“Estou sempre a lutar contra o vazio”

18-02-2019 | Pedro Costa

Leandro Almeida em 1965

Os seus pais

Boletim de matrícula do seminário

Vivências como seminarista

Momentos de amizade na juventude

Na Universidade de Yale, nos EUA

Em Oxford, no Reino Unido

Em Paris, França

Em Liége, na Bélgica

Com colegas de doutoramento no Porto

A intervir no Seminário "A Psicologia nos Serviços de Saúde", em Lisboa, em 1989

Provas de agregação na UMinho, em 1994

No V Encontro Mineiro de Avaliação Psicológica e VII Conferência Internacional de Avaliação Psicológica, em Belo Horizonte, no Brasil, em 2000

Com alunos de mestrado em Maputo, Moçambique

A tomar posse como presidente do Instituto de Educação da UMinho, no Largo do Paço, em 2010

Caminhada a Santiago de Compostela, na Galiza, Espanha

Num momento familiar, entretido com os três netos

1 / 19

Leandro S. Almeida, professor catedrático do Instituto de Educação, recebe hoje o Prémio de Mérito Científico da Universidade do Minho.




Leandro da Silva Almeida nasceu há 64 anos na freguesia de Medas, em Gondomar e é professor catedrático de Psicologia da Educação no Instituto de Educação (IE) da UMinho. Admirador da natureza e da beleza das pedras e fósseis, confessa não poder abrir mão dos seus tempos livres, sempre muito preenchidos desde tenra idade. Licenciado em Psicologia na Universidade do Porto (UP), em 1980, evoluiu na academia realizando estágios na Universidade de Yale (EUA) e na Universidade Católica de Lovaina (Bélgica). Pelo meio, entre outras atividades paralelas, fundou e presidiu uma associação de psicólogos portugueses. Iniciou a atividade docente em 1978 na UP, doutorou-se em Psicologia em 1987 e ingressou na UMinho em 1988, tendo aqui prestado provas de agregação em 1994 e exercido cargos de vice-presidente do Conselho Académico, vice-reitor e presidente do IE.

Leandro Almeida leciona disciplinas nos domínios da cognição e aprendizagem e da metodologia de investigação. Orientou cinco dezenas de teses de doutoramento, sendo autor ou coautor de mais de cinco centenas de trabalhos, entre livros, capítulos, artigos e textos em atas. É ainda (co)autor de alguns manuais e de provas para a avaliação psicológica nas áreas da inteligência e da aprendizagem usados em Portugal e noutros países de língua portuguesa e espanhola. Nos últimos anos tem desenvolvido estudos sobre a adaptação e sucesso dos estudantes no ensino superior, coordenando o ObservatoriUM – Observatório dos Percursos Académicos dos Estudantes da UMinho. Integra o conselho editorial de várias revistas e é membro de diversas associações científicas nacionais e internacionais. Preside ao Conselho de Especialidade de Psicologia da Educação da Ordem dos Psicólogos Portugueses. Integrou o Conselho Científico do Instituto de Inovação Educacional (Ministério da Educação), e foi membro do Conselho Nacional de Educação.



Como foi a sua infância em Gondomar?
A freguesia de Medas, embora esteja a 20 quilómetros do Porto, tem características de alguma ruralidade. Isto apesar de estar lá instalada a Central Térmica da Tapada do Outeiro, que trouxe alguma industrialização, inclusive o meu pai deixou a agricultura e foi para lá trabalhar como auxiliar de armazém. Éramos uma família muito unida, com nove irmãos, um ambiente simples, com a minha mãe muito dedicada à casa. Como acontecia com alguma frequência nas famílias católicas e pobres, sendo o primeiro filho, entrei aos 11 anos no Seminário dos Capuchinhos, em Gondomar.

A sua primeira grande experiência...
Sim, recordo o dia em que entrei, ficou tudo em casa a chorar. O meu pai deixou-me com o diretor e eu fiquei ali, sozinho... logo encaminhado para o campo de futebol e a jogar a bola. Senti muitas saudades de casa, isto marcou muito a minha infância, muito marcada por uma forma de estar de “fuga ao vazio”. Procurava muitas atividades para ocupar o meu tempo, para ter a cabeça ocupada e para não sentir saudades dos meus irmãos.

Quais eram as brincadeiras mais comuns?
Jogávamos o pião, o arco, a bola, o botão. Eram atividades populares, baratas e facilmente aprendidas por todos. Por vezes, arriscávamos uns jogos com palavras; por exemplo, nomes de peixes começados por determinada letra. Mas isso já era mais erudito e muitos colegas não estavam para aí virados. [risos]

Mantem amigos dessas épocas?
Sim, principalmente do seminário, mas também da infância. Quando vou à freguesia de Medas tenho lá vários colegas, vamos fazendo convívios. Como eu toco guitarra e “arranho” no cavaquinho, vamos fazendo uns convívios agradáveis.

É um homem enraizado.
Sim, sinto-me português e bastante mais identificado com o Norte. Por vezes, sinto que vou demasiadas vezes a Lisboa. [risos] Gosto muito do Norte, das pessoas daqui, da nossa gastronomia, tenho alguma preferência pelos tons de azul, mas não sou de sangue azul. [sorriso] Gosto de conhecer outros lugares, mas de passagem. Gosto muito de cá estar.

Há tempo para viver, além de uma carreira académica de topo?
Eu preciso desse tempo livre. Necessito mesmo desses momentos, de fugir ao vazio. Por exemplo, eu gosto de calhaus – sendo eu das humanidades – e tenho um gosto enorme em escolher uns granitos e tenho uma coleção. Eu era da região das minas de carvão e tenho alguns fósseis. Ainda hoje digo ao meu neto mais velho que ele tem ali um tesouro, com uma história enorme que ali está, mas ele tem a tentação do iPad. Também gosto de caminhar, por vezes vou a Santiago de Compostela. São coisas que gosto de fazer, porque preciso de sair do contexto de trabalho, para ter novas ideias, para reencontrar enredo para determinado artigo. Faz-me mesmo falta e ajuda-me a encontrar insights novos.

 


A inevitável carreira das humanidades
 
Quando começou a sentir apetência pelas humanidades?
A minha chegada à universidade via seminário deixou a sua influência. Quando entrei no ensino superior tinha uma forte formação humanista. Por vezes, até penso no que eu teria sido se tivesse uma formação mais forte de Inglês, de Matemática ou até de Francês em vez do Latim ou do Grego. Este percurso marcou-me na forma de estar, na dedicação ao estudo e à escrita. Eu era um aluno até com uma média bastante alta, mas a Estatística fi-la com um 12, o Inglês também "chegou a dar-me" um 6, que depois melhorei, mas foram de facto as notas mais baixas naquela fase inicial da licenciatura. Depois tive que evoluir. Desenvolvi o Inglês, que ainda hoje não é tão fluído quando desejaria, mas permite-me trabalhar facilmente na leitura. Na Estatística sim, evolui bastante; aliás, parte das minhas redes de investigação nacionais e internacionais nasceram de uma apetência que desenvolvi no manuseio da análise quantitativa de dados.
 
E o caminho da Psicologia, quando surgiu e porquê?
Na altura era um curso novo e começou no Porto sem estar formalizado pelo Ministério. Até teve alguns problemas no início por causa disso. Quando cheguei à Filosofia, disseram-me que eu podia ingressar na Psicologia e essa ideia entusiasmou-me logo. A minha formação humanista, a vontade que sempre tive de trabalhar com pessoas, de estar e trabalhar com grupos, apoiar pessoas a questionar os seus problemas e o seu futuro levou-me a esta escolha natural.
 
Porquê a academia e não o “consultório”?
Desde muito cedo percebi que a Psicologia Clínica não iria ser o meu caminho. Nunca tive muita apetência e sentia mesmo muita dificuldade em encarar essas experiências de consulta. Tive algumas experiências, como um estágio voluntário no fim do curso num hospital psiquiátrico mais aberto, onde provei a mim mesmo que poderia lá passar todas as manhãs da semana, mas não era definitivamente a minha área de eleição. Identifiquei-me mais pela Psicologia da Educação, por onde enveredei.
 
Até que ponto estudar e estagiar no exterior foi determinante?
Foram escolhas estratégicas. Comecei por trabalhar a inteligência e o raciocínio, as opções vocacionais, as dificuldades de aprendizagem e os fatores cognitivos. Por isso, na Bélgica encontrei o autor de uma bateria de testes – com quem tive uma relação excelente –, onde me apercebi do fundamento teórico da prova, da sua diferenciação face a outros testes e daquilo que com ela se podia fazer em termos de prática profissional e investigação. Nos EUA, em Yale, o trabalho foi mais na fundamentação do conceito de inteligência. Nesta área, eu tinha uma minha formação mais tradicional e, nos EUA, havia um referencial teórico mais atual, onde a inteligência aparecia entendida como resolução de problemas e aprendizagem. Tive ainda uma passagem breve pela Universidade René Descartes [França], por causa do uso dos testes na orientação vocacional e pelo St Patrick's College of Education, em Dublin [Irlanda], onde fiz o tratamento estatístico dos dados do meu doutoramento. Tudo isto, que aconteceu entre o meu mestrado e o doutoramento, permitiu-me consolidar o instrumento de avaliação da parte empírica do doutoramento e também a fundamentação teórica que eu queria...
 
Isso marcou definitivamente o seu percurso.
Sim. De facto, o meu percurso foi muito dedicado a estas questões da inteligência e habilidades cognitivas, à sua avaliação e, mais tarde, à criação de programas de desenvolvimento dessas habilidades em contexto escolar. Este ponto pode ser um conselho para os mais novos. Penso que o meu currículo tem alguma visibilidade em termos de citações pelo facto de eu ter conseguido produções – como manuais e testes psicológicos – que são amplamente utilizadas por pessoas que querem investigar nesta área. Isto dá um reconhecimento enorme e gera muitos convites interessantes para participar em congressos ou para ser coautor de pesquisas.
 
Mas o número de produções é impressionante. Como se consegue?
Eu tive a sorte de ter pessoas que acreditaram em mim, que foram muito desafiantes e assim dá gosto trabalhar. Algumas não acreditaram tanto e obrigaram-me a "dar à perna" para lhes mostrar o contrário. [risos] Depois, apareceram os mais jovens que quiseram fazer os seus doutoramentos comigo e as suas carreiras, sendo verdadeiros coautores de muitas das minhas publicações. Hoje, os jovens não têm tantas possibilidades como as que nós tínhamos e que eu próprio tive. A isso junto um gosto enorme que tenho em trabalhar, de ajudar e ser ajudado na produção científica. Lembro-me do primeiro artigo publicado, em 1982, de autoria única, um desafio enorme... e foi por aí, com esse sucesso, que a vontade de fazer cada vez mais foi crescendo.
 


Ensinar, investigar e gerir em 30 anos da UMinho

Como chegou à UMinho?
Eu estava na UP há 10 anos e tinha algumas dificuldades, que eram mais ou menos conhecidas pelos colegas. Pensei em sair, ainda pensei em ir para Aveiro, onde estive a colaborar cerca de um ano, mas depois surgiu a UMinho através de alguns colegas, que me contactaram com a ideia de reforçar o grupo de Psicologia e criar-se uma licenciatura em Psicologia. Na altura coloquei apenas uma condição: perguntarem a todos os colegas se aceitavam que eu viesse, para não suceder como em Aveiro. Todos concordaram com a minha vinda. Na assinatura do contrato, houve algo curioso que eu não esperava. O contrato era assinado com na Reitoria e o sr. reitor fez-me uma pergunta: “Caro professor, sei que tem andado muito pelo país, fundou uma associação de psicólogos portugueses, a que preside – e acho muito bem –, mas eu queria que viesse para cá para dar aulas”! É claro que assumi imediatamente o compromisso e foi essa a ideia que me levou a vir residir para Braga logo no ano seguinte, trazendo a família. A partir daí, o envolvimento com a UMinho foi cada vez maior.

Desempenhou vários cargos de gestão. Como surgiram esses capítulos no seu caminho?
Sempre senti que, estando numa instituição, devo estar disponível. Aliás, a minha saída do Porto também aconteceu por não me sentir totalmente realizado, pois havia projetos sem possibilidade de serem concretizados, por várias razões. Por isso, vim para um contexto mais aberto, de maior crescimento e liberdade. Em relação à academia, sempre senti disponibilidade e encontrei pessoas que acreditaram em mim, e que me proporcionaram essas experiências de gestão. Quer no Conselho Académico, quer no Instituto da Educação, quer depois na Reitoria, senti que consegui ajudar através dessa minha característica de colocar as pessoas a colaborar e a trabalhar em grupo. Penso que consigo criar aproximações, criar sinergias e, em alguns dos momentos, acredito que isso justificou a minha escolha para os cargos.

O que significa para si a sua universidade atribuir-lhe um Prémio de Mérito Científico?
Não me sinto muito confortável com essas distinções. Trabalho porque gosto muito do que faço e isso me entusiasma e reforça bastante. Confesso que, quando recebi a notícia da distinção, fiquei um pouco aflito: “Eh pá! Como é que eu vou comportar-me? Como é que aquilo vai ser? Que é que eu terei que dizer?".Não sei claramente porque me distinguem, mas presumo que seja um reconhecimento da Reitoria pelo meu percurso nas várias vertentes, principalmente no ensino e na investigação. Será também pelo meu contributo em funções de gestão académica. Entendo este reconhecimento como incentivo para continuar disponível para o meu Instituto e para a própria Universidade do Minho. Claro que estas distinções são sempre positivas, mas não tenho a pretensão de ser um exemplo. Tenho coisas positivas e outras negativas, mas espero que as coisas boas possam estimular os mais novos.

Onde se vê daqui a dez anos?
Essa é uma das perguntas difíceis para quem gosta de trabalhar, tendo saúde e tendo este suporte científico, social e familiar à minha volta. Neste momento estou muito ativo, estou a mobilizar colegas do Instituto para dirigirmos esta escola, ainda não comecei a pensar que aos 70 anos tenho mesmo que sair. Portanto daqui a dez anos não estarei cá seguramente, mas existirá disponibilidade para colaborar com a minha universidade. Atualmente, tenho um ambiente familiar favorável, com três netos e já prometi à minha filha que lhes darei uma atenção que por vezes não lha dispensei na sua infância e adolescência. E assim será! [sorriso]