Os primeiros tempos no campus de Gualtar "foram especiais"

30-11-2020 | Nuno Passos | Fotos: Nuno Gonçalves

1 / 5

Adalberto Gonçalves

O bracarense de 61 anos trabalha na UMinho há quase 35. É assistente técnico do Gabinete do Administrador, estando nos bastidores de muitas cerimónias da instituição, além de apoiar congressos e aulas.


Que recordações tem da infância?
Sempre vivi em Lomar [em Braga], salvo um ano e meio após casar. Tive uma infância normal daquela época, fazia as próprias trotinetes e carrinhos de rolamentos… Queria ser mecânico de automóveis e tinha jeito para “mexer em parafusos”; abria carrinhos, despertadores, tudo o que aparecia. O meu pai emigrou para a Alemanha e fiz do 5º ao 8º ano em Kehl, colada à fronteira com Estrasburgo [em França], que eu conhecia como Braga. Entretanto, o meu pai veio até Braga e perguntou a um amigo de infância, chefe dos guardas da Universidade do Minho, se saberia de vagas de trabalho. “Olhe, por acaso estamos a precisar de gente.” E foi assim que me inscrevi.
 
E acabou por entrar na UMinho.
Sim, em fevereiro de 1986. A segurança não era assegurada por uma empresa, como agora, mas por funcionários da casa. Em Braga tínhamos vários edifícios: na Abade da Loureira, no Castelo, nos Congregados, nos pavilhões “da” Rodovia, na rua D. Pedro V… Ainda não existia campus de Gualtar. Nos primeiros cinco meses fiquei no edifício do Castelo, onde estava Economia e Gestão com salas de aula e de informática. Depois fiquei alguns meses no Largo do Paço, até que surgiu na universidade uma oportunidade para assistente administrativo, em frente à Gulbenkian. Como guarda trabalhava por vezes à noite e ao fim de semana e, por isso, concorri e ganhei. O sr. reitor chamou-me e perguntou-me se, em alternativa, eu preferia vir para Gualtar, que sera o futuro da UMinho. Assim foi, em 1988/89. Serei dos funcionários mais antigos a trabalhar em Gualtar. Vim trabalhar com o sr. [António] Mota. Ajudamos a equipar algumas valências, como o Instituto de Letras e Ciências Humanas [ILCH]. Pertenci aos Serviços Académicos, depois aos Serviços Técnicos, ao Gabinete de Apoio ao Ensino e, agora, estou afeto ao Gabinete do Administrador.
 
Que atividades foi desenvolvendo?
A universidade estava a ser criada. Lembro-me com saudades. Éramos poucos e havia muita união. Conhecíamo-nos todos, hoje não devo conhecer metade dos colegas de trabalho. Entretanto, nas Letras trabalhava o sr. Dinis, que pediu algum apoio no auditório A1 ao sr. Mota e lá fui, envolvendo-me mais no audiovisual. Surgiram os projetores, com uma placa vidrada a projetar na parede o que havia no computador. Ainda hoje há docentes a pedir-me o chamado datashow. Havia igualmente projetores opacos, usados por exemplo para os livros em Arqueologia. Comecei a manejar os controlos a partir da cabine do A1, também câmaras, e o sr. Dinis aposentou-se. Surgiu depois surgiu o CP II [Complexo Pedagógico] com dois auditórios, a Biblioteca, os três auditórios do CP III, para além do apoio constante às aulas. Entretanto, fiz o 12º ano e há seis anos passei de assistente técnico para assistente técnico. Presto apoio nos auditórios do campus, nas salas de aula, bem como nos audiovisuais no Largo do Paço, nos Congregados e muitas vezes no campus de Azurém, em Guimarães.


É dos mais antigos em funções em Gualtar
 
estórias curiosas entre as centenas, talvez milhares de iniciativas que acompanhou?
Não me lembro de nenhuma em especial. Conheço todos os nossos reitores desde o professor João de Deus Pinheiro, além de Barbosa Romero. E passaram cá muitas figuras da sociedade. Fiz a técnica e audiovisual em diversos dias da Universidade, provas de doutoramento e agregação e outras sessões em vários espaços da academia. Já passaram por mim milhares de pessoas e tenho dificuldade em fixar caras, por isso é natural que as pessoas me cumprimentem na rua e eu não saiba quem são, mas devem ser certamente ligadas à UMinho. [risos]
 
Como tem sido a adaptação à pandemia?
Tem havido menos eventos e alguma preocupação. A minha idade obriga-me igualmente a que tenha mais cuidados.
 
Como tem reagido a comunidade académica?
Pelo que vejo, a maioria dos alunos e trabalhadores tem cuidado, mas alguns despreocupados são chamados à atenção, como sete ou oito colegas juntinhos, mesmo que tenham máscara. Sejam da casa ou de fora, as regras são para cumprir. Andar de máscara é aborrecido, até porque tenho óculos, mas adaptamo-nos e tem que ser. Não é uma brincadeira ou gripezinha, não há ainda vacina e temos que nos resguardar.
 
Quais são os seus planos futuros?
A pandemia obrigou-me a ficar alguns meses em casa e a repensar como ocuparei a reforma, não quero cair na monotonia de deixar o tempo e a vida passar. Por exemplo, no primeiro mês de pandemia dediquei-me ao quintal da minha mãe, depois à bricolage e até a um espaço para ninho de pássaros. Não sou de ficar no sofá.
 


Curiosidades
 
Um livro. É um dos bons passatempos para a reforma. Gostei d’“O Prémio”, de Irving Wallace, irei relê-lo. Adoro BD, como AstérixLucky Luke e os irmãos Dalton… E leio obras de Almeida Garrett ou Eça de Queirós, mas não aprecio tanto.
Um filme. O que mais me fez rir foi “Os deuses devem estar loucos”, de Jamie Uys. Vi nos anos 80 no cinema do Theatro Circo [Braga]. Nem sabia bem ao que ia e até dei saltos na cadeira! [risos]
Uma música. A “antiguinha”, como Deep PurplePink FloydWaterboysRolling Stones. Tenho bastantes LP em vinil. Depois apareceram os TáxiMão MortaUHF
Uma figura. A minha esposa Carminda, com quem aprendo muito. Chamo-lhe carinhosamente de Madre Teresa de Calcutá. Nunca diz que não a quem precisa e faz muito pelos outros, mais do que por ela.
Um passatempo. Caminhar – vou sempre do trabalho para casa pela ciclovia até Lomar, são 5 km junto ao rio Este e quando chove uso impermeável, botas e até vou a assobiar! No verão uso às vezes a bicicleta, mas não se pensa e sente tanto a natureza da mesma forma. Além disso, gosto de passear o cão (adoro-os, tenho uma pastora-alemã) e à sexta-feira jogo pingue-pongue e dominó com amigos, já lá vão quatro décadas. Ao sábado vou para Areias de Vilar [Barcelos] pescar e andar de canoa – é calmo e adorável na fauna e flora, vê-se lontras, garças, um vison americano… – ou, no verão, vou à zona protegida da foz do Cávado. E desde 2016 passei a colher cogumelos selvagens, mas importa saber bem os princípios, para evitar os venenosos, li muito e frequentei palestras. Também adoro a sensação de ouvir o silêncio no meio da floresta.
Um sítio. Areias de Vilar.
Uma causa. Há uns 20 anos fiz uma queixa de poluição nessa zona do Cávado. Um fulano fazia ali manutenção de camiões, tinha bidões de 250 litros de massa consistente que escorriam e já se via gordura no rio a 300, 500 metros de distância. Os jornalistas foram lá e, numa semana, o fulano desativou aquilo e o município adquiriu depois o espaço.
Um clube. SC Braga.
Um prato. Gosto de cozinhar e de me servir, não sou muito de restaurantes. Aprecio frango assado no forno ou cozido à portuguesa ou arroz de pato.
Um momento. O nascimento do meu filho Rui, tem 27 anos. A minha esposa ligou-me à uma da manhã a dizer que já o podia visitar às 8 da manhã. Pelo caminho, pensei como seria a cara dele e, quando o olhei, vi a cara do meu pai. Também quando era miúdo, na brincadeira, perdi o olho esquerdo, tenho agora uma prótese, e isso marcou-me.
Um vício. Deixei de fumar há quase 20 anos. Por isso, vícios… Bem, gosto de ocupar o tempo e de estar ligado à natureza.
Um sonho. Sou simples. Quero ver o meu neto, talvez nos próximos anos! [sorriso] Gostava de um dia conhecer o interior de África, como os PALOP e África do Sul, ou quem sabe Indonésia e Timor-Leste.
Um lema. Sinceridade. Fico revoltado com pessoas que mentem. Isso devia ser tomado mais a sério por todos. A não ser que se minta para sobreviver, como os muito pobres.
A UMinho. Penso sempre quando começámos no campus de Gualtar. Havia muita camaradagem e encontrávamo-nos no café. Sentia um grande orgulho em trabalhar cá, o que agora não é tão intenso, talvez seja da idade! [sorriso]