Ausência do Brasil n'Os Lusíadas faz-nos esquecer a saga portuguesa na América
Foi precisamente a relação Portugal/Brasil que o motivou a fazer doutoramento. A que se deveu a escolha do tema e esta necessidade de estudar?
Inesperadamente, via cobertura da Guerra do Iraque, vi-me transportado nas asas da língua para o Brasil. Aí, constatei duas coisas – a força da nossa relação por via da história, do sangue e da língua, por um lado; e, por outro, a permanência de um sentimento de estranhamento e incomunicação. Confrontado com estas duas realidades contraditórias, quis aprofundar as razões dessa situação – ir ao âmago do problema. Foi assim que cheguei à formulação do meu objeto de estudo: “A (in)comunicação Portugal-Brasil: raízes do estranhamento”.
Porque decidiu optar pela UMinho? E porquê em Ciências da Comunicação, apesar de juntar na tese temas desde História a Relações Internacionais?
A UMinho surgiu por duas ordens de razões – primeiro, por ser uma universidade já com muito trabalho e prestígio consagrados na área da comunicação. Depois, porque a UMinho tinha uma parceria com a UnB, a universidade federal de Brasília, cidade onde resido, o que me possibilitava fazer o estudo à distância, frequentando algumas matérias que me faltavam para (con)validar créditos e simultaneamente ser acompanhado por um orientador local, em regime de cotutela. Quanto à escolha da área da Comunicação, considero que é neste campo que se joga o essencial do relacionamento entre Portugal e Brasil, sobretudo se ainda quisermos um dia ver ultrapassado o antilusitanismo que tem marcado o olhar brasileiro sobre o nosso país.
Como foi o processo de investigação, desde 2013? Solitário e intenso?
Sim, uma tese – apesar do indispensável acompanhamento dos orientadores, que é fulcral – é também um exercício de confronto consigo mesmo, que obriga a mobilizar todas as forças anímicas, exigindo grande disciplina. A sensação por vezes é de nos encontrarmos perdidos no meio de uma densa floresta, à procura de uma senda que nos conduza ao objetivo pretendido; de repente encontra-se uma vereda, uma pista, que depois se perde até que se volta a encontrar, o que requer, além de disciplina, enorme persistência... Nessas alturas, o apoio dos orientadores é decisivo. Em contrapartida, o fascínio do conhecimento é total, sempre se abrindo mais e mais: quando mais se conhece, mais se tem a noção de como é infinito aquilo que não sabemos... E a alegria de encontrar algo de novo – que por vezes surge sem que saibamos bem como nem de onde – é talvez das maiores recompensas do espírito humano.
Quais são as principais conclusões que retira do seu projeto de investigação?
Talvez duas, que se interpenetram. Primeira: o facto de a nacionalidade brasileira ter no seu DNA – como detetamos ao longo da investigação – um sentimento antiportuguês que sempre tem sido cultivado desde a independência até hoje, sobretudo através do sistema de ensino, de onde saem gerações sucessivas de brasileiros com uma péssima imagem de Portugal (apesar de um corrente lusófila igualmente presente na sociedade). Segunda conclusão: a necessidade de Portugal ter isso presente na relação com o Brasil, sobretudo em termos de políticas de comunicação, se quiser que esse sentimento antilusitano seja atenuado ou mesmo ultrapassado. Até hoje, essas políticas têm sido muito deficitárias. Há um verdadeiro apagão mediático português no Brasil. Para se mudar essa situação impõe-se a elaboração de uma estratégia de aproximação de longo prazo e de longo fôlego, que vá além das efemérides e dos falsos ditirambos económicos oficiais. E aí, no meu entender, a Academia poderia ter um papel crucial no sentido de congregar esforços de todos os setores envolvidos: governantes, homens de negócios, jornalistas, diplomatas... sem esquecer, claro, a forte comunidade portugusa. Em qualquer caso, é urgente mais comunicação entre Portugal e o Brasil.
Considerou que Luís de Camões está de alguma forma relacionado com o distanciamento entre os dois países, pelo facto de a epopeia portuguesa na América não estar n'"Os Lusíadas"...
Camões morreu em 1580, quando ainda toda a saga da conquista, desbravamento, assimilação e expansão do território estava apenas no começo. Compreende-se por isso que ele cante os feitos de Portugal noutros continentes, limitando-se a assinalar que “na quarta parte nova os campos ara e se mais mundo houvera lá chegara...”. O facto de a grande aventura lusitana na América não estar por isso naquela obra fundamental explica, no meu entender, que essa parte da nossa História não se tenha fixado com a mesma força na memória e no imaginário nacionais. Na realidade, por força do curso do tempo e da morte, falta um canto no principal livro do grande vate. Um dia cheguei a imaginar uma série televisiva sobre Portugal-Brasil com uma encenação assim: um jovem português atual chegava no túmulo de Camões e dizia: “Luís, levanta-te, vem acabar de escrever ‘Os Lusíadas’!”.
Na sua tese admite que entre os dois países há uma espécie de "mal-estar que não se tem conseguido reverter". Como encara essa relação hoje e perspetiva a sua evolução?
A política dos pequenos passos tem a suas virtudes – as relações económicas e comerciais avançam aqui e ali, há fluxos humanos que se cruzam sobre o Atlântico, sempre vai havendo um ou outro escritor que se publica de um e outro lado... O que tudo isso não faz, entretanto, é ultrapassar o sentimento antilusitano profundo que existe disseminado no Brasil, já que a nacionalidade brasileira historicamente se constituiu com ele. Para isso, precisamos de encarar essa realidade de frente e apostar numa estratégia continuada e abrangente em que o aprofundamento da comunicação deveria estar no centro.
Que impressões guarda sobre a UMinho? Como olha para esta instituição e o que tem de diferente?
O que sobretudo aprecio na UMinho, daquilo que conheço, é o espírito jovem e a particular atenção conferida às questões da informação e da comunicação.
Estudou e lecionou em universidades de vários países. Que semelhanças e diferenças encontra face a Portugal?
Na Bélgica, impressionou-me a atenção dada às questões práticas do Direito, em pequenas turmas de 15 a 20 pessoas, no máximo, por contraposição e compensando aulas de anfiteatro com centenas de estudantes. No Brasil, a atenção permanente conferida às questões contemporâneas, quer sociais como de costumes, que agora parecem em perigo face à ofensiva política conservadora, que chega ao ponto de se permitir que se instale um clima de desconfiança e até de denúncia política dos professores, o que é altamente limitativo da liberdade de ensino.
Que mensagem gostaria de deixar aos estudantes prestes a ingressar no mercado profissional?
Sigam, se puderem, a vossa vocação; sejam generosos nas expectativas e no empenho, mas não se iludam – as realidades são muito duras para quem começa. Por outro lado, há um mundo novo a despontar e abrem-se possibilidades antes inimagináveis para quem tiver a coragem de ousar e persistir.
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