Voz ativa das mulheres ao mais alto nível
Três anos depois tornou-se uma das mais novas deputadas da 8ª legislatura (2011-16) de um país em pleno desenvolvimento. Que projetos destaca?
Enquanto presidente da Rede de Mulheres Parlamentares Cabo-Verdianas (RMP-CV) liderei dossiers inovadores. Em 2014, por exemplo, coordenei a primeira análise do Orçamento de Estado na perspetiva de género, no quadro do programa Pro PALOP-TL ISC, que visa o Reforço das Competências Técnicas e Funcionais das Instituições Superiores de Auditoria, Parlamentos Nacionais e Sociedade Civil para o controlo das finanças públicas nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e em Timor-Leste. Esse trabalho culminou com o primeiro Orçamento de Estado sensível ao género em Cabo Verde. Igualmente pela primeira vez, foi realizada uma fiscalização legislativa no Parlamento sobre a implementação da lei da violência baseada no género em todo o território nacional. Erámos uma voz ativa das preocupações das mulheres ao mais alto nível. E sempre que podíamos íamos ao encontro das mulheres nas suas comunidades para divulgar e dar a conhecer as leis aprovadas pelo Parlamento, enquanto ouvíamos as suas preocupações.
O seu compromisso para com a defesa e promoção da igualdade de género ganhou força nessa altura.
Sim, antes dedicava-me exclusivamente à educação. Quando assumi a presidência da RMP-CV, tive os meus primeiros contactos com a causa e, ao conhecer melhor a realidade e os fossos de género do meu país, tornei-me uma ativista pelas questões de género, mas sempre defendendo que a educação devia ser encarada como uma ferramenta importante para a mudança. Daí a minha felicidade ao trabalhar este dossier e ao integrar a comissão especializada de Educação e poder influenciar, desta forma, as políticas públicas.
Já não faz parte do Parlamento, mas está ligada às Nações Unidas. Como surgiu esse convite e que papel desempenha?
Quando terminei o mandato, trabalhei como consultora das Nações Unidas para os PALOP e Timor-Leste no âmbito do programa Pro PALOP-TL ISC. Dois anos depois, passei a integrar a equipa a tempo inteiro, trabalhando como Oficial Nacional para o Empoderamento da Mulher e Orçamentação Sensível ao Género para os PALOP e Timor-Leste. Queremos ter contas públicas mais transparentes, acessíveis e inclusivas. Para que estes objetivos sejam alcançados, é incontornável que os processos orçamentais dos seis países abrangidos passem a ser “sensíveis” ao género. É este o meu trabalho: influenciar todo o ciclo de planificação, orçamentação e fiscalização para garantir que as questões de género sejam tidas em conta.
Como avalia o caminho percorrido por Cabo Verde na última década?
Cabo Verde é um dos países de África que mais tem progredido em matéria de igualdade de género. O acesso à educação e às oportunidades foram massificados a nível nacional, do pré-escolar ao ensino superior. Atingiu-se a paridade nesse âmbito. Existem programas de apoio destinados aos alunos com mais dificuldades para acesso a transporte, alimentação e propina. Em relação às oportunidades económicas, continuamos com muitos desafios, sobretudo no acesso ao crédito e no apoio à transição da economia informal, principalmente agora com as restrições decorrentes da pandemia. No que tange à participação política das mulheres, a taxa de deputadas no Parlamento cabo-verdiano mantém-se abaixo da média mundial – menos de 30%. O Parlamento aprovou recentemente a Lei da Paridade para dar resposta a esse desafio. Enfrentamos também o desafio do combate à pobreza, que ainda tem rosto feminino. Acredito que estamos no bom caminho para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e melhorar significativamente no índice de pobreza. Por outro lado, o país conseguiu transversalizar as questões de género no quadro da planificação e orçamentação, tendo verbas destinadas a programas específicos para combater as desigualdades, o que representa um grande ganho.
Onde deseja ver o seu país no futuro? Ou seja, que sonhos tem para Cabo Verde?
Como sabe, vivo num país arquipelágico. Uma das coisas que mais me deixa triste são as assimetrias regionais, as oportunidades que diferem de ilha para ilha e de concelho para concelho. O meu sonho para Cabo Verde é que as assimetrias sejam cada vez menos e que as oportunidades sejam iguais para todos, a par do meu sonho para África, que é o de ver valorizado o trabalho não remunerado das mulheres.
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