Perspetivar 2021

31-01-2021

Maria do Céu Taveira

Prevê-se ser necessário promover um conhecimento e debate mais profundos na nossa sociedade sobre as condições de vida e tipos de solução para as pessoas mais vulneráveis e marginalizadas. E dirigir esse conhecimento para o desenho e execução atempada de soluções.


“Não deixe que o vírus mate a sua carreira!” Esta é uma mensagem, um alerta, que nos foi deixado, recentemente, pelo psicoterapeuta Mark Savickas, numa entrevista à revista Forbes, e que realmente nos pode servir de mote para perspetivar 2021 e instalar alguma esperança e vitalidade nas nossas vidas, quando se prevê estarmos ainda a braços com a pandemia COVID-19, impeditiva do desenvolvimento social e económico a nível mundial.

Navegar através desta situação coloca-nos perante muitas exigências de adaptação, muitas vezes sem orientação, sem pistas a que nos agarrarmos para caminhar com alguma segurança, ou mesmo, com a sensação de estar a caminhar para o caos. Como manter a saúde psicológica, o emprego ou a capacidade para gerir o trabalho e a vida familiar? O que podemos dizer, por exemplo, aos milhões de trabalhadores que viram o seu tempo e proveitos do trabalho reduzidos, ou foram despedidos, devido ao coronavírus? Como prevenir e lidar com dificuldades físicas, financeiras e emocionais, resultantes da privação de estabilidade nas atividades da nossa vida; do aumento de insegurança, pela ameaça de contágio, de doença, isolamento, ou perda, mais eminentes? Ou até da sobrecarga de tarefas e responsabilidades no trabalho e em casa?

Pode ser muito proveitoso usar o pensamento autobiográfico, uma conversa consigo próprio/a, que também pode ser a escrita de si, para repensar os significados da carreira, em plena pandemia. E, através dessa reflexão, construir uma nova visão sobre o futuro, assente no trabalho, na família, nalgum hobbie, ou mesmo, na vida pessoal. A ideia é não deixar que a sua história de vida, o significado da sua vida ou carreira, fique completamente dependente de um emprego ou de um empregador. Por outro lado, a regulação das nossas emoções pode auxiliar-nos, também, a manter a capacidade para navegar com direção, num mar tempestuoso, como parecem ser as circunstâncias em que viveremos em 2021. Implica ter atenção aos estados emocionais menos positivos e iniciar alguns cuidados para evitar que afetem severamente o nosso bem-estar. Por exemplo, cuidar dos outros e ajudá-los a sentirem-se bem, focar-se na resolução de algum problema em mãos, manter-se ocupado/a, a trabalhar noutras coisas, ou empenhar-se em realizar alguma atividade agradável pode melhorar o estado de espírito e ajudar a lidar com a adversidade ao longo do tempo.

Em termos sociais, prevemos também que em 2021 se façam notar implicações da pandemia no rendimento e no risco de marginalização, ou no agravamento destas situações, em vários grupos da população. O tipo de recursos, apoios e consequentes oportunidades a que terão acesso este ano terão seguramente impacto no seu emprego, educação, saúde mental e física e no seu nível de pobreza, que é, por sua vez, um fator que põe em risco o desenvolvimento humano, sobretudo no que toca às crianças. Sabe-se que as necessidades das pessoas com limitações socioeconómicas tendem a ser negligenciadas com alguma frequência, fruto de diferentes mecanismos (distanciamento cognitivo e físico da parte dos restantes grupos sociais, políticas globalmente mais dirigidas à classe média, mitos sobre a meritocracia, falta ou perda de exposição a vivências fora do seu grupo socioeconómico, falta de visibilidade na investigação, pouca atenção à sobreposição de fatores, visibilidade negativa nos media, …).

Prevê-se ser necessário, então, em 2021 promover um conhecimento e debate mais profundos, na nossa sociedade, sobre as condições de vida e tipos de solução para as pessoas mais vulneráveis e marginalizadas a nível social e económico. E dirigir esse conhecimento para o desenho e execução atempada de soluções destinadas ao número crescente de pessoas que poderá experimentar a pobreza, ou vê-la agravada, no nosso país. Para tal, podem ser convocados e concorrer, de forma especial, com a sua participação e questionamento ético, os nossos estudantes, docentes e investigadores, restantes profissionais, colaboradores e alumni da nossa academia.
 

Professora da Escola de Psicologia da UMinho e membro do Centro de Investigação em Psicologia (CIPsi) e da Associação de Psicologia da UMinho (aPsi)