A quarentena abre novas oportunidades

31-03-2020 | Nuno Passos

Aprender a fazer pratos diferentes e caprichados e em grupo é uma mais-valia nesta fase

Muitos pais em teletrabalho rentabilizam o tempo que era passado no trânsito e fora de casa para brincar mais com os filhos

Laura Brito fez toda a formação superior na UMinho e faz parte do seu Centro de Investigação em Psicologia, em Braga

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Políticas de isolamento social impostas em muitos países face à pandemia afetam a economia e criam ansiedade, mas estão a renovar relações, atividades e formas de cultura, diz a psicóloga Laura Brito.




Perante o atual quadro de pandemia, vivemos momentos difíceis e um clima de stress e receio, o que é normal, mas também podemos olhar para esta fase sobretudo como uma oportunidade, afirma Laura Brito, investigadora do Grupo de Investigação em Saúde Familiar & Doença da Unidade de Investigação de Saúde, Bem-Estar e Rendimento do CIPsi – Centro de Investigação em Psicologia da UMinho. A rotina dos portugueses tem sido feita basicamente em casa. Por isso, diz, “é muito importante planear as próximas semanas e em sintonia com quem vivemos, partilhando tarefas, conversas e transformando o ambiente em momentos diferentes”. Para quem está só, como os idosos, é fulcral “sensibilizá-los e apoiá-los para que não saiam de casa”.
 
Laura Brito nota que o ser humano tem uma grande capacidade de adaptação. Num ápice, passamos a realizar ensino à distância, encontros por videoconferência e cozinhados à la YouTube. A generalização de vlogs, brincadeiras e desafios digitais mostra como as pessoas estão dispostas a aliviar a ansiedade e a tornar a vida mais agradável. “A nossa rotina mudou, o contexto de trabalho e de casa é cada vez mais o mesmo e devemos valorizar esta nova realidade”, devolve a psicóloga.
 
Uma das principais preocupações é manter o emprego e pagar despesas, num país em que há cada vez mais vínculos laborais precários e em que diversos setores económicos estagnaram. “Tudo isso é importante, mas há novas medidas políticas para ajudar com esse problema e, agora, a prioridade é mesmo a segurança da família, apoiarmo-nos uns aos outros e na comunidade”, defende Laura Brito, para completar a ideia: “Quando conseguirmos sair da quarentena, aí sim, virá outra etapa. Portugal já ultrapassou dificuldades económicas e temos grande resiliência. Os nossos pais também se tiveram que adaptar a mudanças, a tecnologias e a outros contextos”.


Partilhar tarefas e respeitar silêncios
 
E como se gere o quotidiano familiar confinado a quatro paredes, evitando riscos de violência doméstica, divórcio e pressões? “Esta conjuntura permite às famílias estarem mais próximas, fisicamente e online, compensando ausências que a vida e o trabalho até aqui não permitiam”, refere a investigadora. Assim, é imperioso definir metas claras a curto prazo, como cumprir horários de sono e de refeições (saudáveis, para um bom sistema imunitário) e praticar exercício físico (os vídeos online ajudam). “Deve-se distribuir tarefas domésticas adequadas à idade de cada familiar. Deve-se partilhar desde medos e opiniões até momentos como refeições, séries de TV, jogos de tabuleiro, trabalhos manuais e oficinais, jardinagem, andar de bicicleta ou fazer atividades ao ar livre”, enumera Laura Brito. Esta postura leva a aprender em conjunto e a olhar o ambiente e transformá-lo com união e empatia, anui. Quanto às relações interpessoais, “este é um grande teste”: “Exige muito diálogo e compreensão, colaboração nas tarefas e respeito pelos momentos de silêncio, pois também precisamos do nosso espaço para relaxar, refletir e imaginar”.
 
Certo. E como conjugar teletrabalho adulto com crianças em modo férias, mas com professores a pressionar com TPC e vídeo-aulas? “Os miúdos adaptam-se facilmente às coisas, sobretudo nas tecnologias. Tem que lhes ser bem explicado o que está em causa, planear-se bem os dias com horários para trabalhar, para lazer e para ações comuns e, sim, tem que haver apoio entre os adultos”, admite a psicóloga. A calendarização ajuda a evitar a dependência de ecrãs (TV, tablet, consola, smartphone), a expressão “quero jogar mais” e a pressão ocular. “Ao saltar entre ações, a criança pode sentir-se mais envolvida, motivada, valorizada e saudável”, situa.

Em relação à privacidade, uma videochamada de trabalho com alguém que aparece ao fundo a passar seminu ou a gritar levanta questões. Laura Brito desvaloriza: “Há que ter bom senso e aceitar. Será que antes já não tínhamos divulgado aspetos domésticos sob outras formas?”. Relativamente a profissionais como atletas de alta competição, a solução é treinar em casa e com acompanhamento online. “Todos nós temos que adotar estratégias de autorregulação emocional, resiliência, motivação e focar-nos nos objetivos mais próximos”, realça.



Apoiar e conversar com idosos

No caso dos idosos isolados, a situação “é bastante delicada”. “Temos que trabalhar em comunidade e auxiliar a pessoa sozinha, como manter a sua comunicação regular com a família, ainda que seja por redes sociais, telemóvel ou videochamada, ou então com o vizinho que converse da janela ou do muro e lhe faça as compras de forma voluntária para que não saia de casa nem se exponha ao vírus”, sugere. Laura Brito lembra que, neste grupo etário, a literacia em saúde é em geral baixa e que os próprios idosos podem não aceitar a mensagem ou abordagem dos filhos, mas é essencial que conheçam as recomendações da Direção-Geral de Saúde e da Organização Mundial de Saúde. “Para quem tem demência, é importante referir ações e não factos, como exemplificar ou mostrar imagens sobre a lavagem correta das mãos, para se memorizar”, contextualiza. Em simultâneo, deve-se manter o cérebro e o corpo ativo, a alimentação equilibrada, as rotinas, vigiar a saúde e evitar acidentes. Nos lares, “procura-se desenvolver também competências cognitivas e sociais e o contacto à distância com entes próximos”.
 
Laura Brito fez toda a sua formação superior na UMinho: é licenciada em Psicologia, mestre em Psicologia da Saúde e atualmente doutoranda em Psicologia Aplicada, com uma tese sobre cuidadores informais de pessoas com demência, que se integra no "Projeto IADem de Investigação-Ação nas Demências" e é uma parceria entre o CIPsi, a Santa Casa de Misericórdia de Ponte da Barca e a Unidade Local de Saúde do Alto Minho, em Viana do Castelo.