Conseguem os países voltar aos mercados internacionais? Ricardo Sousa ajuda a compreender as dificuldades encontradas

01-05-2019 | Daniel Vieira da Silva

Ricardo Sousa é natural de Barcelos

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Estudo premiado do cientista da Escola de Economia e Gestão foi publicado no "Journal of Money, Credit and Banking", uma referência na área económica.


Ricardo Sousa
recebeu em março o Prémio de Investigação da Escola de Economia e Gestão (EEG). Tem debruçado o seu trabalho de mais de 100 artigos científicos nas áreas da política monetária, da política orçamental ou da estabilidade financeira. Ao NÓS, abordou as conclusões do seu estudo, deixando indicações acerca da forma como se poderá compreender o regresso de Estados (bons ou maus cumpridores) aos mercados internacionais.



Que significado teve para si o recente Prémio de Investigação da EEG?
Vejo a distinção como o reconhecimento da qualidade científica do artigo, que foi publicado numa excelente revista de Economia: o Journal of Money, Credit and Banking. Perdoem-me, por favor, se parecer ter falta de modéstia, mas vejo-a, igualmente, como um justo reconhecimento pelo trabalho de investigação que tenho feito ao longo de quase 20 anos: fui da primeira geração de licenciados em Economia pela UMinho, concluí o mestrado em Política Económica também pela UMinho e, em 2008, doutorei-me pela London School of Economics and Political Science (LSE), uma das melhores escolas de Economia do mundo. Conto com cerca de 100 artigos científicos publicados em revistas internacionais; a minha investigação é, frequentemente, citada por outros investigadores; sou, com frequência, convidado para rever artigos submetidos para publicação em revistas internacionais; e apresento o meu trabalho em diversas conferências e seminários.

Os seus artigos científicos têm tido relevância em várias áreas económicas.
Sim, nomeadamente de política monetária, política orçamental ou estabilidade financeira. Foram publicados e/ou referenciados várias vezes por instituições europeias e internacionais ou alvo de cobertura por parte dos media, inclusivé na prestigiada revista britânica de política e economia The Economist. Por isso, sei com satisfação que a minha atividade de investigação tem dado um contributo importante para a reputação e o prestígio internacionais da EEG (e do seu Núcleo de Investigação em Políticas Económicas e Empreariais - NIPE, a que pertenço) e da UMinho. Tudo isto é fruto de muita dedicação e trabalho e permite, igualmente, posicionar-me nos lugares cimeiros entre os economistas portugueses. Bem sei que o Prémio de Investigação da EEG apenas avaliou um artigo. No entanto, o significado que o mesmo teve para mim foi bem maior.
 
O prémio é uma distinção pela publicação do artigo “The Legacy and the Tyranny of Time: Exit and Re-Entry of Sovereigns to International Capital Markets”. Em que consiste este trabalho?
Utilizamos modelos de duração para analisar a perda do acesso dos Estados aos mercados internacionais. Mais especificamente, investigamos os determinantes da duração de períodos de saída e reentrada dos Estados naqueles mercados, por via da emissão de dívida soberana e da sua colocação junto de investidores internacionais. Os nossos resultados mostram que, à medida que os Estados consolidam a reputação de bons (maus) cumpridores das suas obrigações, os períodos de saída dos mercados internacionais tendem a ser mais curtos - aquilo que designamos "legado do tempo". Por outras palavras, no caso de períodos de perda temporária ou relativamente curta de acesso aos mercados, os Estados devedores recebem o "benefício da dúvida" por parte dos seus credores. No entanto, quando a perda é relativamente longa e os Estados acumulam a reputação de maus cumpridores das suas obrigações, a falta de "complacência" por parte dos credores/investidores torna mais difícil o regresso aos mercados internacionais - a este fenómeno, designamos "tirania do tempo".
 
Fê-lo em cooperação com outros economistas. O que potenciou este trabalho de parceria?
O artigo foi escrito em parceria com Luca Agnello, da Universidade de Palermo (Itália) e Vítor Castro, da Universidade de Loughborough (Reino Unido). Conheci o Luca em 2008, quando ambos trabalhávamos no Banco Central Europeu. Conheço o Vítor desde 1995, pois estudamos na licenciatura e no mestrado na UMinho. Une-nos, acima de tudo, a amizade: o Luca "deu nome" ao meu filho e é padrinho de batizado da minha filha; eu sou padrinho de casamento do Vítor. Une-nos, igualmente, o trabalho: partilhamos o mesmo espírito de entrega e sacrifício, os mesmos valores e princípios e a mesma humildade. Estas duas dimensões [amizade e trabalho] têm sido, sem sombra de dúvida, determinantes para o sucesso da nossa parceria, levando à publicação de artigos científicos em prestigiadas revistas internacionais, como o Journal of Business Economics and Statistics, o Journal of Money, Credit and Banking, o Journal of International Money and Finance, o Journal of Economic Behavior & Organization, o Journal of Macroeconomics e o European Journal of Political Economy. Entre um terço e metade das minhas publicações foram em coautoria com ambos.

Que conclusões retira do mesmo artigo?
O artigo permitiu compreender a importância da reputação de bom ou mau cumpridor na obtenção de financiamento por parte dos Estados para as suas obrigações financeiras junto dos mercados internacionais, assim como o papel do tempo na consolidação dessa reputação. Por exemplo, ao demonstrar vontade em cumprir aquelas obrigações, os Estados podem acelerar o "regresso" aos mercados internacionais e, portanto, reduzir os custos associados à saída daqueles. Permitiu, igualmente, concluir acerca da relevância que a estabilidade política e a assistência financeira multilateral desempenham, ao contribuírem para a redução da duração dos períodos de perda de acesso aos mercados internacionais. Além disso, qualquer avaliação dos custos potenciais de um incumprimento ou restruturação de dívida requer uma análise cuidada da duração dos períodos de saída (ou reentrada) dos mercados internacionais...

...pois afeta as opções dos Estados.
Exato. No passado, os Estados emitiam dívida pública e colocavam-na junto de entidades bancárias (tipicamente, nacionais) através de empréstimos sindicalizados. Hoje, fazem-no, sobretudo, por via da emissão de dívida pública e a sua colocação junto investidores institucionais (os quais incluem, entre outros, bancos, empresas gestoras de ativos, fundos de investimento, fundos de pensões ou fundos de cobertura de risco, nacionais e estrangeiros). Paradoxalmente, este sistema revela quão limitadas podem ser as opções de Estados com elevadas necessidades de financiamento ou países com elevado endividamento externo, assim como quão vulneráveis podem ser as suas condições de financiamento, sobretudo em períodos de stress financeiro ou na ausência de mecanismos de partilha de risco ou de um credor de última instância. Isto acontece, pois esses Estados podem ser alvo de alterações bruscas de expectativas ou de sentimento (otimisma/pessimista) de mercado da parte daqueles investidores institucionais. O mesmo sistema também "põe a nu" ou questiona a influência "ímpar" das agências de notação de risco que, como se sabe, foram bastante criticadas pelo seu papel durante a crise financeira mundial de 2008/09 e a crise soberana europeia de 2010/12.
 
Tem dedicado mais tempo da sua atividade de investigação a que área?
A minha experiência profissional tem-se repartido entre a academia, bancos centrais e instituições europeias e internacionais. Por isso, tento estar sempre atento a questões que os decisores de política consideram relevantes e atuais. O meu gosto pela Macroeconomia começa com a professora Dolores Cabral, antiga docente da EEG e que foi minha professora na licenciatura em Economia e orientadora da tese de mestrado. Nesta última, desenvolvi a minha aptidão para o estudo das interações entre a Economia e as Finanças e o comportamento dos mercados financeiros. Durante o doutoramento na LSE e sob a orientação dos professores Alexandeer Michaelides e Christian Julliard, expandi o meu interesse por aquelas interações e alicercei o gosto pelo trabalho em política económica.
 

"Gosto de saber que a minha investigação pode influenciar os decisores políticos"

É a área em que se sente mais confortável a trabalhar?
Gosto muito de fazer investigação em várias áreas, de sentir que o meu trabalho é lido e referenciado em todo o mundo e de ver esse mérito ser reconhecido. Gosto, igualmente, de saber que a minha investigação tem impacto ao nível da política económica e pode influenciar os decisores políticos. Também tento transmitir o meu conhecimento junto de alunos, investigadores e decisores de política através de aulas, seminários e conferências. Sinto, igualmente, o dever de o fazer junto das pessoas (em particular, dos portugueses), ajudando-as do ponto de vista económico a compreender melhor o mundo que as rodeia, as oportunidades que este apresenta, mas também os constrangimentos que impõe.

É um investigador ávido pelo conhecimento.
Completamente. Abraço sempre novos projetos de investigação e de trabalho, em paralelo, em grande número. As minhas áreas de investigação preferidas são várias e incluem, entre outras, Macroeconomia, Políticas Monetárias e Orçamentais, Finanças e Mercados Financeiros, Mercado da Habitação, Métodos Quantitativos e Economias Emergentes. Atualmente, estou interessado no comportamento dos mercados da dívida (pública) e de programas de restruturação da dívida, na interação entre os ciclos económicos e os ciclos financeiros e em várias questões económicas europeias, como as regras orçamentais e a disciplina dos mercados financeiros, a convergência económica e o crescimento de longo prazo e o impacto macroeconómico de alterações institucionais.
 
Em 2013 afirmou que a política orçamental nacional estava a ter um comportamento indesejável. Como olha para o que se passa atualmente em Portugal?
As decisões nacionais de política orçamental são muito condicionadas pelas regras e limites orçamentais e pelos mecanismos de governação económica supranacionais. Por exemplo, o Two-Pack, o Six-Pack ou o Pacto Fiscal Europeu. O reforço operado a nível europeu nestes domínios impõe um controlo muito apertado sobre o menu de opções das políticas nacionais, retirando flexibilidade aos governos para que estes possam, através de medidas de gestão da procura agregada, responder a situações de crise ou promover o crescimento de longo prazo. O investimento público é "contabilizado" como um passivo, sendo descurado o seu valor enquanto ativo gerador de riqueza. Por exemplo, se um governo emitir dívida para "replicar" infraestrutura física já existente ou desnecessária, está obviamente a destruir riqueza, pois o valor presente do projeto é negativo.

Exato.
Mas, e se num contexto de manifesta insuficiência de iniciativa privada, o governo emitir dívida para financiar despesa que promova o salto qualitativo na formação da sua população e estimule o emprego e a criação ou instalação de empresas nos domínios da investigação e da inovação, da ciência e da tecnologia e nos setores onde o valor acrescentado e a produtividade do trabalho são mais elevados? Neste caso, está não só a evitar a "exportação" ou saída de recursos altamente qualificados para o exterior, mas também a "reter" os mesmos no país ou a "importá-los" de outros países. Isto contribuiria, de forma decisiva, para o fortalecimento da capacidade de resiliência do país face a crises no curto prazo e, sobretudo, para o crescimento (sustentável) numa óptica de longo-prazo. Além disso, regras supra-acionais comuns, aplicadas a países com estruturas económicas muito diferentes, correm o risco de ser "ótimas" apenas para alguns e "subótimas" para muitos. Não sendo acompanhadas por mecanismos que garantam uma partilha efetiva de risco, respondam a choques assimétricos ou simétricos de grandes dimensões e promovam uma efetiva convergência estrutural entre os Estados-membros, tais regras podem acabar por deixar alguns países mais vulneráveis a alterações de sentimento nos mercados financeiros no curto prazo e amplificar, ainda mais, as disparidades em termos de crescimento económico e padrões de bem-estar no longo prazo.
 
Já viveu em Londres… Como olha para o processo de saída do Reino Unido da UE? Que consequências financeiras poderão advir desse facto?
Vejo-o como o anúncio de um processo de "divórcio litigioso" que se arrisca a terminar em "casamento forçado". Por um lado, o Reino Unido tenta reaver parte da soberania perdida em matéria de política aduaneira e de regulação económica, assim como reconquistar o controlo sobre a circulação de pessoas, bens e serviços. Por outro lado, a UE tenta impedir a saída do Reino Unido, fixando, para isso, custos extremamente elevados ou propondo uma transição que deixaria o Reino Unido temporariamente na UE, mas sem direito de voto em matérias importantes para ambos os blocos económicos numa ótica de longo prazo. Por absurdo que possa parecer, ao tentarem impôr custos de saída elevados, alguns países da UE estão "apenas" a revelar o quão importantes poderiam ser os ganhos da saída para o Reino Unido (ou outro Estado que o pretenda fazer no futuro), assim como as perdas dessa saída para a União Europeia. E isso revela, igualmente, dois aspetos de fundo importantes.

Quais são?
Os governos de cada Estado-membro devem bater-se pelo respeito das decisões que são, democraticamente, tomadas (por exemplo, em referendos), sem fazer "interpretações casuísticas" das mesmas. E, em segundo lugar, as instituições supranacionais não deveriam utilizar qualquer Estado-membro como exemplo do "castigo" a padecer em caso de decisões nacionais tomadas democraticamente, mas que, eventualmente, não sejam consentâneas com regras estabelecidas. Não sendo estas verdades absolutas, a economia política diz-nos que tais aspetos podem pôr em causa a sustentabilidade de um projecto europeu assente no respeito pelas diferenças entre os Estados-membros.

E caso o Brexit se materializar?
Isso é questionável, atendendo ao arrastar das negociações e ao prolongamento do período das mesmas para data posterior às eleições europeias -, mas haverá certamente nos dois blocos económicos: um aumento enorme da volatilidade nos mercados financeiros e cambiais; segundo, uma forte deterioração da atividade económica, atendendo a que o Reino Unido é o principal parceiro comercial da UE; terceiro, um aumento da incerteza e a redução da classificação de risco de bancos e empresas, o que teria efeitos adversos para o investimento e as condições de financiamento dos mesmos; quarto, a redução do papel de Londres enquanto centro financeiro e a sua transferência para outros destinos europeus, assim como tensões dentro da UE, dada a possibilidade de ataques (especulativos); quinto, um efeito contágio particularmente importante em países com um elevado défice externo e nível de endividamento (público e/ou privado) ou uma forte presença de entidades bancárias inglesas, como é o caso de mercados emergentes; e sexto, no caso de uma saída "desordenada", um enorme imbróglio jurídico em matéria de regulação e de funcionamento dos mercados.



  Prémio de Investigação EEG

  A Escola de Economia e Gestão da UMinho instituiu o seu Prémio de Investigação em 2009. A distinção é atribuída ao 
  artigo escolhido por um painel de presidentes de conselhos científicos das áreas de investigação da EEG. Podem
  concorrer a este prémio os docentes, investigadores ou bolseiros de pós-doutoramento da EEG ou das unidades de
  investigação afiliadas à EEG-UMinho, mencionadas no artigo publicado.

  Vencedores

  2019 - Ricardo Sousa
  2018 - Nelson Areal
  2017 - Rosa Branca Esteves
  2016 - Gilberto Loureiro
  2015 - Miguel Portela
  2014 - Cristina Amado
  2013 - Luís Aguiar-Conraria
  2012 - Francisco Veiga e Linda Veiga
  2011 - Gilberto Loureiro
  2010 - Odd Rune Straume
  2009 - Luís Aguiar-Conraria