Os desafios na saúde e a (in)visibilidade dos cuidados de enfermagem

31-01-2019

João Cainé

Os cuidados de enfermagem têm um papel central e necessitam de um enquadramento institucional, politico e financeiro que os promova e valorize.


São muitos e complexos os desafios relacionados com os cuidados de saúde. A sustentabilidade do sistema no contexto do envelhecimento da população – em consequência, uma maior prevalência da doença crónica e dos cuidados de longo termo – requer soluções inovadoras que respondam às necessidades e expetativas dos cidadãos e, simultaneamente, que consigam conter a pressão do aumento dos custos associados.

A enfermagem tem-se afirmado como profissão charneira na organização dos cuidados de saúde prestados às populações. Apesar de sofrer ainda algum estigma social e de ser olhada como uma profissão menor numa realidade cultural onde falar de saúde é falar de doença e falar de cuidados de saúde é falar de cuidados médicos, as atuais alterações demográficas traduzem-se em necessidades em saúde mais sensíveis a respostas terapêuticas relacionadas com os cuidados de enfermagem. Será sempre politicamente mais interessante o investimento em alta tecnologia que suporte um determinado tipo de tratamento, independentemente da dimensão do seu impacto na população, do que promover cuidados de longo prazo, cujos resultados são lentos e mais centrados na qualidade de vida e na promoção de comportamentos de saúde.

Os cuidados de enfermagem nunca foram mediáticos no sentido de serem menos visíveis no contexto da doença aguda e dos resultados imediatos. O seu foco não está centrado na doença enquanto conceito médico, mas sim nos processos de lidar com ela. Ensinar e acompanhar um cuidador informal no desenvolvimento de competências para lidar com um familiar com dependência cognitiva ou funcional, ajudar uma pessoa a aprender a lidar com a sua doença e as suas limitações adquirindo habilidades que favoreçam uma gestão eficaz e autónoma do seu regime terapêutico, auxiliar os pais a desenvolverem competências parentais no cuidado ao seu filho recém-nascido ou a lidar com um filho diabético são exemplos de realidades de cuidados de saúde mais ocultas, porque assentam em processos de cuidados necessariamente mais lentos e de resultados demorados, apesar de muito eficazes na perspetiva do bem-estar dessas pessoas. Nesta realidade, os cuidados de enfermagem têm um papel central e para a qual necessitam de um enquadramento institucional, politico e financeiro que promova e valorize o seu exercício.

Paradoxalmente, a crise económica e financeira dos últimos anos promoveu profundos debates e reflexões sobre o modelo de financiamento do Sistema Nacional de Saúde. Ao modelo atual baseado no custo associado ao volume de cuidados contrapõe-se, como solução, os cuidados de saúde baseados em valor, privilegiando os resultados para a saúde obtidos por esses cuidados. Isto significa que passamos a dar valor aos resultados em saúde relevantes para a pessoa doente e família no contexto de uma redução de custos para obter esse mesmo resultado.

É um modelo centrado no doente e nos resultados em saúde. Tomemos como exemplo uma consulta médica ou de enfermagem. O que passa a ser relevante não é o volume de consultas, mas os ganhos em saúde efetivos para as pessoas que delas necessitaram. Isto requer uma redefinição dos indicadores que medem estes resultados e – não tenho dúvidas – muitos deles tenderão a dar mais visibilidade aos cuidados de enfermagem enquanto promotores da capacitação e resiliência dos cidadãos em lidar com os seus problemas de saúde. As necessidades em saúde das populações ultrapassam em muito a dimensão da doença em si mesma, pelo que dimensões como a dependência associada à limitação física e cognitiva, uma autogestão eficaz da condição de saúde ou o exercício de papeis associados à saúde e ao desenvolvimento humano tenderão a ser mais valorizados.


Professor da Escola Superior de Enfermagem da Universidade do Minho