O Exchange irá apresentar uma avaliação dos riscos e benefícios deste tipo de cooperação policial e judiciária, nomeadamente, as questões geopolíticas que emergem destas dinâmicas, realça Helena Machado. Haverá lugar a um mapeamento das implicações éticas, políticas, operacionais e socioeconómicas, trazendo informação de interesse para diferentes grupos profissionais: autoridades policiais, magistrados e geneticistas forenses. “Temos assim como público-alvo os cientistas que produzem as tecnologias genéticas, os agentes operacionais que aplicam estas tecnologias na investigação criminal transnacional e, por fim, os políticos, que é quem toma decisões e define políticas europeias direcionadas para o combate à criminalidade e terrorismo”, reflete Helena Machado.
 
A equipa tem ido a cada um dos países da UE realizar entrevistas com profissionais responsáveis pela operacionalização do sistema de partilha de perfis de DNA. O primeiro aspeto particularmente interessante que foi apurado refere-se às importantes diferenças de atuação no que respeita à partilha de dados pessoais com interesse para a investigação criminal. A socióloga explica que "determinada recolha efetuada num cenário de crime, por exemplo, na Polónia, circula por todas as bases de dados nacionais dos países com os quais a Polónia está ligada. Pode dar um hit num outro país e será pedida informação a respeito do indivíduo com quem se deu essa coincidência de perfil genético". O tipo de dados pessoais que serão partilhados irá variar muito, consoante o país e a Lei de proteção de dados que o rege.
 
 

O terrorismo nas preocupações contemporâneas
 
A criação desta linha de investigação foi pensada no contexto das preocupações com os fenómenos da criminalidade e terrorismo, mas também tendo em consideração outras questões que se colocam na designada sociedade da vigilância. Vivemos num contexto social que se socorre cada vez mais de dispositivos tecnológicos para lidar com potenciais ameaças à segurança pública. Na Europa, algumas das grandes ameaças do ponto de vista do discurso político e policial são as redes criminais que operam do Leste para a Europa Central e do Norte, refletindo preocupações políticas com os fluxos migratórios. Recentemente, a estes processos de criminalização de grupos migrantes juntaram-se as populações de refugiados.
 
Contudo, em termos de tecnologias genéticas não está tanto em causa o terrorismo - embora o sistema de Prüm tenha surgido na sequência do “11 de Setembro” -, mas mais o cenário da integração dos países de Leste na UE. Helena Machado considera que “no contexto do uso de perfis de DNA é mais forte a perceção de risco e a insegurança que surgem da mobilidade de redes de crime organizado do que da ameaça do terrorismo”, pois há a noção de que no combate ao terrorismo serão mais úteis, por exemplo, as impressões digitais, a vigilância de aeroportos ou mesmo a tecnologia do big data aplicada à investigação policial. No entanto “no big data há um avanço muito maior nos EUA, quando se compara com a UE, onde a aplicação desse tipo de tecnologia é mais reduzida”.
 
 
 
A privacidade e a proteção de dados
 
No reverso da medalha do combate à criminalidade e terrorismo, confrontamo-nos com os riscos à cidadania e democracia suscitados pela sociedade da vigilância, que recorre a dispositivos tecnológicos cada vez mais sofisticados para proteger a segurança pública. “Questiona-se em que medida a sociedade da vigilância, sob a tónica de manter as sociedades seguras, não corre o risco de violar a privacidade dos cidadãos, ao aceder e usar indevidamente dados pessoais”, enfatiza a responsável do Exchange. Uma distinção necessária na temática da proteção da privacidade é a utilização de dados pessoais no domínio da esfera comercial ou do controlo político versus a esfera da investigação criminal. Aqui, o risco do ponto de vista ético está no facto de em alguns países - Portugal excluído - as bases de dados de DNA integrarem perfis de pessoas inocentes (ou seja, que nunca foram condenadas pelo sistema de justiça).

A investigadora cita o caso de França, que tem nas suas bases de dados perfis genéticos de pessoas que participaram em manifestações públicas legalmente autorizadas, em que a polícia considerou essa atividade como de comportamento desviante, tendo feito recolhas de saliva em manifestantes. “É questionável que os perfis genéticos dos manifestantes passem a circular nos fluxos transnacionais de partilha de bases de dados genéticos de natureza criminal”, avisa Helena Machado. O Exchange tem vários subprojetos, sendo um deles precisamente sobre a proteção de dados, onde se avalia em que medida se poderá cruzar informação de bases de dados de natureza diferente, podendo dessa prática decorrer violações da privacidade que deverão ser alvo de escrutínio público, sob pena de perda da confiança pública que deve reger todas as sociedades democráticas.


Imagem-destaque da edição da autoria de Storm Thorgerson.