António Vicente recebe hoje o Prémio de Mérito Científico da UMinho

17-02-2021 | Pedro Costa | Fotos: Nuno Gonçalves

1 / 6

O investigador do Centro de Engenharia Biológica e professor e vice-presidente da Escola de Engenharia inova em ecoembalagens, compostos funcionais e bioativos e nanossistemas para alimentos.





António Augusto Martins de Oliveira Soares Vicente nasceu no Porto há 49 anos. Cresceu na cidade, mas desde cedo sentiu os ares do campo. O gosto pela descoberta e pela engenharia vêm-lhe das brincadeiras de criança. O escutismo marcou-lhe a personalidade e continua a prestar o seu contributo semanal. Lecionar era um desejo secreto e veio a concretizar-se. Em entrevista ao NÓS, fala dos desafios da pandemia na academia, mas segue firme no que mais gosta: dar aulas e investigar. Licenciou-se em Engenharia Alimentar pela Universidade Católica em 1994, seguindo-se o doutoramento em Engenharia Química e Biológica em 1998 e a agregação em 2010 pela UMinho.

É investigador do Centro de Engenharia Biológica (CEB), professor associado com agregação no Departamento de Engenharia Biológica, que já dirigiu, e também vice-presidente da Escola de Engenharia. Dedica a investigação a sistemas para aplicação no setor agroalimentar. Soma 
mais 
de 400 apresentações em congressos, 300 artigos em revistas internacionais, 30 capítulos em livros, cinco patentes e é editor de cinco livros científicos. Está entre os 6000 cientistas mais citados do mundo, para a Clarivate Analitics; tem mais de 13.000 citações e de 120.000 leituras no portal Research Gate. Hoje recebe o Prémio de Mérito Científico, na cerimónia do 47º aniversário da UMinho (VÍDEO).


Como foi a sua infância?
Nasci no Hospital da Ordem da Trindade, em Santo Ildefonso, no Porto. Os meus avós maternos eram lavradores (no Porto) e os meus avós paternos viviam em Matosinhos. A minha infância foi próxima deles. Vivíamos num apartamento, mas passei muito tempo no campo, pois os meus avós estavam ali perto e eu gostava muito de ir para lá.
 
Quais eram as brincadeiras mais comuns?
Eu e os meus primos – um pouco mais novos – fazíamos de tudo, fizemos da capota de um trator o nosso “clube”; no tanque pequeno “chafurdávamos” bastante na água, pegávamos em cacos e raspávamos para fazer pó e com a mistura “matávamos” as urtigas, enfim... éramos muito mexidos e crianças felizes.
 
Ainda tem amigos desse tempo?
Sim, mas infelizmente não estou muito com eles. Um deles, o João Carlos Almeida e Silva, por acaso acabou por ir viver para a frente da casa dos meus pais e ainda nos vemos, quanto mais não seja na Páscoa e no Natal, em que acabamos por conversar um pouco. Aos outros, acabei por lhes perder um pouco o contacto.

E a escola?
Comecei o meu percurso no Colégio Luso-Francês, no Porto, e depois de terminar o segundo ciclo fui para a antiga Escola Secundária nº 1 de Matosinhos e, daí, segui para a Universidade Católica.
 
O que queria ser quando fosse “grande”?
Os meus pais eram professores e confesso que eu até gostava da profissão. Mas sempre os ouvi dizer: “Ó filho, nós ganhamos muito mal!” [risos] Eu tinha aquilo muito presente e, no fundo, acabei por nunca confessar que era algo que eu até gostava de vir a fazer. Na verdade, também gostava da engenharia e da indústria, desde miúdo brincava com legos e gostava de construções. Portanto, também me motivava por aí. No secundário acabei por escolher Quimicotecnia – de facto, raspar os cacos e misturar com água havia de dar em alguma coisa... – e, indo por aí, acabei por fazer o curso em Engenharia Alimentar. Sempre achei que ia procurar trabalho numa empresa ou algo do género.

 

"Inesperadamente, convidaram-me para dar umas aulas"

É alguém desenraizado ou sente que precisa voltar?
Felizmente (ou infelizmente, nunca se sabe), tive a sorte de ter boas escolas públicas perto de casa. Terminei o meu percurso escolar em Matosinhos, no meio dos pescadores, com bons professores e boas notas também. Na universidade, a mesma coisa, pois havia boas no Porto. Saí por algum tempo, pela primeira vez, quando fiz o meu período Erasmus na Unilever, na Holanda. Foi uma excelente oportunidade, pois na altura era a maior empresa “não petrolífera” do mundo, onde trabalhei num projeto de investigação. Quando voltei, pensei que não era mau de todo estar mais independente e mais longe de casa.
 
Como justificou as suas opções nesse momento?
Depois do Erasmus, ainda fui a duas ou três entrevistas em empresas, mas já na altura apontavam-me outros caminhos. Acabei por vir para a UMinho fazer o doutoramento, com uma bolsa da FCT [Fundação para a Ciência e a Tecnologia]. Fiz o meu caminho e, pouco antes de terminar, inesperadamente para mim, convidaram-me para dar uma ou outra aula e, depois, para ficar na UMinho. Não era um contrato definitivo e, mais tarde, com a abertura de um concurso, acabei por ficar.

Tem tempo para sentir o mundo, olhar à sua volta, além de uma carreira académica tão exigente?
É algo que faço, até por questões de sanidade mental, pois quem trabalha comigo já sabe que quando vou de férias desligo o computador e só o abro no fim das férias. Foi uma decisão que tomei há uns sete anos e as pessoas sabem que estou contactável por telemóvel, para qualquer assunto mais urgente, mas só isso. Por outro lado, sou escuteiro e faço questão de dar o meu contributo, todos os sábados à tarde, religiosamente.
 
O que gosta de fazer nos tempos livres?
Adoro acampar. Gosto de estar com a família e com as filhas; nesse contexto de acampamento, é o que mais adoro. Gosto de jogar voleibol (cheguei a ir à seleção nacional, mas não deu para compatibilizar com os estudos), de praia, de caminhar pelo monte...
 


 


O desafio de ensinar à distância...

Como chegou à UMinho?
Foi em setembro de 1994, depois de terminar o curso. Ia fazer 23 anos.

Imaginava que iria ficar todos estes anos?
Não imaginava de maneira nenhuma! Era um miúdo quando cá cheguei e, quando faltava pouco para acabar o meu doutoramento (defendi a tese em 1998) acabei por ser convidado com um contrato provisório. Claro que fiquei muito orgulhoso, tinha 26 anos e não imaginava a carreira que vim a fazer. Ainda por cima, na altura tinha colegas mais velhos, para quem podíamos olhar como modelos ou exemplos, mas estava longe de imaginar que iria ser capaz de fazer alguma coisa que chegasse sequer perto do que eu via neles.

Lecionar ou investigar: o que lhe dá mais prazer?
Vou fugir um pouco a essa pergunta! [risos] Ao lecionar, o que mais gosto é o contacto e a troca de experiências com os alunos. Ter a mente aberta para ouvir e aprender. É uma coisa que vem dos escuteiros, pois há muito a aprender nesta relação, além de lhes explicar o que é a primeira lei da termodinâmica, ou coisa que o valha. Para mim, lecionar torna-se ainda mais gratificante, por exemplo, quando estou com os alunos em trabalho de grupo, ou em aula laboratorial, ou a orientar um trabalho de mestrado, num ambiente de maior proximidade. Quanto à parte de investigação, também é da interação com os cientistas que eu gosto mais. Muitas das coisas que fomos fazendo ao longo destes anos foram fruto de ideias de pessoas que trabalharam ou ainda trabalham comigo. E isso é de uma riqueza muito grande. Enquanto líder de um grupo de investigação, vejo o meu papel sobretudo como potenciador das boas ideias que surgem no grupo do que, propriamente, o de único gerador de ideias que outros devem explorar.
 
Quais são hoje os principais desafios que implica lecionar?
Claramente, perceber a melhor forma que tenho para transmitir o que pretendo aos meus alunos. No contexto atual, isso é mais premente, pois o que me habituei a fazer ao longo dos anos tem que ser posto de lado. Imaginar como está a ser apreendido pelos meus alunos o que estou a transmitir, numa relação a distância, sem olhar nos olhos, é difícil. Ajustar o meu discurso em função disso é um desafio. Debitar e ir embora não é a forma, pois assim perco-os.
 

...e a missão de inovar e financiar a ciência

A ciência e a produção de conhecimento também trazem desafios novos?
O desafio é o de sempre. A ciência precisa de investimento forte e precisamos sempre de procurar financiamento para desenvolver o nosso trabalho de investigação. Por outro lado, é um desafio lembrarmo-nos de novas abordagens, para gerar algo útil para a sociedade. São desafios em paralelo: ter ideias úteis a explorar e, ao mesmo tempo, obter financiamento para pôr em prática a exploração destas ideias.

A gestão e a direção de um departamento também traz responsabilidades diferentes. Vê como missão?
É claramente uma missão e foi assim que encarei quando surgiu. De resto, é como vejo agora a missão que aceitei de ser vice-presidente da Escola de Engenharia. Quando fui diretor do Departamento de Engenharia Biológica, comecei com um misto de entusiasmo e de receio, porque não sabia muito bem no que "aquilo" ia dar. Se me pergunta se eu estava preparado, digo-lhe que não. Penso que ninguém se sente preparado. Pode até estar, mas não se sente totalmente preparado. Depois percebi o contexto e gostei de fazê-lo.

Valeu a pena.
Sim. Em certos momentos é pena não termos mais autonomia, nomeadamente financeira, para fazer determinadas coisas, mas em todo o caso foi possível fazer caminho e foi interessante a experiência. Se me perguntar se eu queria ser diretor de departamento a vida toda, digo claramente que não, pois interfere, de facto, com a minha atividade de docente e investigador. Gostei da experiência, como estou a gostar da vice-presidência, podendo ajudar a ajustar a Escola e os colegas aos novos desafios que surgem todos os dias. Outros colegas fizeram-no por nós noutro tempo, cabe-nos agora fazer também a nossa parte.

Porquê a academia e não uma qualquer empresa especializada no seu ramo?
Coloquei essa possibilidade da docência muito cedo, como referi, mas é verdade que acabou por aparecer na espuma dos dias, foi aquela oportunidade que surgiu. Acredito que aceitei essa oportunidade porque a ideia já existia em mim. Se me pergunta se premeditadamente fiz um doutoramento a pensar neste caminho, isso não aconteceu, de facto.
 
Poderia ter ido para uma empresa e ter sido feliz de igual forma...
Sim. Estamos a fazer suposições, podia ter acontecido. Ainda hoje surgem convites e essa possibilidade sempre existiu.
 


“Continuo com a mão no leme, mas não olho só para a frente”

Entre o “desconhecido a explorar” e o “reconhecimento do valor do conhecimento”, o que mais o atrai?
Comigo as coisas vão acontecendo, sinceramente não tenho preocupações a esse nível. Felizmente houve situações na minha carreira em que alguém entendeu que aquilo que fizemos era de mérito. Esse aspeto mais mediático já aconteceu em várias ocasiões, o que é agradável, gratificante e realiza-nos. Mas, em boa verdade, nunca penso nisso quando penso num trabalho novo. Será o resultado final que realmente importa e, muitas vezes, o que se torna mais reconhecido e mediático são coisas que cientificamente nem vejo como sendo as mais relevantes que fiz.
 
Que momento mais o estimula todos os dias ao sair de casa?
Há duas motivações. A mais próxima é o conjunto de pessoas – perto de 30 – que trabalha comigo e a quem devo o meu apoio, a minha orientação e pelas quais me sinto responsável. É uma motivação próxima, uma preocupação muito importante para mim. A motivação de fundo que tenho é aquela que advém dos projetos e que se relaciona com a verificação dos resultados, o que se vai descobrir naquele dia em determinado projeto, que nos possa impulsionar.
 
Onde se vê daqui a dez anos?
Vejo-me a continuar a dar aulas e a fazer investigação, que são coisas que gosto de fazer. Mas não descarto nenhuma possibilidade de acontecer uma coisa completamente diferente, de estar numa empresa porque me convidaram para uma coisa que achei interessante fazer, ou de estar numa posição de chefia, se for o caso. Não descarto nenhuma dessas hipóteses, mas, seguramente, duas coisas que gostava de continuar a fazer são dar aulas e fazer investigação.
 
Com a mão no leme, mas sem uma meta para daqui a uma década...
A meta é esta. Continuo com a mão no leme, quero levar por aí, mas não a olhar só para a frente. Gosto de ver o que há na paisagem [sorriso].

O que significa para si a sua Universidade atribuir-lhe hoje um Prémio de Mérito Científico?
É um gosto muito grande. É reconfortante ver a instituição que eu sirvo há tantos anos, onde comecei o meu percurso profissional, reconhecer o meu trabalho. Na verdade, é um trabalho de todas as pessoas que trabalharam comigo. E é também um trabalho da minha família, pois sem o apoio e compreensão da minha mulher, dos meus pais, dos meus sogros e das minhas filhas não teria sido possível este caminho. Portanto, este reconhecimento é também para eles.