O "craque" mundial das artes digitais que se lançou na UMinho

19-10-2018 | Daniel Vieira da Silva

A apresentar o seu trabalho artístico e de investigação na Conferência do SIGNAL Festival (Praga, República Checa, 2015). Foto: Dalibor Knapp

Apresentação audiovisual imersiva na cerimónia de abertura do INL Summit 2018

Espectáculo de videomapping na fachada do Theatro Circo, em Braga

Videomapping "Braga é tradição", exibido no Largo do Paço, em colaboração com o Grupo Folclórico da Universidade do Minho

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João Martinho Moura

É um talento artístico que encontra no conhecimento e na investigação a forma de potenciar a sua criatividade e os trabalhos que produz.


Ligado à Universidade do Minho há já 20 anos, João Martinho Moura, alumnus da Escola de Engenharia, encontra do trabalho conjunto com outros investigadores e artistas, um repositório de originalidade, metodologias e ideias que lhe permitem abraçar o campo das artes com sucesso. Tem trabalhos artísticos criados e exibidos em praças de cidades como Praga, Barcelona, Pequim ou Cidade do México e conta já com inúmeras colaborações com base na sua atividade de investigador, como são exemplos os trabalhos com a Agência Espacial Europeia ou, mais recentemente, com o Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL).


Licenciou-se em Tecnologias e Sistemas de Informação e obteve o grau de mestre em Tecnologia e Arte Digital pela UMinho. Recuemos… Que memórias guarda dos seus tempos de estudante?
O contacto com colegas e professores, o convívio académico, as longas noites passadas a estudar. As apresentações de trabalho nas várias disciplinas. As aulas, os intervalos das aulas e as amizades que fiz e que duram até hoje. As viagens a conferências internacionais. A ligação que iniciei e mantenho com os meus estimados docentes.

Porquê a escolha do curso?
Há cerca de 20 anos, ainda adolescente, tive uma formação em multimédia e cheguei a trabalhar na Escola das Artes da Católica do Porto. Tinha 18 anos e contrataram-me na altura para fazer aplicações multimédia. Gostava de tudo o que estava relacionado com as artes digitais. Mas há duas décadas não havia ofertas formativas fortes mais híbridas abordando as artes e a tecnologia como hoje. Ou escolheríamos as artes ou as ciências e engenharias, existiam fronteiras claras entre essas duas áreas de conhecimento, mas eu gostava das duas áreas. Os meus conhecimentos para programar software não eram fortes como gostaria, especialmente na área da computação gráfica. Por isso, optei pela UMinho para aprender programação.

Porquê a UMinho?
Porque era, de facto, a instituição ideal para aprender computação. Iniciei Matemática e Ciências da Computação, em Braga, para ter bases muito sólidas de algoritmia e código, e tive excelentes professores, com os quais me relacionei muito bem. A meio desse percurso, e após ter efetuado as unidades de programação (onde era excelente aluno) e de saber bem código na ponta dos dedos, optei por finalizar o curso de Tecnologias e Sistemas de Informação da UMinho, em Guimarães, que abriu claramente o meu espectro sobre aplicação de tecnologia da computação aos dados, informação e conhecimento. Dediquei-me às áreas da visualização de informação, continuando na computação gráfica, mas desta vez muito relacionada com a representação de dados aplicando tecnologias de interfaces avançadas. O meu desejo inicial pelas artes materializou-se quando, depois da licenciatura, me candidatei à primeira edição do mestrado em Tecnologia e Arte Digital da UMinho, onde, de facto, me senti como um peixe dentro de água. Foi aqui que realmente comecei a minha atividade de produção artística, que continua até aos dias de hoje. Lembro-me que no primeiro ano do mestrado já exibia trabalhos de media art interativa em várias cidades em múltiplas partes do mundo.

Sente que viveu com intensidade a academia nos seus tempos de estudante?
Vivi com a intensidade que pude... No segundo ano de estudos comecei a trabalhar, na UMinho, em vários projetos de investigação, por isso sempre fui trabalhador estudante, o que me impediu, por vezes, de viver a academia em pleno. Durante o mestrado tive a oportunidade de publicar vários artigos em conferências internacionais, o que me possibilitou conhecer várias universidades no mundo.

Já antevia o seu futuro profissional naquela altura? O gosto pelas artes digitais nasceu quando?
De certa maneira sim. Desde adolescente que tenho estado envolvido nas artes, nomeadamente música, onde aprendi piano e também clarinete numa banda filarmónica durante vários anos. A arte digital veio no seguimento do meu interesse por imagens em movimento, algoritmos visuais, de fazer gráficos ou sonoridades através de códigos. Hoje, a media art está mais consolidada. Mas nos meus tempos de estudante o termo ainda não era comum. A própria curadoria em media art estava a dar os primeiros passos, especialmente em Portugal. Só que como estava com excelentes professores, incentivaram-me a publicar a investigação em várias conferências importantes e isso permitiu-me o contacto direto com o estado de arte na área, conhecendo importantes artistas e investigadores de várias universidades.

Considera que esta passagem pela UMinho moldou a sua personalidade e, por conseguinte, a sua abordagem artística/profissional?
Foi fundamental para o meu desenvolvimento, a todos os níveis, tanto pelo que aprendi como pelas pessoas que encontrei e as oportunidades e desafios com os quais me deparei. Hoje trabalho imenso com a UMinho, quer ao nível artístico quer a níveis mais científicos. Mantenho relações de amizade com muitos professores que me apoiaram no percurso académico e aos quais estou imensamente agradecido.

Desde que saiu da UMinho, qual foi o seu percurso artístico e profissional?
Os meus percursos profissional e artístico foram iniciados enquanto estudava e trabalhava na UMinho. Na altura fiz vários trabalhos como freelancer, estive envolvido em projetos que me fascinaram, dentro da universidade e também no seu Centro de Computação Gráfica. Existiu um trabalho que fiz, em 2007, enquanto estudante de mestrado, que foi incluído na curated collection de uma das mais importantes plataformas de programação criativa do mundo, a Processing, que estava a ser desenvolvida pelos artistas e investigadores Casey Reas e Ben Fry, no MIT Media Lab, nos EUA. Foi o primeiro trabalho português com esse reconhecimento. Eles contactaram-me a pedir que esse trabalho, que desenvolvi na UMinho, chamado YMYI, pudesse ser referenciado lá, como um bom exemplo em media art, com recurso a tecnologia interativa. Nesse mesmo ano recebi imensas solicitações para exibições em galerias, museus, festivais, conferências em vários países. A partir de 2008 continuei o desenvolvimento, mas em maior escala, decidi criar o meu estúdio. Optei por propor a cidades a colocação de peças interativas da minha autoria nos seus centros históricos, ao ar livre, fora dos museus. Algumas apresentações envolveram construção de várias estruturas de grande dimensão, como no centro histórico da Cidade do México e no centro de Praga, na República Checa, à beira do rio, ou em edifícios de grande dimensão, como em Beijing, na China, no átrio do World Financial Center. Dessas exibições públicas, que correram muito bem, nasceram mais solicitações. Em determinada altura da minha atividade artística comecei a colaborar com outros artistas, na área performativa, como a coreógrafa Né Barros e o artista Adolfo Luxúria Canibal. Apresentamos vários projetos de media art na Capital Europeia da Cultura em 2012, em Guimarães. Hoje em dia tento selecionar as oportunidades de exibição que me são solicitadas, planeio projetos a meses ou até anos de distância.

 

João Martinho Moura - Media Art Exhibitions from Joao Martinho Moura on Vimeo.


Recebeu dezenas de prémios e reconhecimentos. Qual é aquele que mais significa para si? Porquê?
Neste momento, o reconhecimento que me foi atribuído pela Comissão Europeia, no âmbito do projeto europeu STARTS, que seleciona artistas para trabalhar em projetos de arte-ciência em várias instituições científicas apoiadas pelo programa Horizonte 2020. Eu escolhi o INL para desenvolver o projeto com a bolsa que me foi atribuída. Fui o primeiro português laureado e sinto-me imensamente orgulhoso por isso. Mas recordo com muita felicidade o Prémio Multimédia Arte e Cultura que recebi em Lisboa, em 2013, a partir de um trabalho de grande escala que desenvolvi na cidade de Braga, chamado B/Side, em 2012. Este trabalho surgiu na sequência de uma investigação que fiz na UMinho, no YMYI, que foi também premiado e apresentado em vários países, e que deu origem a várias publicações científicas. A escolha do meu trabalho Super Collider Shape para uma seleção de curadoria em imagem em movimento da ARS ELECTRONICA, na cidade de Linz, na Áustria, em 2013, foi outro momento de reconhecimento que me marcou muito.

O seu trabalho já chegou a dezenas de países do mundo. Como um português vive esta internacionalização da sua arte?
É muito bom ser reconhecido e sinto que todo o trabalho e desafios que me solicitam são cada vez mais de alta responsabilidade. Ultrapassar fronteiras é sempre muito difícil, especialmente no campo das artes, e é um desafio muito grande para qualquer artista português ter uma carreira internacional. Pauto a minha atividade no foco e na especialização, que contribuiu para a definição da minha linha artística. Faço investigação constante, todos os dias. Existiram anos em que fazia muitas exibições seguidas, o que envolvia muitas viagens, e questões de logística de montagem de exposição muito complexas. Confesso que esta componente é imensamente desgastante, envolvendo múltiplas viagens longas e um planeamento rigoroso, assim como controlo de custos de produção. Mas depois, quando a peça, ou trabalho artístico, é apresentada(o), fico mais descansado e aí tenho a oportunidade de conhecer pessoas de diferentes culturas, com as quais tenho imenso prazer de conversar, e de falar de Portugal - e de Braga, a minha cidade.

Foi consultor na definição de Braga, cidade criativa da UNESCO para as Media Arts. O que acha que pode mudar na cidade a partir daqui?
Sim, participei ativamente, como consultor e enquanto artista da cidade, durante cerca de dois anos, nas várias reuniões de planeamento da candidatura de Braga a cidade criativa da UNESCO para as Media Arts e foi com enorme satisfação que, no dia 31 de outubro de 2017, soube que o título foi atribuído pela UNESCO. Braga pode tornar-se num foco mundial para as media arts, atraindo talento e iniciativas que têm o potencial de a tornar numa cidade modelo neste âmbito.

Continua como investigador no engageLab. É a necessidade de uma constante aprendizagem que o guia?
Neste campo profissional e artístico, é essencial a interação com investigadores da mesma área, de modo a manter-me em contacto com o que se passa na minha área de conhecimento e, também, de dar o meu contributo de investigação para o estado de arte. O facto de poder continuar a investigar permite-me uma dinâmica essencial para o meu desenvolvimento, ao nível artístico e técnico. Permite-me também contactar estudantes e colaborar com eles. Não faço muita distinção entre o perfil de investigador e artista. Ambos procuram a originalidade, ambos despoletam uma necessidade constante de descoberta.

Foi responsável pelo desenvolvimento de sistemas interativos para projetos e missões da Agência Espacial Europeia (ESA). Quer-nos explicar em concreto que tipo de soluções/sistemas são essas e que aplicações tem?
Desenvolvi imenso trabalho para a ESA desde 2014. Trabalhei em projetos relacionados com visualização de informação, especialmente para a missão espacial Rosetta, para a qual criei visualizações interativas que permitiam a todo o público obter informações sobre a sonda, a sua posição, a distância ao cometa, as manobras de voo que fez no espaço, a mais de 500 milhões de quilómetros da Terra. Exigiu muito profissionalismo da minha parte, pois estava a trabalhar com cientistas de topo. Trabalhei com uma equipa vasta, onde também estavam portugueses, e coube-me a a responsabilidade de construir software interativo que representava, em ambiente virtual, a viagem da sonda Rosetta, que demorou dez anos a chegar ao cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko. Quando a sonda chegou ao cometa, milhares de pessoas acompanharam as suas manobras através do software interativo que desenvolvi, que estava ligado aos dados que eram enviados pela missão. Foi um momento verdadeiramente fascinante a todos os níveis. Criei também a música que era apresentada nas peças de visualização. Eu gosto muito do espaço e da exploração espacial, que despoleta fascínio e descoberta sobre a origem da Terra e da humanidade.

Prefere ser conhecido como o artista ou o investigador/professor João Martinho Moura?
Como João Martinho Moura.

Qual é o trabalho de que mais se orgulha?
É uma questão tendenciosa. Um artista tem sempre uma ligação muito forte ao trabalho que está a fazer no momento. Estou a gostar muito do trabalho no INL, como artista convidado, onde crio peças relacionadas com a nano-escala e colaboro com vários investigadores. Orgulho-me muito da peça interativa Wide/Side, que apresentei em grande escala em grandes cidades como a Cidade do México, Praga, Beijing e Barcelona. Como foi implantada em centros históricos dessas cidades, teve imenso público que as foi ver. E foi interessante, do ponto de vista do criador, ver as diferentes abordagens que pessoas de diferentes países e culturas fazem à peça.

Quando ouve falar de UMinho, que sentimento lhe vem à cabeça?
Pertença, claramente.

Sente-se concretizado com o que faz?
Não concretizado, mas sempre em evolução, a caminho de... penso sempre que posso aprender mais, e ensinar mais também.

Deixa algum conselho para quem está ou vai chegar à UMinho?
Foco, acho importante. Apesar de todas as distrações naturais da vida, nos estudos o foco é essencial.


Todo o trabalho de João Martinho Moura pode ser consultado no seu website.