As editoras indie portuguesas moldadas pela história de um país

31-05-2021 | Daniel Vieira da Silva | Foto: Holywood Insider

Editoras nacionais apostaram em novos modelos de negócio (agenciando bandas e promovendo festivais) para se afirmarem (foto: Pexels)

O investigador é músico desde os 16 anos e mantém um programa semanal de rádio no Brasil só com música indie portuguesa

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Luiz Alberto Moura, do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, traça o perfil das gravadoras independentes nacionais desde 1982.


Músico desde os 16 anos, fã de música indie e jornalista de formação, Luiz Alberto Moura está na UMinho desde 2014, quando chegou do Brasil para o mestrado em Comunicação, Arte e Cultura no Instituto de Ciências Sociais. Desde 2019 é bolseiro de investigação e, a partir do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS), prepara uma geneologia das gravadoras indie em Portugal (1982-2017). “Achei que seria justo estudar sobre algo de Portugal e devolver algo ao país que me acolheu”, justificou o investigador.



De 1982 a 2017 assistiu-se em Portugal a um crescimento exponencial daquilo a que se pode chamar música indie. As primeiras editoras aparecem precisamente em 1982, “na ressaca do fim do boom do pop/rock português”, para dar voz a novos artistas e a movimentações de novas bandas. Primeiro foi a Fundação Atlântica, depois apareceram editoras como a Dansa do Som que gravava bandas independentes que participavam nos "Concursos de Música Moderna do Rock Rendez-Vous", em Lisboa. “Foi um período de experimentação, de inocência e descoberta”, contextualizou Luiz Alberto Moura. A cultura musical indie dava os primeiros passos no nosso país depois da maturidade conquistada no Reino Unido e nos EUA. O “do it yourself” deu lugar ao “record and release yourself” e esse período, marcado nos primeiros tempos por “hedonismo e irresponsabilidade financeira”, foi uma reação natural daqueles que faziam música, mas que encontravam fechadas todas as portas das grandes editoras que continuavam a preferir o mainstream.

“Estas novas editoras assumiram um papel social significativo. Tornaram conhecidas no resto do país e também no Mundo algumas localidades e cidades portuguesas”, explicou ao NÓS Luiz Alberto Moura, que deu conta da utilização intensiva de bases da “sociologia, antropologia, geografia e história” na abordagem feita na sua investigação que está a ser orientada por Jean-Martin Rabot e Moisés de Lemos Martins, ambos docentes do ICS e investigadores do CECS, e Paula Guerra, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.


Dezoito editoras que contam a história recente do país

Num recente artigo publicado que serve de base para a tese de doutoramento que está a finalizar, o investigador brasileiro detalhou o estudo em torno das 18 editoras musicais que foram analisadas durante o período em estudo. “Fiz um levantamento das bases de dados e descobri mais de 600 selos independentes. Entrevistei pessoas de várias localidades, falei com músicos, fãs e agentes musicais e juntei muito material de comunicação para definir uma metodologia de trabalho que, confesso, foi difícil de definir”, explicou Luiz Alberto Moura.

O investigador referiu que “a abordagem da investigação foca não só impacto que as editoras tiveram na produção da música, mas o seu impacto cultural, social e económico em Portugal, principalmente nos momentos de crise”. O doutorando da UMinho considerou por isso que “Portugal ficou conhecido fora de portas pela sua produção independente que é muito mais vanguardista e experimental do que o mainstream”, pois segue uma “linha de liberdade e experimentação artística” que se revela bastante interessante, reflexo da descentralização e evolução dos projetos e ideias musicais.


Algumas das editoras indie que marcaram a cena musical em Portugal nos últimos anos
Algumas das editoras indie que marcaram a cena musical em Portugal nos últimos anos


O Eurosonic como ponto de viragem

LuizAlberto Moura dividiu a sua análise em vários momentos que ajudam a situar historicamente o surgimento e evolução da cultura indie na cena musical lusa. Começa em 1982 com a criação da Fundação Atlântica e encerra em 2017 com Portugal como “country focus” do Eurosonic.

De 1982 a 1990 o investigador carateriza aquele que, no seu entender, foi um tempo de crise do pop/rock, do experimentalismo por novas sonoridades e da ignorância para lançar um álbum por conta própria. Os anos 90 foram de “expansão das fronteiras musicais em Portugal”, quer pela “descentralização - através do aparecimento de editoras em vários pontos do país – quer pelos novos diálogos e conexões que reescreveram o mapa cultural português. Estes foram anos da reafirmação da língua inglesa na música indie nacional, introduzindo algum ruído e criando condições para a “explosão do grunge de Seattle” que abriu os olhos para bandas como Nirvana, Pixies e Sonic Youth.

Os anos 2000 ficaram marcados pela “popularização da internet” e o acesso à música gravada e à troca e partilha de ficheiros. Essa “democratização”, para além de revolucionar a forma como se consomia música no Mundo e de ter aberto portas do mercado a editoras indie, originou também uma nova crise no setor musical (devido à pirataria e downloads ilegais) e o aparecimento e exploração de novos modelos de negócios que obrigam as editoras indie a reinventar-se na procura de outras formas de rendimento, como por exemplo através do agenciamento de artistas, produção e promoção de festivais.

De 2010 a 2017 assistiu-se a uma “(re)descoberta da música pop/indie portuguesa pela Europa”, escreveu Moura no seu artigo. O investigador afirmou que este foi um período em que as grandes editoras nacionais foram vencidas pelas editoras indie que revelaram um maior coletivismo e profissionalismo, fruto da sua aposta em modelos de negócio inovadores e mais arrojados que aproximavam esta música das cidades e das pessoas através da promoção e lançamento de bandas e produção de espetáculos e festivais. Foi também neste período que Portugal foi escolhido como “country focus” do Eurosonic, uma das maiores feiras de música independente do mundo, um acontecimento considerado pela imprensa nacional como um “ponto de viragem no indie nacional”. “O Eurosonic foi o grande ponto de viragem da música indie portuguesa ao nível da difusão internacional que potenciou”, sublinhou.



Um mundo musical para lá do fado e de Salvador Sobral

Nomes como Lovers & LollypopsRevolveFacadas na NoiteFlor CaveiraOmnichord RecordsBor LandAma RomantaMoneyland Record$Dansa do SomLux RecordChaputa Records, entre muitas outras, são nomes de algumas das editoras que deixaram e deixam uma marca significativa na cena indie nacional.

Luiz Alberto Moura não tem dúvidas: “Portugal tem hoje uma produção independente muito forte, muito caraterística, muito local e que não tem medo de cantar em inglês. Tem cultura muito rica e as bandas são também elas muito ricas e diferentes entre si. Há, por isso, editoras a fazerem trabalhos incríveis o que me leva a dizer que o ethos indie português existe e está bem presente”. Assumindo a vertente criativa e pró-ativa dos músicos nacionais, Luiz Alberto Moura acredita que “Portugal não é conhecido lá fora apenas pelo fado ou pelo Salvador Sobral - que venceu a Eurovisão - mas sim pela sua música moderna, de vanguarda e criativa”.

Depois de mergulhar na música indie nacional – que faz questão de passar no programa de rádio semanal que mantém no Brasil – Luiz Alberto Moura concluiu que “Portugal já está na rota do turismo musical”, lembrando que “as pessoas já viajam para Portugal não apenas para assistirem a um Primavera Sound ou NOS Alive, mas sim para ir a um Milhões de Festa (Barcelos), Tremor (Açores), Vai-me à Banda (Guimarães) ou Zigurfest (Lamego).” “As editoras estão a ajudar a colocar Portugal no mapa da música europeia e mundial”, frisou.