“O Paço” abre-se à Cidade

30-04-2019 | Nuno Passos

A arquiteta Maria Manuel Oliveira, o reitor Rui Vieira de Castro e a historiadora Maria do Carmo Ribeiro, na apresentação pública do livro, a 17 de abril, na nova galeria do Paço (foto: Luís Leite)

A equipa de Maria Manuel Oliveira dedicou três anos ao estudo aprofundado do Paço, "num processo interativo que permite chegar a um futuro de múltiplas possibilidades" (foto: Luís Leite)

"Esta abertura vai dar mais visibilidade à cidade e à comunidade, convidando as pessoas a entrar e a conhecer, alavancando a região", disse a vereadora bracarense Lídia Dias, na sessão pública (foto: Luís Leite)

O livro saiu no 45º aniversário da UMinho, numa versão pdf e impressa da UMinho Editora e do Lab2PT, unidade de I&D do Instituto de Ciências Sociais e da Escola de Arquitetura da UMinho

Foi casa dos arcebispos, teve livrarias, tipografias, corporação de bombeiros, museu, arquivo distrital e hoje sedia a biblioteca pública e a Reitoria – o futuro pode reservar novas possibilidades

É o único paço episcopal medieval português que conserva uma ala medieval; tem uma história multissecular de criação, ampliação, destruição e reconstrução

A escadaria principal do corpo quinhentista é ladeada por azulejos joaninos com cenas galantes, que serviram de inspiração para o traje da UMinho (foto: notasemelodias.blogspot.com)

O palácio barroco, mandado construir por D. José de Bragança e da autoria provável de André Soares, foi quase destruído por um incêndio em 1866 e restaurado em 1930-34 para acolher a Biblioteca Pública e o Arquivo Distrital de Braga

O Paço visto a partir do jardim de Santa Bárbara (foto: João Correia)

Desconhecido por muitos, o jardim interior tem um pequeno chafariz e já acolheu ações culturais (foto: Henrique Almeida)

A vice-reitora Manuela Martins, o reitor Rui Vieira de Castro, o programador Carlos Fontes e a vereadora Lídia Dias na abertura do festival internacional Encontros de imagem 2018, que estreou a nova galeria do Paço, unindo universidade, cultura e cidade

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Livro de Maria Manuel Oliveira, da Escola de Arquitetura, propõe a criação de núcleo expositivo contemporâneo, loja da universidade e cafetaria, a Reitoria na ala nascente e a biblioteca pública valorizada para a investigação.


Não há como fugir ao complexo do Largo do Paço quando se está em Braga. Ao calcorrear a rua do Souto, surge a elegante praça do edifício-sede da Reitoria da UMinho. E contornando o pequeno comércio rumo à Praça do Município, destaca-se o corpo barroco do complexo, onde está a Biblioteca Púbica de Braga (BPB). Para o terceiro “postal” deste ex-libris basta subir à direita e, a partir do jardim de Santa Bárbara, avistar a densa ala medieval. Estas imagens exteriores repetem-se em publicações, em reportagens, na internet. O que a Reitoria quer agora é “devolver” o antigo paço arquiepiscopal à Cidade, esta entendida no seu conceito mais alargado e cosmopolita, relevando a história e a memória de Braga e da própria UMinho.
 
O desafio está vertido nas 113 páginas de “Abrir ‘o Paço’ à Cidade”, de Maria Manuel Oliveira, lançada pela UMinho Editora e pelo Laboratório de Paisagens, Património e Território (Lab2PT). Nos últimos três anos, a professora da Escola de Arquitetura da UMinho (EAUM) liderou uma equipa do Centro de Estudos da EAUM para repensar espaços e práticas do Paço, procurando iluminar o seu passado, cujo novelo da história já tinha vindo a ser desfiado em trabalhos dos investigadores Eduardo Pires de Oliveira, Paula Bessa, Jorge Pamplona, Maria do Carmo Ribeiro ou Henrique Barreto Nunes.
 
Na verdade, a UMinho já iniciou o processo de reorganização deste Imóvel de Interesse Público, com a reabilitação de fachadas e vãos em 2015/16, a saída do centenário Arquivo Distrital de Braga para um novo imóvel junto ao mercado municipal em 2017, a readequação dos espaços da BPB em 2017/18 e a mudança dos serviços (Administração, Direção de Recursos Humanos, Direção Financeira e Patrimonial) para junto do Pavilhão Desportivo do campus de Gualtar em 2018; parte da área que estes libertaram foi transformada numa galeria de arte de dois pisos, virada ao Largo do Paço.
 
 

Reitoria, Biblioteca Pública, núcleo expositivo, loja e cafetaria

A remodelação, segundo a proposta constante no livro, visa consolidar um núcleo expositivo em circuito visitável que percorrerá as várias alas do edifício, adoptando um conceito museológico contemporâneo que simultaneamente reinterprete os espaços mais caraterizadores da evolução arquitetónica do conjunto, revelando a sua história ao longo dos séculos. Para instalar este percurso de forma coerente e restituir integridade ao uso e percepção do conjunto, sugere-se transferir a Reitoria para a antiga Casa do Provisor, no cunhal da ala nascente sobre a rua do Souto – associando-lhe os espaços para o Conselho Geral e o Conselho de Curadores da UMinho –, e reorganizar a afetação dos espaços notáveis da BPB, na ala barroca, valorizando a sua componente de investigação. Reforçando o contacto com o espaço público, propõe-se ainda instalar uma cafetaria e uma loja da universidade nos edifícios anexos à ala poente, que abrem sobre a rua do Souto e a relacionam com o pátio onde terá existido o jardim de D. Diogo de Sousa, possibilitando o seu usufruto urbano.

Na proposta – que a autora diz ter sido construída e reajustada amiúde, em proximidade com os interlocutores responsáveis pelos destinos e usos do Paço –, o salão nobre e o salão medieval, assim como os espaços exteriores, continuarão a receber eventos públicos. Embora não haja data para o início das obras, o reitor Rui Vieira de Castro estima os custos globais em cerca de 12 milhões de euros e está confiante na obtenção de financiamento e em contributos mecenáticos para este processo “exigente e ambicioso”. As etapas anteriores tiveram apoio da Caixa Geral de Depósitos e do Ministério da Cultura.
 
“A transformação do Paço pode fortalecer a ligação da UMinho com a sociedade, contribuindo para um melhor conhecimento e proveito mútuos”, admitiu Maria Manuel Oliveira, na apresentação pública do livro, a 17 de abril, na nova galeria do Paço. O ex-reitor António Cunha definiu no posfácio da obra: “O Paço é um lugar simbólico de poder, enquanto casa dos senhores de Braga entre os séculos XIV e XIX; de cultura, enquanto biblioteca pública e arquivo histórico-documental desde os anos 30 do século XX; e de saber, enquanto Reitoria da UMinho, desde a sua fundação [há 45 anos]”. A professora Maria do Carmo Ribeiro, que apresentou a obra, acrescentou na sessão pública: “O Paço é, também, um lugar de conhecimento e aprendizagem, um verdadeiro laboratório que permite ensaiar hipóteses, com imensa variedade de fontes (arqueológicas, históricas, artísticas, arquitetónicas) e possibilidade de se exercitarem múltiplas metodologias de investigação”.
 

 
Reconstituir a capela palatina, rever as obras da DGEMN
 
Destacando a componente de investigação que o trabalho incorporou, Maria Manuel Oliveira propõe ainda, no livro, uma hipótese de restituição da antiga capela palatina que existia no coração do corpo barroco, da qual restam vestígios físicos muito parcos e não se encontram desenhos do espaço interno, conhecendo-se apenas imagens do seu zimbório e torre sineira. A capela, reedificada no início do século XVIII a mando do arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles, foi ampliada pelo seu sucessor D. José de Bragança e desmantelada em 1921, supõe-se que por razões de segurança, em consequência do desinteresse a que o edifício barroco foi votado após o incêndio de 1866.

Um período também analisado com particular detalhe refere-se às obras da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) nas décadas de 30-50 do século XX, das quais se desconhecem os respectivos projetos. A ideia no Estado Novo, vincadamente ideológica, era, como sucedeu então com outros monumentos do país, devolver o Paço às “origens” através da reabilitação da sua imagem, alterada pelo impacto do incêndio e pela anexação nos bens do Estado após a saída dos arcebispos e consequente ocupação por várias entidades. Essa tentativa de “reconstrução das partes essenciais” acabou por “marcar o conjunto significativamente, na volumetria, nos alçados e nos espaços interiores” que hoje encontramos, segundo Maria Manuel Oliveira. A intervenção da DGEMN abrangeu ainda todo o espaço público envolvente, tendo procedido à execução do jardim de Santa Bárbara, à abertura da rua Eça de Queiroz e à remodelação da Praça do Município, assim como a obras de melhoramento no Largo do Paço.

O desenvolvimento destes estudos só foi possível graças a uma metodologia que envolveu sobreposição e redesenho de fontes iconográficas (nomeadamente cartografia, elementos gráficos e fotográficos) e ao seu confronto com fontes textuais e vestígios materiais detetados ao longo desta e das várias investigações de que o paço arquiepiscopal tem vindo a ser objeto. No livro, profusamente ilustrado com mapas, plantas, esboços, fotos e representações, faz-se referência não só aos múltiplos estilos arquitetónicos como aos variados usos privados e públicos do conjunto ao longo do tempo, sublinhando o facto de o Paço ter sido, desde a Idade Moderna, um lugar em que o conhecimento e o livro constituíram uma presença permanente, em grande interação sócio-urbana.


A estreia da editora da Universidade

Maria do Carmo Ribeiro notou que o livro foi o primeiro lançado pela UMinho Editora, a qual se destaca por privilegiar a qualidade, através de um sistema de seleção por especialistas, pelo acesso aberto ao conhecimento e à cultura e pela proteção ambiental, através da edição digital ou, na opção em simultâneo por impressão, em papel reciclado, como foi na obra sobre o Largo do Paço. “Dificilmente haveria outro tópico tão interessante para marcar o início desta editora”, disse Rui Vieira de Castro, que prefaciou o volume. A editora quer “ampliar” a produção académica e cultural dos docentes e investigadores da UMinho, tendo definido as coleções InvestigaçãoEducaçãoDocumentos e Ciência e Cultura para Todos. Está também em curso a divulgação de revistas científicas, como UNIO - EU Law Journal ou Perspectivas - Journal of Political Sciences, e pondera-se a tradução de publicações.



Sobre a autora
 
Maria Manuel Oliveira é diplomada em Arquitetura pela Escola Superior de Belas Artes do Porto (1985) e doutorada pela UMinho, onde está desde 1997, tendo lecionado nas universidades de Angola e Porto. Na UMinho presidiu a Escola de Arquitetura, fundou e dirigiu o seu Centro de Estudos, e investiga no Lab2PT em torno de património edificado e de áreas urbanas sob abandono. No âmbito do Centro de Estudos, é autora e coordenou, entre outros, os projetos de requalificação do Largo do Toural (Guimarães), do Largo do Paço e de instalação da Unidade de Arqueologia da UMinho no Convento S. Francisco de Real (Braga). Pertenceu à direção da Ordem dos Arquitetos – Secção Regional do Norte, trabalhou no gabinete de planeamento urbanístico do Município de Guimarães e exerceu, entre 1988 e 2000, profissão liberal.