Jorge Bento Silva é o primeiro sócio do núcleo de alunos mais antigo da UMinho

06-05-2019 | Catarina Dias

Jorge Bento Silva esteve na EEG a 9 de abril para proferir a palestra “Radicalização e Segurança Internacional”

A apresentação e moderação estiveram a cargo de Francisco Veiga, presidente da EEG, e Maria do Céu Pinto, especialista em assuntos do Médio Oriente

O ex-aluno é sócio nº 1 do CECRI, que ajudou a fundar na década de 1980

Cartão de estudante da UMinho

Jorge Bento Silva (ao centro) nos Colóquios de Relações Internacionais em 1984

Nos Colóquios de Relações Internacionais da UMinho, também em 1984

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Veio para Braga formar-se em Relações Internacionais, “o curso perfeito”. Trabalhou 30 anos na Comissão Europeia na área da segurança. Hoje está no Parlamento Europeu, atento às eleições de 26 de maio






Jorge Manuel Bento Silva nasceu em 1961 em Lisboa e veio estudar Relações Internacionais (RI) na UMinho em 1980. Ajudou a criar a 14 de dezembro de 1983 o CECRI - Centro de Estudos do Curso de Relações Internacionais, o primeiro do género nesta academia e do qual é o sócio número 1. Em termos profissionais, assumiu vários cargos de responsabilidade na Comissão Europeia (CE) e no Parlamento Europeu, na área de segurança e terrorismo. Na UMinho aprendeu que “tudo o que vale a pena ser feito pode efetivamente ser feito”. Voltou este mês de abril à Escola de Economia e Gestão (EEG) para proferir uma palestra sobre radicalização e segurança internacional, integrada no programa "Back to University", da União Europeia.


Ingressou em Relações Internacionais em 1980/81. Como era ser aluno quase nos primórdios da UMinho?
Era magnífico, porque existia um grande sentido de solidariedade e proximidade entre professores, alunos e funcionários. O que sucede agora - tentar reforçar a multidisciplinariedade entre escolas e institutos - já acontecia na altura de forma natural. Se queríamos aprender alguma coisa e desenvolver-nos não tínhamos outra hipótese. Podíamos, por exemplo, frequentar aulas de Teologia na Universidade Católica, mesmo sendo da UMinho. Se soubéssemos que havia um professor espetacular de Física Quântica a dar uma palestra noutro curso, saíamos das aulas de RI para ouvi-lo. Simplesmente porque não fazia sentido perder essa oportunidade.

Havia disponibilidade e boa interação entre cursos e estudantes?
Sim, sim. Percebemos, desde muito cedo, que era necessário algo mais para estudar RI "perdidos" no meio do Minho, longe de Lisboa, numa universidade ainda em “construção”. Os Colóquios de Relações Internacionais já existiam quando cheguei. Os colegas e docentes eram muito ativos e contagiavam os mais novos com esse espírito de empreendedorismo, que depois levou à criação de uma série de coisas, em que eram os próprios alunos a puxarem pelo sistema, a irem buscar especialistas às embaixadas e a escreverem para o estrangeiro para trazerem cá os melhores do mundo. O campus de Gualtar ainda não existia. Começámos a ter aulas nas instalações da rua D. Pedro V, depois no polo do Castelo, no centro de Braga. Os Colóquios decorriam no Largo do Paço e as aulas de línguas vivas no edifício da rua Abade Loureira, onde havia laboratórios de boa qualidade.

O curso de RI foi a sua primeira opção?
Absolutamente. Aos 16 anos fui estudar Robótica para a Suécia. Já era engenheiro técnico aos 17 e faltavam-me dois anos para acabar Engenharia. Dei por mim desesperado ao perceber, com 18 anos, que estava condenado a viver o resto da minha vida num buraco e que não sabia nada do mundo. Não tinha ideia nenhuma de tudo aquilo que me começou a fazer imensa falta. Na Suécia descobri muita coisa, como a identidade europeia e a existência de alternativas políticas. Fui para lá depois do 25 de Abril de 1974. Não queria que Portugal fosse a Roménia dos Ceausescu nem o Chile do Pinochet. Entre esses dois modelos havia uma larga margem. Foi desde a Suécia que consegui olhar e posicionar-me politicamente em relação ao futuro do meu país.

Como?
Descobri que era europeu e que os meus valores andavam à volta do Estado Social e da democracia parlamentar e participativa. Por lá, tornei-me feminista. Não só na teoria, mas na prática também. Quando regressei a Portugal fui à procura de uma licenciatura que abrisse os meus horizontes. Escolhi RI pelo seu programa curricular e porque, de todos os cursos que avaliei, era o que respondia às minhas necessidades - a abertura à Ciência Política, à Economia, ao Direito e às Ciências da Comunicação. E, depois, tratava-se de uma área em que não havia arrogância nenhuma de dizer “Aqui há teoria feita”. Existia sim um grande espaço de aprendizagem e aquisição de conhecimento e uma enorme preocupação em aproveitar tudo o que fosse possível para introduzir diferentes perspetivas e escolas de pensamento. Foi assim que deixei Lisboa para vir estudar em Braga, onde fiquei o tempo suficiente para me casar! [risos]



Rolls-Royce do curso perfeito

A licenciatura era única em Portugal…
O ímpeto do curso de RI foi excecionalmente bem feito. A UMinho foi buscar os melhores especialistas a países como os EUA e o Reino Unido, para desenharem o Rolls-Royce do que seria o curso perfeito. Vieram até Braga, gostaram dos rojões [risos] e ficaram cá durante semanas a trabalhar no assunto. O programa curricular era de uma qualidade estonteante.

Deixou a sua marca na EEG ao fundar o CECRI, o primeiro núcleo de estudantes da UMinho. Como correu esse processo?
Já existia a tradição dos Colóquios, reconhecidos por todos como algo indispensável à atividade das Relações Internacionais. Mas sentíamos que era necessária uma ação contínua, com oportunidades de contacto de pessoas diversas e de outras áreas científicas. A UMinho estava bastante condicionada em meios. Metade da literatura na nossa área existente na biblioteca era em romeno. A ideia de construir um polo de investigação em RI, que contribuiu depois para a fundação do CECRI, foi do colega Luís Filipe Lobo. Ele queria criar um órgão dedicado à investigação e não propriamente um centro de estudos dinamizado e gerido por alunos. O CECRI surgiu a partir daí, num contexto muito propício, com bases para suprir necessidades identificadas coletivamente.

Houve alguns desentendimentos pelo caminho…
Pois...! [risos] Recordo-me de o reitor Lúcio Craveiro da Silva me "ter puxado" as orelhas ao perceber que tínhamos aparentemente cometido uma ilegalidade irreversível. Isto porque o CECRI foi criado com personalidade jurídica quando tal não era permitido. Foi de certa forma revolucionário, porque esse estatuto permitia-nos receber contributos financeiros e em género, na forma de livros. Passámos a poder ir à Embaixada dos EUA, em Lisboa, por exemplo, mostrar que existíamos e que gostávamos de receber apoios. Em pouco tempo conseguimos organizar várias atividades numa série de áreas. Quando a UMinho percebeu a extensão do “pecado” reagiu com um sorriso um bocadinho agastado, mas não levou aquilo para o lado da sanção. Aliás, se tivesse ficado muito chateada não me tinha dado mais tarde o lugar de professor assistente na EEG.

Começou a trabalhar na Comissão Europeia na altura em que Portugal se juntou à CEE. Tinha acabado o curso há um ano. Como foi a adaptação?
Foi fácil, porque ia muito bem preparado. A qualidade do ensino da UMinho permitiu-me trabalhar facilmente em Inglês e Francês. Em termos de expressão, a maior dificuldade não foi os conhecimentos linguísticos, mas os péssimos hábitos cultivados nas universidades portuguesas de se falar caro e complexo e de escrever frases de quatro linhas e com muitas esdrúxulas. Em Bruxelas, percebi que ninguém se dava ao trabalho de compreender o que dizia. Por isso, comecei a construir frases mais curtinhas e a usar menos esdrúxulas, sobretudo em Inglês e Francês. Em Português ainda me foge o pezinho para a chinela... [risos] Na UMinho aprendi que tudo o que vale a pena ser feito pode efetivamente ser feito. Tudo o que fazíamos era muitíssimo bem feito. Os embaixadores saíam das nossas iniciativas maravilhados, os jornalistas regressavam todos os anos, os alunos faziam perguntas interessantes e os eventos eram bem organizados. Quando cheguei a Bruxelas achei que era assim que se fazia. Dei-me bem com isso.

Já assumiu cargos na área de segurança externa em diferentes países, como Iraque, Rússia, Turquia e Ucrânia. Foi consultor do grupo PESC (Política Externa e de Segurança Comum) e do RELEX (Grupo dos Conselheiros das Relações Externas), além de ter integrado a Direcção-Geral da Justiça, Liberdade e Segurança da CE. É uma vida cheia de desafios. Qual foi a maior dificuldade?
É um trabalho de grande responsabilidade. O serviço público exige uma limitação estatutária e evolutiva da liberdade individual, porque implica pormo-nos ao serviço da coletividade. Nunca deixei de dar a minha opinião e fazer a minha análise. Contudo, se a decisão tomada por quem foi nomeado pelos deputados eleitos pelos povos for no sentido contrário, cumpre-me executá-la, a não ser que viole a lei ou a minha consciência. Isso acontece em qualquer função pública. A diferença é que na CE há mais meios financeiros, bem como de comunicação, informação e recursos humanos.

Há grande capacidade para se fazer mexer as coisas.
Exatamente. Por exemplo, estive no Irão em 1990, depois de um terramoto que matou milhares de pessoas. Já não tínhamos relação com aquele país há dez anos. Por um lado, afigurou-se-me que não se deviam discriminar os iranianos em relação a outros seres humanos na sequência de uma catástrofe semelhante; por outro lado, achei que era uma boa oportunidade para se abrir uma linha de comunicação que poderia ser vantajosa para a UE. O meu diretor achou que os meus argumentos eram de tal forma convincentes que me passou dez milhões de euros para as mãos para construir dois hospitais no Irão.

Foi, entretanto, convidado para trabalhar no Parlamento Europeu. O que tem feito?
Não sou muito de "capelinhas". Estive 30 anos na CE e, em 2007, fui convidado para trabalhar para Portugal enquanto presidente do Conselho da UE. Há cerca de um ano, o Parlamento Europeu pediu à CE que eu fosse destacado para apoiar a Comissão Especial de Terrorismo na elaboração de um relatório sobre políticas de segurança. O relatório é muitíssimo inovador e foi aprovado por maioria. Estou neste momento a ajudar na sua implementação. No dia 1 de junho regresso à CE. Logo verei o que farei a seguir.
 


“Estive onde a História estava a acontecer”

É uma vida profissional bem-sucedida…
O sucesso mede-se de várias formas. Sinto que estive onde a História estava a acontecer e que contribui de forma sensível e tangível para como esta aconteceu. Consegui satisfazer os meus desejos, inclusive os mais infantis de aventura. Até os falhanços foram fundamentais, pois deram-me conhecimento, aprendizagem, segurança, humildade e persistência. Tive até hoje uma vida profissional completamente satisfatória e preenchida, porque consegui viver o meu tempo de forma útil para mim e para aqueles que sirvo - os cidadãos europeus.

O terrorismo continua a ser uma das principais preocupações da UE?
O terrorismo e a imigração são atualmnte as duas preocupações mais urgentes. As pessoas querem da Europa muita coisa, incluindo emprego e estabilidade financeira, mas não lhe vão dar hipótese nenhuma de mostrar se é capaz de responder a essas expectativas antes de provar que assegura a segurança e a migração controlada. Em relação à migração, não há consenso possível. A única área de consenso absoluto entre todos os Estados-membros e a maioria dos cidadãos é que o futuro da Europa passa pela segurança. Essa noção advém da realidade vivida nos últimos anos com os ataques terroristas de Madrid, Paris, Barcelona, Nice...

Ou seja, a segurança continua na linha da frente...
...das preocupações dos cidadãos, dos políticos, dos Estados e das instituições europeias. Este ano já houve quatro mortes fruto de ataques terroristas na Europa, uma quantidade inferior às 135 de há dois anos. A eficácia dos atentados por cá está reduzida a -3%. Três em cada quatro tentativas são detetadas antes e sete em cada oito ataques não causam mortes. Temos tido grande sucesso. O número de mortes em ataques terroristas a nível mundial vai ser o mesmo dos últimos dois anos. Eles têm lugar fora da Europa, porque aqui, aparentemente, estamos mais bem defendidos. O perigo é que, com isso, surja alguma sensação de menor urgência que abrande a mobilização de meios e de vontades para o desenvolvimento da segurança.

O Governo português distinguiu-o com o Prémio “Justiça, Liberdade e Segurança na União Europeia”. O que significou para si esse prémio?
A liberdade e segurança representam exatamente aquilo em que acredito. Sou um militante da segurança democrática, estabelecida num contexto de direitos, liberdades e garantias. Ter um reconhecimento do Estado português neste âmbito é uma honra. Essa medalha tem as cores e os símbolos da UE e foi atribuída a um português pelo trabalho que fez em prol da Europa. Não sou uma pessoa que anda atrás de honrarias, mas essa distinção soube muito bem.

Como é regressar à sua universidade?
Tenho mantido algum contacto com a instituição através do meu filho, que está a realizar cá a dissertação de mestrado. Depois de estudar numa das melhores universidades do Reino Unido, sugeri-lhe passar uns anos na UMinho. Assim fez. Tenho muito gosto em partilhar na EEG a minha perspetiva, até porque estamos nas vésperas das eleições europeias e sinto grande responsabilidade em transmitir uma visão crítica da Europa. Aceito de bom grado que se façam críticas veementes à UE e a muitos aspetos das nossas políticas, mas custa quando as pessoas se desinteressam pela questão europeia. Cerca de 80% da legislação aplicada em Portugal tem influência ou vem diretamente do quadro europeu.

A vida dos portugueses é influenciada pelo que se passa na UE.
É influenciada todos os dias! A capacidade de Portugal se fazer ouvir no mundo passa pela forma como é capaz de utilizar as suas valências através do peso que tem nas instituições europeias. Portugal tem uma influência global muito acima da sua expressão demográfica e do seu produto interno bruto. O modo como se coloca nas questões europeias é central na forma de prosseguir o interesse nacional. Por isso, o cidadão português que não esteja minimamente atento à Europa está certamente desatento em relação a Portugal.



  Gostos pessoais

  Um autor. O escritor argentino Jorge Luís Borges.
  Uma música. As do compositor georgiano Giya Kancheli.
  Um filme. “Morangos Silvestres”, do realizador Ingmar Bergman.
  Um desporto. Mergulho ou queda livre, ou seja, tudo o que não dá muito trabalho! [risos]
  Uma personalidade. Greta Thunberg, a jovem de 16 anos que ficou conhecida em todo o mundo depois de fazer
  greve às aulas para chamar a atenção para o problema das alterações climáticas. A par dela, poderia mencionar
  outras personalidades jovens e no feminino.