Duas dezenas de investigações da UMinho em Direito da UE foram laureadas na última década, em especial nos prémios Jacques Delors e Sousa Franco. É motivo de orgulho perceber esta dimensão e reconhecimento?
Então não temos motivo de orgulho? O ensino e a investigação em Direito da UE na UMinho são uma referência nacional e internacional, somos amplamente reconhecidos pela comunidade académica, mas também pelas autoridades nacionais e instituições europeias. Formámos uma geração de jovens juristas capazes de pensar o Direito da UE de uma forma crítica e construtiva, perspetivando soluções jurídicas propriamente inovadoras.
Daí as distinções…
Sim! Isso converte-se numa mais-valia que explica os prémios, pois o nosso universo jurídico de referência (que é nacional) tende a perturbar a compreensão dos meandros integradores da ordem jurídica europeia (que é supranacional). Combater esta tendência é a chave de uma relação de ensino e aprendizagem bem-sucedida.
A que fator se deve o reconhecimento da qualidade dos trabalhos?
São trabalhos que trazem a “marca d'água” do nosso ensino e investigação. É curioso que as vicissitudes da lecionação em circunstâncias pandémicas tenham introduzido o desígnio de cultivar a “proximidade à distância” e estimular o “trabalho autónomo”, recuperando as dinâmicas e o discurso de "aprendizagem ativa" prosseguidas pelo processo de Bolonha. Mas no âmbito do ensino do Direito da UE na EDUM já estávamos familiarizados com isso, não só porque os conteúdos do 1º ciclo de Direito têm de ser lecionados da mesma forma por toda a UE (independentemente da dicotomia civil law e common law), mas também porque a lecionação de Direito da UE no 2º ciclo foi pioneira na celebração de protocolos de dupla titulação com parceiros internacionais – o que desde sempre obrigou a um semestre de distanciamento físico em relação aos estudantes. Penso que os resultados do esforço de docentes, estudantes e investigadores estão à vista.
Que elementos diferenciadores tem a lecionação na UMinho?
Eu diria que a correta interpretação do Direito da UE depende da oferta de produtos formativos de qualidade adaptados às necessidades dos operadores jurídicos portugueses, por forma a que se familiarizem com a crescente presença daquele direito no quotidiano das administrações públicas e tribunais nacionais. Na EDUM procuramos conceder aos estudantes uma sólida formação quanto à ordem jurídica europeia, permitindo-lhes dominar a aplicação das fontes do Direito da União aos casos concretos, incluindo o direito primário, o direito derivado, a jurisprudência e os princípios gerais.
De que modo se sustenta a oferta formativa?
Tenho o gosto de dirigir o mestrado em Direito da União Europeia desde a sua primeira edição em 2009/10. Nesse ano letivo foi criado o Centro de Estudos em Direito da União Europeia (CEDU), uma subunidade da EDUM e que está agora integrada no JusGov para os efeitos de avaliação e financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Tais estruturas pavimentaram o nosso ensino e investigação durante uma década, mas em todos os mestrados da EDUM são hoje ensinadas dimensões do Direito da UE. É amplamente reconhecido que um largo espectro de normas aplicáveis nos distintos Estados-membros da UE têm origem nas instituições europeias – e, nesta medida, integram o âmbito de aplicação do Direito da União; devem, por isso, ser interpretadas e aplicadas pelas autoridades nacionais nos termos definidos pela ordem jurídica europeia, tendo sobretudo em conta a sua principiologia geral.
O que destaca nas valências do mestrado que dirige?
A sua marca distintiva corresponde à transversalidade dos conteúdos lecionados – do ambiente às tecnologias digitais, do consumo à propriedade intelectual, da energia à justiça eletrónica. Tudo isso é regulado pelo Direito da UE. Importa que os mestrandos sejam capazes de identificar as especificidades, bem como compreender a dinâmica da sua aplicação, além da influência que exerce sobre o direito interno. Importa ainda que saibam determinar as hipóteses em que a tutela dos direitos decorrentes da ordem jurídica da UE deve ser prosseguida junto dos tribunais nacionais. Em síntese, é preocupação deste mestrado aprofundar e divulgar a cultura jurídica da integração europeia. Isso também dá mote às nossas plataformas online, através do UNIO - EU Law Journal e do seu blogue Thinking & Debating Europe.
Aprofundar a cidadania europeia
A UMinho, pelo que desenvolve na área, contribui de modo relevante na construção da cidadania europeia?
Sim, sentimos que estamos a ajudar a aprofundar a cidadania europeia! Este empenho é-nos reconhecido. Não é difícil ver em que medida o Direito da UE afeta o quotidiano, regulando desde a qualidade dos produtos que consumimos até o valor da moeda que trazemos no bolso. Basta abrir o frigorífico para o constatar: lá está o Direito da UE na sua plenitude, da saúde alimentar à livre circulação de mercadorias! Tendo em conta as circunstâncias pandémicas, eu diria que em nenhum outro momento da história da integração os cidadãos vivenciaram (tão pungentemente) a relevância da solidariedade europeia – solidariedade aqui entendida como a partilha equitativa de encargos financeiros e não só –, tanto no que toca aos recursos para a recuperação económica como no acesso e distribuição de vacinas.
Esse equilíbrio não é fácil.
A realização das obrigações resultantes dos tratados constitutivos da UE exige que as normas europeias se apliquem “de pleno direito, ao mesmo momento e com idênticos efeitos” em todo o território da União. Caso contrário, compromete-se tanto a igualdade de submissão jurídica de todos os Estados-membros ao Direito da UE, como a igualdade de posição jurídica dos cidadãos europeus em todo o espaço da União. Se o Direito da UE não for bem aplicado num Estado-membro, quem sofre é o cidadão deste Estado prevaricador, pois estará em situação de desigualdade relativamente ao seu vizinho – o que é proibido pelos tratados. Por isso, o ensino e a investigação em Direito da UE estão ao serviço da convergência das condições de vida dos cidadãos europeus.
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A narrativa do défice democrático
Recentemente, foi lançado um livro que sintetiza o quadro institucional da UE. Pretende-se descomplicar e explicar o funcionamento das várias estruturas da UE?
Sim, é essa a ideia. Trata-se da publicação “Instituições, órgãos e organismos da União Europeia”, coordenada por Joana Covelo de Abreu e Liliana Reis, publicada pela Almedina. Esta obra coletiva, que tive o gosto de apresentar com o eurodeputado José Manuel Fernandes, interpela sobre os princípios que orientam o funcionamento do sistema institucional da UE e a sua legitimidade. Também equaciona em que medida o arranjo institucional sui generis da UE assegura um sistema de pesos e contrapesos - e ainda ajuda a desvendar em que medida a transparência é compatível com a eficácia do processo decisório da UE.
Está a falar de “défice democrático”...
Sim! A narrativa do “défice democrático da União” é muito cómoda para os partidos políticos nacionais ganharem eleições, pois permite que nela se escudem para a desresponsabilização do que se passa em Bruxelas, como se a UE fosse feita por extraterrestres. Mas efetivamente não o é – e são os nossos representantes eleitos que lá estão a decidir. Conhecer tais dimensões é importante para a construção de uma cidadania europeia de matriz republicana, assente na proteção de direitos fundamentais e na participação ativa dos cidadãos.
Principais distinções
Na última década, foram atribuídos 19 prémios em Direito da UE a 16 investigadores da UMinho. Sophie Perez Fernandes somou quatro distinções e Filipa Fernandes duas, tendo os restantes uma cada. Os galardões distinguiram sobretudo jovens autores de teses de mestrado e doutoramento, inéditas e em português, sobre temas atuais e inovadores na área. Em concreto, o Prémio Jacques Delors foi instituído em 1996 pelo Centro de Informação Europeia Jacques Delors (CIEJD), que nos 30 anos do tratado de adesão de Portugal à CEE lançou também uma edição do Prémio Portugal-Europa. Já o Prémio Paulo de Pitta e Cunha é concedido pelo Instituto Europeu da Universidade de Lisboa (UL), enquanto o Prémio Europeu António de Sousa Franco surgiu em 2007 e é coorganizado pelas faculdades de Direito da UL e Católica, pelo Grupo Parlamentar do PS no Parlamento Europeu e pela Almedina. E o Prémio "As 24 Línguas da União Europeia" foi realizado em 2015, envolvendo o Centro Europe Direct, o CIEJD, a Direção-Geral da Tradução da Comissão Europeia e o Prémio Escola na Europa, entre outros.
PRÉMIO EUROPEU PROFESSOR ANTÓNIO SOUSA FRANCO (categoria investigação)
2011 | Sophie Perez Fernandes (menção honrosa)
2013 | Filipa Fernandes
2014 | Jorge Campos Ribeiro
2014 | Francielle Vieira (menção honrosa)
2017 | Ana Filipa Afonseca (menção honrosa)
PRÉMIO EUROPEU PROFESSOR ANTÓNIO SOUSA FRANCO (categoria formação)
2011 | Joana Morais e Castro
2011 | Ana Gabriela Rocha (menção honrosa)
2016 | Mariana Boçon
2020 | Nataly Machado
2020 | Vanessa Keller (menção honrosa)
PRÉMIO JACQUES DELORS
2012 | Sophie Perez Fernandes
2013 | José Vieira e Cunha (menção honrosa)
2014 | Filipa Fernandes
2017 | Sophie Perez Fernandes (menção honrosa)
2018 | Sergio Maia
PRÉMIO PORTUGAL-EUROPA 30 ANOS
2015 | Daniela Marques Cardoso
PRÉMIO "AS 24 LÍNGUAS DA UNIÃO EUROPEIA"
2015 | Joana Domingues
PRÉMIO PROFESSOR PAULO DE PITTA E CUNHA
2016 | Sophie Perez Fernandes (menção honrosa)
2017 | Rita de Sousa Costa & Tiago Sérgio Cabral
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