A nossa poeta multipremiada faz sucesso em Pequim

30-04-2020 | Catarina Dias

Na apresentação do livro "A Transfiguração da Fome", na livraria Centésima Página, em Braga

Com Isabel Cristina Mateus, professora do Instituto de Letras e Ciências Humanas da UMinho, no lançamento do seu último livro de poesia

Em 2010, no Mosteiro de Tibães, em Braga, com estudantes de Português Língua Estrangeira, do BabeliUM

Quando ainda era estudante numa competição nacional universitária de taekwondo, que decorreu na UMinho

Com os escritores Kalaf Epalanga e Julián Fuks, no Festival Literário de Macau 2018

A dinamizar um workshop de poesia em Pequim

Numa edição do evento "Spittunes", a recitar poesia ao lado do guitarrista americano Eric Allen e do australiano James Thomason no baixo, numa galeria de arte da capital chinesa

"Art Battle", uma iniciativa promovida pelo coletivo artístico Spittoon

Na conhecida 798 Art Zone, em Pequim

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Sara F. Costa

Aos 32 anos, tem cinco livros publicados e poemas traduzidos para sete línguas. A vencedora do Prémio Glória de Sant’Anna 2019 e alumna de Línguas e Culturas Orientais vive na China. É também escritora de ficção, tradutora, professora de línguas e coordena o coletivo artístico Spittoon.


Recorda-se do primeiro dia na UMinho?
Sim, recordo-me. Estava cheia de expectativas. Queria muito conhecer os meus professores e ter uma ideia mais clara dos conteúdos do currículo da licenciatura. Por outro lado, foi quando descobri que era anti-praxe, pois não gostei nada de ser abordada pelos colegas mais velhos [risos].

A licenciatura de Línguas e Culturas Orientais , ligada ao Instituto de Letras e Ciências Humanas (ILCH), foi a sua primeira opção?
Sim.

De que momentos guarda mais recordações?
Lembro-me de sentir que era um privilégio estudar Chinês e Japonês, ainda que isso fosse um tremendo desafio. Dias e noites a fio a encher páginas com caracteres repetidos! Também me recordo de outros aspetos, desde saídas à noite até à participação na vida desportiva e cultural da universidade. Fiz parte do Teatro Universitário do Minho e pratiquei viet vo dao e taekwondo. Tenho demasiadas memórias para poder aqui sintetizar tudo!

Na UMinho completou ainda o mestrado em Estudos Interculturais: Português/Chinês, em parceria com a Universidade de Estudos Estrangeiros de Tianjin. Foi à boleia desta parceria que conseguiu estudar uma temporada na China. Como correu?
Foi excelente! Consegui ter uma bolsa de estudo do governo chinês e conhecer a cidade de Tianjin em 2008. Andamos três anos a preparar-nos para esse momento e, quando acontece, queremos aproveitar ao máximo, tanto a experiência cultural como a oportunidade para pôr em prática conhecimentos linguísticos. Foi a primeira vez que viajei para a China e para o Japão. Foi uma fase de enorme crescimento e de muita aprendizagem. Os chineses são bastante rigorosos no ensino e melhorei muito o meu Mandarim em apenas um ano. Para quem tem um fascínio pela Ásia desde criança, como eu, foi uma oferta formativa que tornou possível a concretização de muitos sonhos.

Como foi a sua transição para o mercado de trabalho?
Tentei um pouco de tudo. Acho que é para isso que servem os 20s. Fui convidada pelo BabeliUM - Centro de Línguas da UMinho para dar aulas de Português Língua Estrangeira (PLE) e esse foi o meu primeiro trabalho. Depois tornei-me professora assistente no Instituto Politécnico de Leiria, onde também ensinei PLE, bem como Mandarim e História das relações entre Portugal e o Oriente. Infelizmente, as condições de trabalho no ensino superior estavam a precarizar-se e tive de abandonar a carreira académica.

Chegou a ser consultora de investimento chinês em Portugal...
Sim. Em 2013 aceitei o meu primeiro emprego numa empresa: intérprete de Mandarim num resort de luxo do Algarve. Não sabia exatamente o que ia fazer para além do trabalho de interpretação. Só depois é que percebi que ia trabalhar na venda de imóveis para o mercado chinês [risos].

A formação da UMinho contribuiu para o seu desempenho profissional?
Foi mais na área das humanidades. Foi, sobretudo, uma formação linguística com um pouco de Geografia, História, Filosofia e algumas noções sobre Gestão e o universo empresarial. Sem dúvida que é importante ter uma formação sólida em áreas mais técnicas, como, por exemplo, em língua estrangeira. No entanto, muitas outras funções exigidas no mundo do trabalho acabam por ser assimiladas à medida que se vai trabalhando. Acredito que é possível atingir desempenhos profissionais muito diversos com uma formação como a minha, mas isso também depende da capacidade de adaptação à realidade do mercado de trabalho e das suas necessidades específicas.


“Tudo para mim é traduzível em poesia”

Já lançou várias obras e tem poemas publicados um pouco por todo o mundo e traduzidos em sete línguas. O último livro, A Transfiguração da Fome”, conquistou o Prémio Literário Internacional Glória de Sant’Anna 2019 de melhor obra de poesia publicada em países de línguas portuguesa. O que representam para si esses galardões?
Eu queria que os meus livros fossem publicados e encontrei nos prémios literários uma via para alcançar esse fim. Quando se pertence a meios mais centralizados e se conhece as pessoas certas, consegue-se ser publicado muitas vezes sem se ter necessariamente muita qualidade literária. Quando se é relativamente periférico - uma periferia geográfica e emocional - não se consegue chegar tão facilmente às pessoas. Os prémios são uma forma de pré-seleção que me parece fazer muito sentido. Os concursos literários são sempre constituídos por júris qualificados que percebem de literatura e poesia. A relação entre os meios literários e os prémios é um pouco confusa. Por um lado, gosta-se da distinção e da atenção, por outro não se pode demonstrar demasiada imodéstia. Os meios dos escritores e dos artistas são sempre muito delicados. Um prémio literário atribuído a um inédito ou a um escritor publicado numa pequena editora diz-me muito mais sobre a sua qualidade literária do que o livro de alguém publicado num grande grupo económico que, por acaso, também edita literatura.

De onde vem esta paixão pelas palavras?
Tanto a paixão pela Ásia como pela escrita vêm da infância. Na primária tínhamos umas mesas ao fundo da sala com vários livros. A professora dizia que ali era a biblioteca. Um dia decidi escrever num caderno uma série de histórias, desenhei uma capa, dei-lhe um título, assinei-o e fui lá pôr o meu livro improvisado junto aos outros. Hoje, podia dar-lhe o nome pomposo de chapbook [risos]. Já queria ser autora nessa altura.

O que inspira a sua poesia?
Absolutamente tudo. Posso escrever sobre o amor, o ódio, as minhas viagens ou posso escrever, por exemplo, sobre o meu bebé de dois meses. Toda a experiência é para mim traduzível em poesia.

E o que faz quando está em crise de inspiração?
Normalmente, não faço nada. Não escrevo. Eu sei que se num dia não estiver a sair o poema que eu preciso para uma antologia, para enviar para uma revista ou para completar um livro, posso acordar no dia seguinte e ter energia para redigir meia dúzia de poemas seguidos. Às vezes só preciso disso: de dormir. Sou mais disciplinada quando escrevo ficção. Tenho normalmente um horário para escrever e escrevo sempre, independentemente de me apetecer mais ou menos. Sento-me e escrevo. É o maior segredo para o sucesso. Simples, não é [risos]?

Acaba de lançar a obra Poética Não Oficial, Poesia Contemporânea Chinesa”, uma seleção e tradução de 33 poetas da cena literária underground. Acha importante dar palco a vozes apagadas”?
Não são, de forma alguma, vozes apagadas. Alguns dos poetas selecionados são dos mais lidos na poesia contemporânea chinesa, dentro e fora do país. Nem todos os escritores são censurados - haverá alguns que sim, mas uma pequena minoria. Não são é poetas oficiais - porque os chineses determinam poetas oficiais que representam o Estado, os seus ideais e as suas diretrizes, até estéticas e rítmicas -, daí a noção de serem underground.

Foi responsável pelo trabalho de tradução?
Sim. Selecionei os poemas e traduzi-os diretamente do Mandarim. A maior parte dos poemas desta obra nunca tinha sido traduzida para nenhuma língua.

Em 2018 decidiu mudar a sua vida para Pequim. Por algum motivo em particular?
Eu e o meu marido precisávamos de voltar à China. Estudámos lá em 2008, mas sabíamos que passados dez anos iríamos precisar de refrescar o nosso conhecimento. Apesar de termos estado sempre ligados e feito inúmeras viagens à China desde então, decidimos que ainda tínhamos um unfinished business com aquele país e que precisávamos de nos atualizar e aprofundar conhecimentos. Decidimos mudar radicalmente e emigrar para Pequim.

Está muito ligada à vertente cultural e artística da cidade. Explique-nos o que faz em termos profissionais.
Sim, estou a trabalhar para o Spittoon, um coletivo composto por artistas e escritores que pretendem estruturar, unir e providenciar uma plataforma para a próspera comunidade artística e internacional da cidade. O trabalho desenvolvido passa pelo lançamento de uma revista literária e de uma publicação online de ficção e poesia em inglês e chinês, disponível em www.spittooncollective.com, bem como pela realização de sessões de leitura de poesia e de ficção e eventos de slam poetry. Recentemente fiz parte da organização do modelo internacional da competição de pintura Art Battle, realizada este ano pela primeira vez em Pequim. Organizamos ainda o Spittunes, um evento muito apreciado pela comunidade, porque junta músicos com poetas que desenvolvem projetos originais e depois dão concertos em várias cidades chinesas. Há sempre novas ideias a surgirem do contacto entre artistas. O Spittoon foi fundado há quatro anos pelo poeta britânico Matthew Byrne, que já tinha experiência na criação de comunidades artísticas em Manchester, no Reino Unido. O nosso modelo está a funcionar particularmente bem, porque a cena alternativa artística em Pequim está a crescer exponencialmente.

Como é viver na China em tempos de pandemia?
Vim para Portugal em janeiro para ter o meu filho, pelo que escapei a essa experiência. Pretendo regressar logo que possível para finalmente me juntar ao meu marido, mas neste momento estamos legalmente separados por fronteiras fechadas.

Ainda mantém ligação com colegas da UMinho?
Mantenho contacto com alguns colegas e professores. E estou casada com um dos meus colegas [risos]!



Quem é Sara F. Costa?

Nascida em 1987 em Oliveira de Azeméis, no distrito de Aveiro, Sara F. Costa é autora dos livros “A Melancolia das Mãos e Outros Rasgos” (Editora Pé de Página, 2003), “Uma Devastação Inteligente” (Atelier Editorial, 2008), “O Sono Extenso” (Âncora Editora, 2012), “O Movimento Impróprio do Mundo” (Âncora Editora, 2016) e “A Transfiguração da Fome” (Editora Labirinto, 2018). Mais recentemente coordenou e traduziu a obra “Poética Não Oficial - Poesia Chinesa Contemporânea” (Editora Labirinto, 2020).

O seu trabalho tem sido destacado com diversos prémios literários, desde o seu primeiro livro de poesia aos 16 anos. Como poeta europeia emergente, participou, em 2017, no Festival Internacional de Poesia e Literatura de Istambul e, em 2018, fez parte da organização do Festival Literário de Macau e do Festival Internacional de Literatura entre a China e a União Europeia, que decorreu em Shanghai e Suzhou. Em 2019 foi convidada para a segunda edicão das Chair Poetry Evenings em Calcutá, na Índia. Para além da poesia, escreve também ficção e traduz literatura chinesa para Português e Inglês. Sara F. Costa reside em Pequim, onde coordena eventos literários internacionais no coletivo artístico Spittoon.


Um livro. Fronteira”, de Can Xue.
Um filme. Oldboy”, de Park Chan-Wook.
Uma música. John My Beloved”, de Sufjan Stevens.
Um videojogo. "Street Fighter".
Um clube. Futebol Clube do Porto.
Um desporto. Taekwondo.
Uma viagem. Rota 66, nos EUA.
Uma cidade. Pequim.
Um passatempo. Ler.
Um vício. Fumar.
Um prato. Francesinha.
Uma personalidade. Noam Chomsky.
Um momento. Ver o meu filho pela primeira vez.
UMinho. Saudades! Muitas!