Estudar foi uma espécie de “teve que ser, senão fica tarde”!

30-10-2019 | Paula Mesquita | Fotos: Nuno Gonçalves

Celina Barros tem 38 anos e trabalha na Escola de Medicina (então Escola de Ciências da Saúde) desde 2001

Entre outras funções, é tratadora dos animais do Biotério e responsável pelo seu bem-estar

No ano letivo anterior decidiu voltar aos estudos e ingressou no curso de Preparação para os Maiores de 23 anos. Este ano, é nova aluna de Educação

“Parecia que estava a regressar à minha adolescência”, confessa acerca da sua experiência de voltar às salas de aula

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Celina Barros

Tem 38 anos e nasceu em Vila Verde. Trabalha na Escola de Medicina há 18, onde é tratadora de animais. Partilha com o filho de 6 anos, desde setembro, a secretária de estudo em casa: ele com os manuais do 1º ano; ela com os primeiros apontamentos da licenciatura em Educação na UMinho.


Começou a trabalhar na UMinho numa altura muito especial. Como foi?
É verdade. Comecei a trabalhar na Escola de Medicina (na altura era a Escola de Ciências da Saúde) no mesmo ano em que chegaram os primeiros estudantes do curso de Medicina. Foi em outubro de 2001. Fui das primeiras funcionárias da Escola e era a mais novinha por lá. Mais novos do que eu só mesmo os alunos a quem dava apoio nos laboratórios! [sorriso] Nessa altura, a Escola ainda não tinha espaço próprio e, por isso, as aulas e os laboratórios do ICVS ocupavam o 1º andar do Complexo Pedagógico II (CP II) e as antigas instalações da cantina do campus de Gualtar (o atual piso inferior ao dos Serviços Académicos). Vim para a UMinho através do Instituto de Emprego e Formação Profissional e trabalhei, nos primeiros meses, ao abrigo do programa de reinserção na vida ativa. Em março do ano seguinte passei ao regime de prestação de serviços.
 
Que funções lhe estavam atribuídas?
Comecei por preparar aulas para os alunos do curso de Medicina, prestava apoio aos laboratórios onde os estudantes desenvolviam as aulas experimentais e preparava os materiais e os meios de cultura utilizados para fins de investigação e de ensino. Os docentes forneciam-me uma lista de todos os materiais que tinha de dispor em cada bancada, para que tudo estivesse organizadinho quando as aulas começassem e os alunos iniciassem os trabalhos. Mais tarde, com o nascimento do Biotério, em 2002, passei a prestar apoio também a essa unidade. Com o crescimento da Escola, do Biotério e, naturalmente, do número de alunos, vieram, mais tarde, novos colegas com quem passei a partilhar funções e a alternar entre os dois locais de trabalho. Desde 2015 que o Biotério tem um espaço próprio e atualmente a equipa de apoio da zona limpa do Biotério é composta por quatro pessoas.

O que faz especificamente?
Um biotério é um local onde são criados e mantidos animais, neste caso, ratos e murganhos, com a finalidade de serem usados em experimentação animal. Eu sou uma das tratadoras desses animais. [sorriso] É um trabalho muito complexo e exigente. Para desempenhar estas funções tive formação durante uma semana inteira no Biotério do Porto (IBMC) e fiz também o curso “Formação e Treino para Técnicos de Animais de Laboratório” na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lisboa. Aprendi os cuidados, os procedimentos e as técnicas necessárias para dar resposta às exigências de trabalhar num local desta natureza, ou seja, tudo o que está relacionado com o tratamento e desinfeção dos animais. Sou responsável por lhes garantir as melhores condições de vida, isto é, assegurar-lhes o bem-estar, proporcionando-lhes conforto através do alojamento. Por exemplo, na esterilização de cama em que dormem e dieta de água para ratos e ratinhos. As caixas em que são colocadas as camas têm que ir ao autoclave a 121 graus para serem esterilizadas e só depois é que passam para a chamada zona limpa. Tudo o que entra na zona limpa está obrigatoriamente desinfetado! Se for um material que não pode ir ao autoclave, então deverá passar por uma desinfeção com Vircon, raios ultravioleta ou por uma fumigação para descontaminação total. Os animais estão, portanto, completamente limpos, num ambiente completamente limpo. [sorriso]


Saber conciliar a profissão com as aulas e a família
 
Depois de 18 anos a trabalhar na UMinho, decidiu voltar a estudar.
Desde o primeiro dia de trabalho na UMinho que idealizei um percurso de vida que passaria necessariamente por um curso superior. Só que não podia querer tudo de uma vez… a vida foi-se encarregando de me confrontar com desafios e eu fui-lhes atribuindo prioridades diferentes, mas o “bichinho” de estudar continuou. Cada vez que olhava em redor, mais certeza tinha de que a UMinho me poderia proporcionar esse sonho. Recentemente, já com o meu filhote mais crescido e autónomo, decidi começar a nova etapa. Foi uma espécie de “teve que ser, senão fica tarde”! [sorriso] Ingressei pelo regime especial para Maiores de 23 anos. Fiz o Curso de Preparação para este regime, para me ajudar a entrar nas matérias e no novo ritmo de vida. Não estudava há bastante tempo e já muitos conhecimentos e hábitos estavam adormecidos. Fui dando o meu melhor e acabou por se consolidar a ideia de prosseguir para a licenciatura.
 
O que é que a levou a ingressar na licenciatura em Educação?
Era o curso que, no meu entender, mais se adequava ao meu perfil. Apesar de ainda estar no início, está a corresponder às minhas expectativas e estou a gostar bastante. Tenho noção de que vai exigir ainda mais de mim, porque um curso superior é sempre muito trabalhoso e requer, para além de empenho e dedicação, uma grande capacidade de organização do tempo. Tenho que saber conciliar a profissão e a vida familiar com as aulas e o trabalho individual ou em grupo. Tenho é que ter força de vontade! Por enquanto, estou a frequentar as aulas do regime pós-laboral, porque ainda não regularizei a minha situação enquanto trabalhadora-estudante. Os docentes têm sido muito compreensivos e ajudam em tudo o que lhes é possível! É fantástico. Assim que conseguir o estatuto, vou poder chegar a casa com tempo para estar um bocadinho com o meu filho.
 
Ele também entrou este ano para o 1º ciclo do ensino básico.
Sim. Podemos estudar juntos! [risos] Ele também está a vivenciar novas experiências e a fazer muitas descobertas… Quero estar presente e acompanhá-lo da melhor forma possível.
 
Como foi a experiência de voltar às salas de aula?
Parecia que estava a regressar à minha adolescência [risos], mas foi uma sensação boa e senti-me bem. Naturalmente que me apercebo de muitas diferenças entre a minha forma de estar e de agir com a dos colegas e às vezes sinto-me um pouco constrangida por ser mais velha… Nos primeiros dias, tratavam-me por “você”! [sorriso] Agora já não o fazem. É um sentimento contrário ao do que senti quando comecei a trabalhar na Escola de Ciências da Saúde, em que era a mais novinha, a que estava a aprender tudo de novo e tudo era novidade! Mas a turma é muito agradável, são todos muito simpáticos comigo e sinto-me integrada. Já estou a trabalhar em grupo para algumas unidades curriculares e está a correr bem.
 
Mudou a sua perspetiva sobre a UMinho depois de ingressar numa licenciatura?
Desde que comecei a trabalhar cá, sempre vi a universidade como uma ponte para um futuro que eu idealizava, uma viragem que poderia mudar a minha situação profissional, mas ainda longínqua. É uma instituição de ensino, em que trabalho, mas não é fácil realizar em nós as possibilidades que ela nos poderá oferecer. Só agora, enquanto aluna, é que começo a antever essa viragem, a possibilidade de enriquecer com ferramentas e conhecimento que me poderão abrir portas para um novo mercado de trabalho. Vou-me dando conta disso e das alternativas que a UMinho me pode oferecer à medida que vou interagindo com os professores e trabalhando com os colegas. O que estou a aprender ajuda-me a construir essa ideia e a preparar-me cada vez melhor para o futuro que quero para mim.



  Notas breves

  Na gaveta da minha secretária guardo a minha esferográfica e os meus documentos.
  Mal entro no carro, ligo o rádio para ouvir RFM, mas em casa tenho sempre que fazer, não consigo estar parada.
  Nem me lembro de música!
  Considero-me uma pessoa simpática (acho eu!) [risos] e profissional e penso que os outros também me acham 
  assim. Tento dar-me bem com todos e, em situações mais delicadas, esforço-me para me colocar no lugar do outro.
  Num jantar, em família, não dispenso diversão, claro!!
  Ao fim de semana, ligo a televisão para ver filmes. Históricos e de aventura.
  Nada me fará esquecer o momento em que nasceu o meu filho.
  Gostava muito que amanhã tivesse uma boa notícia profissional!
  A personalidade/pessoa que mais me marcou é o meu marido, porque está sempre ao meu lado!
  À sombra de uma árvore, leria… não leria; adormecia! [risos]
  Sonho diariamente com o meu futuro. Melhor!
  O meu dia não acaba sem deixar o meu trabalho bem feito. É assim que tem que ser.
  A UMinho é o meu futuro!