O modelo de ensino híbrido "garante a melhor qualidade de aprendizagem"

27-05-2020 | Daniel Vieira da Silva

José Alberto Lencastre concluiu na UMinho o doutoramento em Educação - especialização em Tecnologia Educativa (2009), com uma tese sobre a educação online

O ensino à distância é uma realidade na UMinho ha algum tempo (Foto: Shutterstock)

O modelo híbrido está a ser adotado pelas unidades orgânicas de ensino e investigação da UMinho (Foto: Freepik)

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José Alberto Lencastre, do Instituto de Educação, não tem dúvidas das vantagens da utilização de um modelo que junta o ensino presencial e à distância.






Numa altura em que muito se discute acerca das novas abordagens de ensino, José Alberto Lencastre, professor do Instituto de Educação da UMinho (IE) e membro do Centro de Investigação em Educação (CIEd), está otimista quanto ao futuro e não tem dúvidas que estão criadas as condições para uma mudança efetiva. As dificuldades, os desafios, as vantagens e a nova forma de ensinar são alguns temas analisados na entrevista ao NÓS. Mestre e doutor em Educação pela UMinho, com especialização em Tecnologia Educativa, tem como áreas de interesse na sua investigação a educação online, o desenho de cursos online, a usabilidade e, ultimamente, as pedagogias inovadoras, em especial o flipped learningdigital storytellinggamicationgame-based learning e mobile learning.


A pandemia obrigou, de uma forma forçada e repentina, à adoção generalizada de metodologias de ensino à distância. Considera que os docentes e estudantes estavam preparados para esta passagem?
A perceção que tenho é que ninguém estava preparado, principalmente para ser “obrigado” e “de uma forma forçada e repentina”. Nem os professores nem os estudantes. Essa foi uma ocasião completamente excecional, mais pela forma como aconteceu do que por ter acontecido. A introdução da tecnologia no ensino e a possibilidade de (também) se ensinar à distância era algo que se antevia há algum tempo, era mais uma questão de saber quando. É natural que alguns se tenham preparado mais rapidamente do que outros, e aqui falo tanto dos professores como dos estudantes. Mas é preciso também dizer que muitos professores já se vinham movimentando, já vinham ensaiando práticas pedagógicas inovadoras utilizando tecnologia para o reforço das competências dos estudantes. Outros já estavam com um pé no modelo híbrido (nas suas diferentes formas), num balanço entre o presencial e à distância. Temos no IE um mestrado com uma área de especialização em Tecnologia Educativa que funciona num modelo de blended learning desde o ano letivo de 2009/2010 e com excelentes resultados.

Que principais dificuldades encontram os docentes e estudantes neste modelo?
Não creio que seja a tecnologia, que poderia ser a resposta esperada. Penso que é o “tempo”, sob duas perspetivas. Por um lado, a “falta de tempo”. Ter sido “de forma forçada e repentina” não deu tempo a muitos para experimentar, para se apropriar de novos modelos pedagógicos distintos do paradigma presencial, saber como balancear momentos assíncronos com síncronos, tanto professores como estudantes. A outra perspetiva do “tempo” é que agora somos todos, docentes e estudantes, trabalhadores de 24 sobre 24 horas. Há uma espécie de “ditadura do tempo”...

Parece que temos que estar sempre disponíveis.
Quem tem por hábito trabalhar online sabe que este modelo pode ser mais exigente do que muitas aulas presenciais ativas. Passar de um modelo de ensino presencial, amadurecido ao longo de dezenas de anos, para um modelo 100% à distância é um desafio. Sobretudo para os estudantes, a maior dificuldade é assumir o controlo do seu processo de aprendizagem. Alguns, apesar de reconhecerem as vantagens, não estão completamente preparados para as mudanças de paradigma. Se fosse possível (re)escrever estes últimos meses, diria que passar pela experiência de um modelo de blended learning teria sido melhor. Acho que é isso que aí vem. E bem.

Que desafios lhes são colocados? 
As mudanças de paradigma são sempre complexas. No entanto, apesar de este ensino à distância prever que professores e alunos tenham competências digitais, diria que o maior desafio não é a tecnologia. Alguns professores podem não estar a par das metodologias de ensino e de aprendizagem online. Quem não se preparou para diversificar os seus modelos de ensino usando o online, tem um grande desafio pela frente.
 
De que forma podem coabitar ensino presencial e à distância? Este sistema híbrido é essencial?
O ensino presencial e à distância podem e devem coexistir. A minha expectativa é que, a partir de agora, “andem de mãos dadas”. Os nossos estudantes requerem cada vez mais canais de aprendizagem diferentes, mais interatividade e mobilidade. Um modelo presencial não responde completamente a este desafio. Assim, a sala de aula pode ser complementada com a casa de cada um. O modelo híbrido (blended-learning) apresenta-se como uma metodologia alternativa. Desta forma, o estudante pode tirar todo o proveito das ferramentas e documentos multimédia disponíveis online, com a segurança e conforto de ter também, regularmente, o professor na sala de aula presencial.

De que forma?
Acedendo aos diversos recursos (textos, imagens digitais (ou digitalizadas), vídeos, correio eletrónico, links para fontes externas de informações, áudio e/ou videoconferência, possibilidade de criação de fóruns. Os estudantes podem aceder quantas vezes desejarem, procurar informações adicionais online, enviar perguntas... Esse processo de aprendizagem desenvolve a capacidade de pesquisar e selecionar a informação. Assim, aumenta a capacidade de independência e iniciativa e incrementa o espírito crítico do estudante. Na sala de aula presencial com o professor e os colegas, o estudante explora o que aprendeu individualmente. Pode investir na prática laboratorial e no trabalho colaborativo. Neste contexto, a sala de aula presencial passa a ser um espaço de relacionamento com os outros, que é uma dimensão importantíssima do processo educativo.

 

A avaliação online pode ser um desafio, mas não é um problema

A utilização de tecnologias educacionais obriga a uma redefinição dos planos curriculares?
O currículo não é um conjunto de conteúdos a transmitir, mas um conjunto de aprendizagens. E isso é procurado da mesma forma no ensino presencial e no ensino à distância.

Consegue-se garantir os mesmos níveis de qualidade no ensino?
Não tenho dúvidas. Seja qual for o modelo de ensino, o papel do professor é cultivar uma aprendizagem de qualidade nos seus estudantes. Este objetivo consegue-se no ensino presencial, consegue-se no ensino a distância e acredito que se consiga ainda mais e melhor no modelo híbrido. À medida que a educação progride para uma experiência cada vez mais interativa, novos modelos surgirão para facilitar esse objetivo.

A avaliação à distância garante a mesma fiabilidade?
Isso parece ser um grande problema, mais pela dificuldade em garantir a autoria dos trabalhos realizados. Não partilho desta preocupação, porque penso que só advém pela tendência para usar uma lógica do modelo presencial. Há muitos instrumentos para avaliar à distância tendo em consideração cada situação particular, de que são exemplo os registos automáticos obtidos pelas plataformas que permitem o controlo da assiduidade, os contributos nos fóruns de discussão passiveis de avaliação em si mesmos, o chat, os portfólios digitais, os relatórios de autoavaliação, a videoconferência... Pode ser um desafio, mas não é um problema.
 


Da aprendizagem invertida à baseada em jogos

Que principais recomendações se pode dar aos docentes para que se consigam adequar eficazmente?
Este momento social é sem precedentes, mas uma oportunidade única para os docentes, também. A Internet aliada à potencialidade das tecnologias multimédia prefigura um novo cenário de oportunidades para os estudantes, porque um ensino individualizado pode assim ser mais facilmente implementado, respeitando o ritmo e o tempo de aprendizagem de cada um, mudando definitivamente o foco do professor para o estudante; por outro lado, a utilização da Internet e de tecnologias multimédia é uma das vertentes mais inovadoras, pela interatividade e estimulação plurisensorial que permite. A minha recomendação seria que os professores se familiarizassem com modelos que são perfeitos para o ensino e aprendizagem online, como a aprendizagem invertida (flipped learning), a gamificação (gamification), a aprendizagem baseada em jogos (game-based learning), as narrativas digitais multimodais (storytelling), explorar primeiro (explore first), aprender explicando (teachback at a distance), entre outros modelos pedagógicos. Deixo a dica para espreitarem os cadernos sobre Pedagogias Inovadoras da Open University.
 
Os docentes mais jovens poderão conseguir adaptar-se mais eficazmente ao novo método?
Não acredito que a questão se coloque na idade dos docentes. Estou envolvido no projeto REKINDLE+50, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, que pretende ajudar a (re)encantar a profissão docente depois dos 50 anos. As experiências que tenho tido com os chamados professores “veteranos” que estão connosco no projeto têm-me mostrado que a vontade de mudança nada tem a ver com a idade.
 
Poderá um bom professor numa sala de aula ser um professor menos bom em ambiente online?
Pode acontecer. Sobretudo para quem não gostar de lecionar online nem de ter um computador entre si e o estudante. E quando não se gosta é mais difícil fazer bem. Tenho como referencial nas minhas aulas o que faço com as orientações de trabalhos de mestrado e doutoramento: ser alguém que ajuda se o estudante precisar. A educação online permite isso: centrar no estudante o processo de aprendizagem e o professor ser alguém que acompanha esse processo.
 
Está a UMinho pronta para esta nova realidade?
Claro. A resposta dada nestes dois meses mostra isso mesmo. O Gabinete de Apoio ao Ensino (GAE) vem auxiliando muitos docentes na utilização de tecnologias de e-learning. O Centro IDEA vem promovendo formações sobre inovação pedagógica para o ensino à distância, em estreita articulação com as Escolas. Por outro lado, verifico que estas estão já a pensar no próximo ano letivo e, quaisquer que sejam as motivações, apostando no modelo híbrido, entre o presencial e à distância, mostra que se está a preparar a nova realidade. Estão criadas as condições. O trabalho colaborativo nunca foi tão efetivo. Acredito que nunca tivemos tão boas condições para a mudança como agora.




A UMinho "está pronta" para um ensino de qualidade mais digital

  Manuel João Costa, pró-reitor para os Assuntos Estudantis e Inovação Pedagógica,
  também aborda o tema ao NÓS. Frisa que a UMinho está pronta para continuar a
  proporcionar educação superior de qualidade  aos estudantes, ao mesmo tempo que
  elogia o esforço de várias estruturas para que esta transição entre o ensino presencial
  e o ensino à distância fosse possível.


 


Que principais dificuldades encontram docentes e estudantes no ensino à distância?

Prendem-se com situações às quais o ensino à distância não se ajusta aos objetivos de aprendizagem. Por exemplo, as experiências de aprendizagem em instituições profissionais (estágios em empresas, instituições de saúde), atividades     experimentais em laboratório, atividades que impliquem projetos materiais (como em unidades curriculares de Design ou Arquitetura) e ainda as atividades de desenvolvimento artístico ou recreativo caraterísticas de cursos como Música ou Teatro.
 
Que desafios terá para que este modelo seja o mais justo e inclusivo possível?
Relativamente à inclusão, o desafio inicial foi a disponibilidade de equipamentos e de condições de rede adequados, elementos que não estavam ao alcance de todos na nossa comunidade. A UMinho e a Associação Académica agiram com celeridade e supriram todas as situações de estudantes que chegaram ao seu conhecimento. Num segundo nível, há desafios relevantes associados ao grau de competências digitais de cada participante. Naturalmente, um menor à-vontade com tecnologias digitais poderá resultar em mais dificuldades para atingir os mesmos objetivos. A outro nível, existe o desafio de adequar os materiais à aprendizagem de estudantes com necessidades educativas especiais. A esse respeito, assumiu relevância a atividade de apoio aos estudantes do Gabinete para a Inclusão.
 
Está a UMinho pronta para esta nova realidade?
A UMinho é hoje reconhecida pela capacidade e qualidade da sua resposta à necessidade de fazer a transição de emergência de todo o ensino presencial para ensino remoto. Para isso, foi crucial a competência e a disponibilidade do seu corpo docente e das suas estruturas pedagógicas. Adicionalmente,  demonstrou-se que a UMinho possuía ou conseguiu mobilizar em tempo útil os recursos tecnológicos, as equipas capazes para apoiar a adaptação à nova realidade digital (como o GAE e o Centro IDEA) e também a maturidade adequada em termos de competências digitais na sua comunidade. A aprendizagem que teve lugar desde março de 2020 acrescentou uma experiência valiosa a estes ingredientes, pelo que a UMinho está seguramente pronta para continuar a proporcionar uma educação superior de qualidade, em novos cenários em que a presença digital será mais evidente.