Paulo Lourenço recebe bolsa milionária do Conselho Europeu de Investigação

29-03-2019 | Nuno Passos

O Instituto para a Bio-Sustentabilidade (IB-S), no campus de Azurém, em Guimarães

Ensaio à escala real no IB-S

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O professor catedrático de Engenharia Civil tem 3 milhões de euros para criar até 2024 uma nova abordagem para avaliar a segurança do património cultural construído, quando submetido a sismos.




O professor do Departamento de Engenharia Civil da Escola de Engenharia da UMinho (EEUM), além de codiretor do Instituto para a Sustentabilidade e Inovação em Engenharia de Estruturas (ISISE) e Instituto para a Bio-Sustentabilidade (IB-S), vai desenvolver uma metodologia integrada experimental e numérica para descrever de forma precisa o comportamento estrutural dos edifícios históricos. O património construído é um ambiente humanizado que resulta da civilização e define o tecido das cidades, pelo que tem enorme relevância societal na segurança e qualidade de vida das populações. A necessidade de mitigar o risco sísmico do património histórico é evidente, nomeadamente em Portugal.

O projeto de Paulo Lourenço irá gerar "novos modelos integrados estocásticos" para considerar o sinal sísmico na resposta dinâmica e na capacidade dos edifícios, um conjunto único de dados sobre a resposta dinâmica avaliados com recurso a um extenso programa de ensaios em mesa sísmica, ferramentas numéricas e analíticas integradas para avaliação da segurança e nova regulamentação para salvaguarda dos edifícios históricos, em termos de colapso e limitação do dano. Está ainda previsto um grande equipamento moderno para instalar no IB-S, que é um novo instituto de ciência e inovação da UMinho.
 
“Esta bolsa irá contribuir para a resolução de um problema societal, ligado à agenda 2030 das Nações Unidas para cidades seguras, resilientes e sustentáveis, e para preservar a nossa identidade através da conservação do património histórico", diz Paulo Lourenço. "É também o reconhecimento do ISISE como referência internacional, não apenas na engenharia civil, mas na grande área da física e engenharia, onde o projeto concorreu", realça o investigador. O ISISE combina conhecimento avançado e impacto científico com a ligação às empresas e à sociedade civil, o que permite responder aos desafios das sociedades baseadas no conhecimento, mas também atrair os melhores estudantes internacionais para Guimarães, nota. "Apesar de o projeto distinguido com a bolsa ser individual, isso não seria possível sem a equipa que me tem apoiado incondicionalmente nos últimos 20 anos e a quem sinceramente agradeço”, vinca.



As bolsas mais prestigiadas e competitivas da Europa

As bolsas do Conselho Europeu de Investigação (ERC) são as mais prestigiadas e competitivas da Europa. São projetos científicos individuais cuja seleção é fundamentada, em 50%, no currículo do investigador (deve estar no topo dos que trabalham na Europa) e, em 50%, na excelência do projeto a executar, o seu grau de risco e a abordagem radicalmente inovadora, e nas fronteiras da ciência. Paulo Lourenço obteve uma Advanced Grant (AdG), destinada a investigadores ativos que sejam líderes em termos de originalidade e significado de contribuições científicas nos últimos dez anos. Neste concurso de 2019 Portugal obteve apenas duas bolsas AdG. A UMinho já conseguiu nos diversos concursos oito bolsas do ERC, sendo três bolsas avançadas para cientistas estabelecidos (AdG), três de consolidação de carreira (CoG) e duas de iniciação de carreira (StG).

Paulo Lourenço nasceu há 52 anos no Porto, onde vive. É professor catedrático desde 2006. Possui experiência nas áreas de ensaios não destrutivos, técnicas experimentais e numéricas avançadas, técnicas de reparação e reforço inovadoras, e engenharia sísmica. É especialista em conservação estrutural e engenharia forense, tendo trabalhado em mais de cem monumentos, tais como Palácio de Belém, Mosteiro dos Jerónimos ou Catedral do Porto, incluindo países como Reino Unido, Itália, Brasil, Butão, Índia, Peru ou Nova Zelândia e, ainda, sete locais do Património Mundial da UNESCO. É coordenador do mestrado europeu em Análise Estrutural de Monumentos e Construções Históricas (SAHC) desde 2007, com cerca de 400 antigos alunos de 70 países e Prémio Europa Nostra em 2017. É coeditor do International Journal of Architectural Heritage. Supervisionou mais de 50 teses de doutoramento e é autor de mais de 1300 publicações científicas.
 

 

Três perguntas a Paulo Lourenço
 
Considera que a Universidade do Minho é uma referência mundial nesta área?
De outra forma seria impossível receber uma bolsa avançada ERC. O grupo que coordeno na área dos monumentos e construções antigas é o maior nesta área do conhecimento, com atração continuada de alunos estrangeiros e uma rede internacional ampla. O Google Académico indica 16 mil citações para as nossas publicações e o portal ResearchGate apresenta mais de 220 mil leituras dessas publicações, o que torna claro o reconhecimento e interesse da comunidade científica pelo nosso trabalho. Também é de salientar os repetidos convites para a participação como conferencista plenário nas principais conferências da área. Mas talvez o que mais nos orgulhe é a quantidade e qualidade dos nossos alumni, presentes em instituições do ensino de referência, como o MIT (EUA), a Universidade Técnica de Delft (Holanda) ou o Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (Suíça) e em grandes empresas, como a Arup ou Cowi.
 
Em que outros projetos de relevo está envolvido neste momento?
O ISISE está envolvido num conjunto impressionante de projetos de excelência. Talvez selecionasse três muito diversos. O mestrado europeu SAHC, que foi apoiado uma década pela Comissão Europeia com cerca de quatro milhões de euros e é atualmente apoiado pela Fundação Millennium bcp. A capacidade que temos a atrair alunos das melhores universidades do país e do mundo (como Princeton, Columbia, Berkeley, Califórnia em Los Angeles ou Texas em Austin, nos EUA) para este cantinho da Europa é extraordinária. Este sucesso permitiu ainda criar um mestrado internacional (sobre o tópico atualmente mais importante na construção, a transformação digital e Building Information Modeling), que vai ser certamente outro grande sucesso. O segundo projeto é o ETN ATHOR, sobre revestimentos refratários, que inclui empresas internacionais de topo, como RHI-Magnesita, Saint Gobain ou Tata Steel e atribui um financiamento de quase um milhão de euros para a UMinho, o que nos faz sair da nossa área de conforto e obriga a repensar as ferramentas que dispomos numa nova e excitante área do conhecimento. O terceiro projeto é a consultoria técnica à Presidência da República sobre o Palácio de Belém, em fase de conclusão, no qual fazemos a ligação entre a investigação e a engenharia aplicada. A nossa atividade de transferência de conhecimento e a prestação de serviços especializados permite alimentar o nosso sonho de juntar investigação de topo com engenharia ao mais alto nível, mobilizando fortemente o grupo e atraindo excelentes alunos.
 
Qual é a sua opinião sobre o financiamento da investigação científica?
Os números não mentem: a percentagem do PIB gasto em I&D em Portugal é quase metade da OCDE. A Comissão Europeia classifica o nosso país com baixo desempenho em investigação e inovação na Europa. O subfinanciamento crónico do ensino superior em Portugal é inexplicável, o que limita nomeadamente exercícios estratégicos das instituições. Acresce o envelhecimento da classe dos docentes universitários e as políticas de promoção de mérito praticamente inexistentes. No Horizonte 2020, Portugal terá deixado de ser contribuinte líquido para os programas europeus de inovação e ciência, mas temos que fazer muito melhor. A este cenário pouco animador, é possível contrapor também resultados excecionais. O ISISE tem à disposição um financiamento considerável (cerca de quatro milhões de euros por ano), com enorme diversidade de proveniências (indústria nacional e internacional, FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Agência Nacional de Inovação e Comissão Europeia). Isso é essencial para responder a alterações nos organismos financiadores, sendo que financiamentos não consignados possuem uma importância capital, pois permitem exercícios estratégicos e acudir a situações inesperadas. De facto, a investigação necessita de financiamento plurianual “livre”, sendo que o projeto estratégico da FCT é claramente insuficiente para o ISISE. Acresce que as regras de financiamento estão a contribuir para reduzir a nossa competitividade. Por exemplo, a substituição ou manutenção de equipamento laboratorial está a tornar-se um pesadelo. Outro exemplo é a contratação de investigadores estrangeiros ter sido altamente complexificada. Como podemos atrair os melhores estudantes do mundo se a FCT não os quer cá? No nosso caso, outra enorme dificuldade é que as Estratégias de Especialização Inteligente (RIS3) Nacional e Regional foram realizadas sem o matching de conhecimento e de capital humano acumulado com a estrutura económica. O património construído está claramente sub-representado. No Norte do país concentra-se um elevado número de empresas do setor e de volume de negócios, com impacto relevante na exportação, pelo que é evidente o impacto do setor na estrutura económica da região. Os resultados da avaliação dos centros de investigação nacionais pela FCT e os resultados de rankings internacionais confirmam que a fileira da construção é suportada por investigação líder no país e altamente competitiva a nível internacional. Acresce que a qualidade da vida das populações está altamente dependente do património construído, seja para cidades, infraestruturas, transportes, abastecimento de água, energia, entre outros. A revisão das RIS3 Nacional e Norte têm que ser uma prioridade, se o mecanismo se mantiver no novo Programa-Quadro. Em conclusão, esta bolsa ERC só é possível porque demonstramos liderança internacional – e fazê-lo a partir da UMinho e de Portugal é certamente muito mais difícil do que de outros países europeus. Estou verdadeiramente convicto que é a primeira bolsa ERC no ISISE de outras que se vão seguir, o que quer dizer que, na minha opinião, temos diversos investigadores com currículos de excelência. Isto é não apenas único no panorama nacional e internacional, mas um sinal de enorme esperança.