Por um rendimento básico incondicional

30-04-2020

Roberto Merrill

Neste momento de extrema crise económica e social, não podemos permitir-nos deixar milhões de pessoas desprotegidas e ameaçadas na sua própria existência material.


A pandemia do coronavírus constitui uma crise sem precedentes que terá consequências económicas e sociais ainda mais profundas do que as geradas pela crise de 2008. Muitos de nós vamos ver reduzida a capacidade de conseguir pagar o custo económico das nossas necessidades básicas.

Neste contexto, não surpreende que a ideia de um Rendimento Básico Incondicional (RBI) seja cada vez mais defendida. Mesmo algumas pessoas ou instituições internacionais que sempre estiveram em desacordo com a ideia parecem estar a mudar de ponto de vista. Pensemos, por exemplo, no recente editorial do Financial Times onde se pode ler que “[...] a redistribuição deve estar na agenda; os privilégios dos mais ricos devem ser questionados. Políticas até então consideradas excêntricas, como o RBI ou um imposto sobre a riqueza, devem começar a ser consideradas”.
 
Mesmo se formos contra a universalidade e a incondicionalidade do RBI e continuarmos a defender que apenas aqueles que realmente “merecem” devem receber ajuda, devemos ter em conta que quando estabelecemos um limite ou uma linha económica ao determinar quem tem direito a receber ajuda e quem não tem, podemos cometer dois tipos de erros. O primeiro é que alguém que recebe um auxílio poder dizer estar abaixo dessa linha, quando na verdade não está. Nesse caso, essas pessoas serão acusadas de serem free-riders. O segundo tipo de erro é alguém não receber ajuda, embora na verdade esteja ao nível ou abaixo da linha estabelecida. Nesse caso, tratam-se de erros administrativos ou de um design inadequado do sistema. Se o Estado concede um benefício económico a alguém que “realmente não merece”, caímos no primeiro erro; se não for concedido a alguém que “realmente precisa”, o erro é muito mais grave em termos económicos e inaceitável do ponto de vista moral e da justiça social.

O RBI é a medida que permite evitar estes erros, com menores encargos moralistas e processuais, impedindo a criação de novas “teias” burocráticas de processamento documental, identificação de quem é mais ou menos “bom” pobre, mais ou menos necessitado e de quem deverá receber “quanto e porquê”. Se como sabemos as armadilhas burocráticas são já dispendiosas e intrusivas em tempos ditos normais, em tempos “excecionais” como vivemos, a sua existência tem um potencial ainda mais negativo.
 
Os nossos governos têm muitos recursos à disposição para reduzir a pobreza e a desigualdade e devem fazer mais para combater estes flagelos, especialmente num momento tão dramático como o que vivemos. Um RBI seria um mecanismo simples e ao mesmo tempo mais eficaz para lidar com a situação atual. Aqueles que realmente não precisarem de um RBI irão de qualquer maneira devolver ex post a quantia recebida por via dos impostos. Desta forma, garantimos que todos aqueles que realmente precisam de ajuda não fiquem desprotegidos por causa de um mau funcionamento administrativo ou de um design deficiente do sistema de proteção social. Num momento de extrema crise económica e social como a atual, não podemos permitir-nos deixar milhões de pessoas desprotegidas e ameaçadas na sua própria existência material. É hora de fazer políticas económicas ousadas e corajosas. Um RBI de emergência pode ser um bom começo nesse sentido. 


Professor do Departamento de Filosofia do Instituto de Letras e Ciências Humanas da UMinho (ILCH), investigador do Centro de Ética, Política e Sociedade (CEPS) e cocoordenador do projeto UBIEXP