Os irmãos que dão cartas lá fora

31-05-2021 | Catarina Dias

Rui (38 anos) e Elísio Simão (36 anos), em São Francisco, nos EUA

Rui Simão (no meio) na final de uma sessão de onboarding para alguns novos membros da equipa, em Atlanta, nos EUA

Elísio em Manila, nas Filipinas, num momento de celebração com alguns elementos da equipa

Rui Simão a apresentar a nova estratégia de Customer Success da OutSystems para 2020, em Tróia

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Rui fez Ciências da Engenharia - ramo Eletrónica e Elísio fez Matemática e Ciências de Computação, também na UMinho. Trabalham na tecnológica OutSystems, em Boston e no Dubai. Hoje é o Dia dos Irmãos.




Como se decidiram por um curso nesta universidade, no caso Matemática e Ciências de Computação (Elísio) e Ciências da Engenharia – Ramo Eletrónica (Rui)?
Elísio Simão: Acabou por ser uma escolha natural. A licenciatura em Matemática e Ciências de Computação (MCC) ligava dois mundos que gostava muito, a parte mais abstrata da matemática e a sua aplicabilidade às ciências da computação. Ainda cheguei a considerar o curso de Sistemas e Eletrónica, por ser mais generalista e ligado às engenharias e por achar que me permitiria explorar outras componentes. Mas acabei por escolher o caminho mais aprofundado das Ciências da Computação e complementei com algumas cadeiras de outros cursos que não queria deixar de explorar, principalmente na área da Física.
Rui Simão: Não fazia a mínima ideia do que queria fazer no futuro e por isso tive bastante dificuldade em escolher um curso. Sabia que seria na área da tecnologia e que teria de me dar uma base sólida em áreas de conhecimento fundamental, como a matemática e a física. Sempre gostei de perceber como funcionam as coisas, embora não quisesse necessariamente ser eu a construí-las. Antes de ingressar em Engenharia Eletrónica Industrial e Computadores, em 2006, frequentei os cursos de MCC e de Sociologia, que não terminei.
 
Recordam-se do primeiro dia na UMinho?
Elísio: Foi um dia cheio de novidades! Apesar de ser de Braga e de vários colegas terem ingressado nesta universidade e até no mesmo curso, senti que estava a entrar no admirável mundo novo, com muitas coisas para explorar [sorriso].
Rui: Tenho uma vaga ideia de que foi um dia animado, cheio de emoções e um pouco confuso ao mesmo tempo. Perdi-me várias vezes a tentar encontrar os locais para tratar da matrícula e do plano de aulas [risos]. Na altura morava relativamente perto do campus de Gualtar, em Braga, por isso nem tudo era estranho.

Como foi o processo de integração? Apoiaram-se mutuamente?
Elísio: O Rui já tinha frequentado o meu curso, por isso já conhecia muita gente, o que me ajudou na integração. Alguns colegas dele já sabiam quem eu era.
Rui: Não sei se ajudei ou não, mas pelo menos o Elísio já tinha uma noção do que esperar do curso antes de entrar. Sempre tivemos interesses similares no que diz respeito à tecnologia e lembro-me de ele estar sempre muito curioso e interessado – mais do que eu – sobre o que andava a aprender em MCC. Não sei se o facto de o Elísio ser conhecido como meu irmão foi uma ajuda ou um inconveniente [risos]...
 
O percurso fez-se de forma diferente. Contem-nos como foi...
Elísio: O meu percurso foi bastante convencional. Quando acabei o secundário já sabia que área e curso seguir! Na área da Informática, MCC foi o que mais me cativou. Creio que ter isso bem definido simplificou o processo. Aos 17, 18 anos ainda estamos a descobrir as nossas preferências e nem sempre é fácil definir um rumo. O que mais gosto nos sistemas de ensino mais abertos é que permitem aos estudantes explorar diversas áreas de conhecimento antes de definir uma especialização. No meu caso, acho que correu bem, porque as Ciências da Computação sempre foram uma das minhas grandes áreas de interesse. Permitiram-me desenvolver novas valências e conhecer novos mundos. Já trabalhei em todos os continentes habitados!
Rui: Cometi o “erro” de entrar na Universidade imediatamente depois de ter acabado o secundário, sem ter claro o que queria realmente fazer no futuro. Isso resultou num percurso académico mais “esotérico”, que começou, como já disse, em MCC, seguindo-se Sociologia e, finalmente, Engenharia Eletrónica Industrial e Computadores, depois de ter deixado de estudar uns anos para me dedicar a um projeto profissional. Gostei de todos os cursos por onde passei, mas tenho hoje a noção clara que deveria ter começado pela formação em Engenharia, embora nunca tenha trabalhado nessa área profissionalmente. No futuro, provavelmente quando me reformar, gostava de voltar às áreas da Matemática e Ciências de Computação e da Sociologia. Curiosamente, consigo agora perceber que na minha vida profissional utilizo, com frequência, diversos conceitos e metodologias de todos os cursos por onde passei e que é igualmente importante ter uma vasta abrangência de conhecimento, bem como algum nível de especialização.
 
Que memórias guardam da vida académica?
Elísio: Recordo esses tempos com alguma saudade. Foram tempos emocionantes em que aprendi imenso, aliando a isso um grande ambiente de diversão e convívio, que é tão característico da UMinho. Foram cinco anos intensos a aprender e a crescer! Durante esse período tive as minhas primeiras experiências internacionais, com o programa Erasmus na Universidade de Utrecht, na Holanda, e também profissionais, uma vez que comecei a trabalhar durante o curso.
Rui: Tenho que dividir a experiência em dois períodos. O primeiro foi bastante conturbado por não saber exatamente o que queria fazer. Ainda assim, foi uma fase de muitas amizades, diversão e evolução pessoal. O segundo período, quando entrei em Engenharia Eletrónica Industrial e Computadores, foi radicalmente diferente, uma vez que estava a trabalhar e estudar ao mesmo tempo e era significativamente mais velho do que os colegas. Foi um período mais intenso e de grande foco, mas com menos pressão, pois queria aprender a sério e não só “passar” às cadeiras. A “vida académica” foi mais calma porque trabalhava, mas acho que aproveitei melhor a experiência.


De férias, no México, com a filha mais velha de Elísio Simão
De férias, no México, com a filha mais velha de Elísio Simão
 


Um unicórnio que vale 9,5 mil milhões de dólares
 
O Elísio ingressou no mercado em 2008. O Rui terminou o curso em 2011. Portugal estava a passar por uma crise económica. Foi difícil conquistarem o vosso espaço? E como tem sido a evolução profissional?
Elísio: Durante o curso cheguei a trabalhar em part-time numa software house e fazer algum trabalho em regime de freelancer. Mais tarde, no âmbito do estágio curricular, decidi explorar uma área diferente e mais versátil. Foi assim que entrei no mundo da consultoria na Deloitte, em Lisboa, onde acabei por ficar e iniciar a carreira. Foram tempos de alguma incerteza com a crise que começava. Mudaram-se os paradigmas e as empresas tiveram que se adaptar a uma realidade mais global e a trabalhar com novos mercados. A Deloitte foi uma grande escola, graças à qual aprendi a conjugar o conhecimento adquirido e mais académico com outras competências essenciais num mundo profissional diversificado e com objetivos multifuncionais. Em 2009, apesar de estar a trabalhar entre Lisboa e Luanda, decidi inscrever-me no mestrado em Informática na UMinho, por reconhecer a qualidade do seu ensino naquela área.
Rui: Entrei no mercado de trabalho em 2005 e a crise que se veio a sentir nos anos seguintes foi, na verdade, um incentivo para voltar a estudar. Foi aí que me candidatei ao curso de Engenharia Eletrónica Industrial e Computadores, conciliando estudo e trabalho. A meio da formação, o projeto profissional no qual estava envolvido faliu. Focado no curso a 100%, comecei a colaborar em algumas iniciativas fora do mestrado, o que me abriu as portas a novos desafios e permitiu acumular experiência em diversas áreas. A minha carreira evoluiu num sentido que não tinha planeado e de forma “não linear”. Ajudei a gerir programas de evangelismo técnico, desenvolvi softwares, trabalhei na área de vendas e gestão de projetos em consultoria e acabei na área de customer success, onde tenho vindo a evoluir nos últimos cinco anos.
 
Ambos trabalham na OutSystems, líder em aplicações low code. É considerada um dos quatro “unicórnios” portugueses (a par da Farfetch, Talkdesk e Feedzai), tendo clientes em 87 países. O Elísio trabalha a partir do Dubai e o Rui de Boston. O que fazem concretamente?
Elísio: Sou diretor da equipa global de Professional Services, responsável por prestar consultoria aos clientes da OutSystems. Utilizamos a nossa tecnologia para desenvolver aplicações para os clientes, apoiamos na formação e disponibilizamos serviços especializados. A equipa que coordeno define as boas práticas nas várias valências, bem como na utilização da tecnologia e na entrega de serviços para todo o mundo.
Rui: Neste momento lidero uma das equipas de Customer Success Management, responsável por ajudar os clientes da zona central dos EUA a desenharem e implementarem a estratégia de adoção da nossa tecnologia. Isto significa, na prática, que a minha equipa comunica regularmente com os clientes, no sentido de perceber os objetivos de negócio, as estratégias de IT, a definição de valor, entre outras variáveis, e atua como um ponto central de coordenação entre as várias equipas da OutSystems e o cliente.
 
Chegaram a cruzar-se em reuniões, formações…?
Elísio: Comecei a trabalhar na empresa em 2013 e o Rui em 2016. Chegámos a fazer parte da equipa de liderança de Customer Success, estando eu em Singapura e o Rui nos EUA. Percebemos na OutSystems que somos mais parecidos do que achávamos. Já nos confundiram várias vezes [risos]! A primeira vez que o Rui foi à empresa, ainda trabalhava no escritório de Lisboa. Eu não sabia que ele tinha uma entrevista marcada e encontrei-me com ele, com alguma surpresa, depois de um colega me ter dito que tinha acabado de entrevistar o meu irmão [risos].
Rui: Embora estejamos em lados opostos do mundo, assumimos ambos posições de liderança em áreas que, apesar de distintas, têm de colaborar obrigatoriamente, o que implica cruzarmo-nos em reuniões, por exemplo. Costumamos também estar juntos nas formações em que colaboradores de todo o mundo se juntam por uns dias. Já tive, nesses eventos, conversas muito estranhas com pessoas que julgavam estar a falar com o meu irmão [risos].
 
Que influência teve a UMinho nas vertentes pessoal e profissional?
Elísio: A UMinho é a minha alma mater. Foi a base da minha formação e teve, por isso, um grande impacto a nível profissional. Tenho ainda hoje grandes amigos espalhados pelo globo que conheci nessa altura e recordo com saudade a experiência que foi fazer Erasmus.
Rui: A UMinho foi, sem dúvida, uma parte fundamental da minha formação e onde fiz bons amigos ao longo dos anos. A formação adquirida foi sólida e o facto de ter estado envolvido em alguns projetos de investigação também contribuiu para a forma como ainda hoje tento resolver problemas novos no trabalho.
 


Elísio Simão (primeiro, à direita) com a equipa da Ásia na abertura da nova ala do escritório da OutSystems, em Singapura
Elísio Simão (primeiro, à direita) com a equipa da Ásia na abertura da nova ala do escritório da OutSystems, em Singapura
 

“Somos mais parecidos do que queremos admitir”
 
E o que aprenderam um com o outro?
Elísio: Estamos sempre a aprender um com o outro. O Rui construiu um caminho diferente do meu, menos convencional e com mais incertezas e mudanças pelo meio. Um percurso para o qual foi preciso muita determinação e que trouxe grandes aprendizagens. Não deixa de ser curioso que, depois de termos começado no mesmo curso de MCC e seguido caminhos diferentes, nos encontremos novamente, na mesma empresa.
Rui: É difícil destacar o que aprendemos um com o outro, porque já são muitos anos a aturarmo-nos [risos]. Acho mais fácil dizer que crescemos juntos e que, embora tenhamos experiências de vida bastante diferentes, somos mais parecidos do que queremos admitir.
 
Como são vistos os profissionais portugueses no estrangeiro?
Rui: Penso que são bem vistos, pelo menos em áreas ligadas à tecnologia. Os EUA sempre tiveram uma relação complicada com a imigração e com o desenvolvimento de produtos no mercado externo, mas, em termos gerais, parecem-me estar bastante satisfeitos e impressionados com o trabalho dos portugueses, dentro e fora da OutSystems.
 
Como foi a adaptação a um novo país?
Rui: Como já trabalhava com o mercado americano, a partir de Portugal, a adaptação profissional foi bastante fácil. Em termos pessoais, foi mais complicado no início, por estar longe da família e dos amigos. Os EUA são um país enorme, com uma diversidade cultural impressionante e uma escala muito diferente de Portugal, o que nos força a pensar de forma mais global e abrangente. Gosto muito de morar em Boston e já me sinto em casa, mas confesso que viver no estrangeiro me fez dar mais valor ao que temos em Portugal.
Elísio: Quer em Singapura, quer no Dubai, são culturas diferentes, com uma grande pluralidade de pessoas e países, o que nos dá uma perspetiva muito engraçada.
 
Que conselhos deixaria aos nossos estudantes para um percurso de sucesso?
Elísio: Que aproveitem o que lhes é oferecido com tanta qualidade, que explorem os diferentes aspetos da vida universitária e que apostem em novos horizontes, do ponto de vista do conhecimento mais académico e da vida.
Rui: Que aproveitem este período de formação para experimentarem coisas novas e que não se foquem apenas em adquirir o conhecimento especializado que o curso oferece. A coisa mais valiosa que têm neste momento é “tempo” e o que vão aprender ao arriscar e falhar nesta fase vai ser extraordinariamente importante no futuro. O mercado de trabalho está a evoluir com tanta rapidez que se torna mais importante “aprender a aprender” do que a especialização adquirida no curso, a qual pode ficar desatualizada em alguns anos. Quanto mais conhecimentos e experiências adquirirem agora, mais bem preparados estarão para o futuro, independentemente da área.
 
Pensam regressar a Portugal?
Elísio: É algo que tenho em mente, só não sei quando acontecerá [risos]. Gostava muito que as minhas filhas crescessem em Portugal. A nossa ligação ao país é bastante forte. Visitamos os nossos pais com regularidade.
Rui: Eventualmente, mas para já quero continuar a tirar proveito desta experiência internacional. Com a família e os amigos em Portugal e com o meu irmão e as minhas sobrinhas no Dubai, Portugal continua a ser a forma mais fácil de estarmos todos juntos.



Filhas de Elísio nasceram no Dubai e em Singapura
 
Um livro: “Foundation Series”, de Isaac Asimov.
Um filme: “Laranja Mecânica”, de Stanley Kubrick.
Uma música: “A gente vai continuar”, de Jorge Palma.
Um clube: Benfica.
Um desporto: Boxe é o passatempo do momento e judo o desporto de eleição. Pratiquei durante muitos anos luta livre olímpica e greco-romana. Fui cinco vezes campeão nacional!
Um passatempo: Viajar.
Uma viagem: Estamos a planear ver a aurora boreal depois da pandemia.
Um prato: Arroz de cabidela e filetes de polvo. Que saudades de Braga!
Um vício: Chocolate negro com flor de sal e café.
Uma personalidade: O meu avô e os meus pais.
Um momento: Jantar iluminado pelo céu estrelado e com a Patagónia de fundo.
Um sonho: Continuar a explorar o nosso mundo (e quiçá outros) e ver as minhas filhas a fazer o mesmo.
Uma curiosidade: Uma filha nasceu no Dubai e a outra em Singapura.
A UMinhoAlma mater.
 

 

Rui Simão, o campeão distrital de luta livre olímpica
 
Um livro: “Friday”, de Robert A. Heinlein.
Um filme: “The Shining”, de Stanley Kubrick.
Uma música: “As I am”, dos Dream Theather.
Um clube: Não ligo muito a futebol, mas diria o Benfica.
Um desporto: Natação.
Um passatempo: Fotografia.
Uma viagem: Conhecer os EUA de costa a costa após o covid-19.
Um prato: Arroz de pato em forno de lenha.
Um vício: Café.
Uma personalidade: O meu avô e os meus pais, sem dúvida.
Um momento: O nascimento das minhas sobrinhas.
Um sonho: Reformar-me aos 45 anos e viajar pelo mundo.
Uma curiosidade: Fui campeão distrital de luta livre olímpica sem nunca ter competido nesse campeonato, uma vez que não tinha adversários no meu escalão.
A UMinho: Início.