O vício dos videojogos começa no quarto dos jovens

28-07-2021 | Daniel Vieira da Silva

Alberto Crego estuda o tema no Laboratorio de Neurociência Psicológica do Centro de Investigação em Psicologia da UMinho

A dependência em videojogos revela-se principalmente em parte da população jovem

A utilização excessiva de videojogos pode resultar em problemas mentais e sociais (imagem: Link to Leaders)

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Alberto Crego, do Centro de Investigação em Psicologia, prepara o primeiro estudo nacional sobre esta dependência nos mais jovens, a qual pode ter implicações mentais e sociais preocupantes.




O investigador do Laboratório de Neurociência Psicológica do Centro de Investigação em Psicologia (CIPsi) da UMinho licenciou-se em Psicologia e doutorou-se em Neurociências pela Universidade de Santiago de Compostela (USC), em Espanha. Alberto Crego tem dedicado boa parte da sua pesquisa a perceber a atividade cerebral ligada e os processos cognitivos em estudantes universitários com consumo excessivo de álcool. Nos últimos meses, está a preparar-se para avaliar o impacto do uso excessivo de videojogos em Portugal, sobretudo nos mais jovens. Antes de arrancar o ano letivo com visitas a escolas, um estudo preliminar da sua equipa revelou que essa dependência de videojogos nos jovens pode estar relacionada com maior impulsividade, aéfices cognitivos e menor capacidade de empatia. A longo prazo, isso pode levar a problemas de foro mental, social e pessoal, realça Alberto Crego, em entrevista ao NÓS.


O que motivou a escolha do tema para o seu estudo?
Apesar de o meu percurso nas neurociências estar mais relacionado com o estudo dos efeitos cerebrais e cognitivos da adição, seja ela induzida pelo consumo abusivo de álcool (binge drinking) ou por outras dependências, em adolescentes e jovens adultos, nos últimos anos detetamos nesta faixa etária uma maior utilização de videojogos e consequente aparição de vários problemas a esta associados. Isso, juntamente com a nossa experiência no estudo de comportamentos aditivos entre os mais jovens, motivou-nos a estudar o verdadeiro impacto do uso excessivo de videojogos nesta população e se a nível neurocognitivo, comportamental e social seria equiparável ao vício noutras substâncias.

Como se irá desenvolver o estudo?
No Laboratorio de Neurociência Psicológica do CIPsi da UMinho estamos a começar um traballho com dois objetivos principais. Por um lado, fazer um estudo epidemiológico de grande escala nas escolas de Portugal para conhecer a incidência ou prevalência da perturbação de dependência do uso de videojogos entre os adolescentes portugueses. Aí, queremos conhecer a prevalência desse uso excessivo e, por outro lado, conhecer as caraterísticas sociodemográficas e psicológicas associadas ao padrão de uso excessivo, fazendo uma avaliação neurocognitiva destes adolescentes para conhecer se, apesar de não mostrar um quadro clínico de dependência, apresentam algum tipo de défice cognitivo ou anomalia no seu funcionamento neural que possa associar-se com este tipo de uso dos videojogos.

Mas já existe um estudo preliminar?
O estudo global deverá arrancar no início do próximo ano, com visitas às escolas. Nos últimos meses, fruto da situação pandémica, apenas pudemos desenvolver um estudo epidemiológico preliminar com mais de 100 estudantes de 12º ano. Mostrou que, tal como esperávamos, a prevalência da dependência do uso de videojogos é muito baixa (1,5%), mas o uso excessivo é bastante frequente, com valores superiores aos 5%, sendo mais nos homens do que nas mulheres. Além disso, mostrou que o uso excessivo de videojogos parece estar relacionado com uma maior impulsividade e menor capacidade de empatia. Em qualquer caso, ainda são resultados preliminares e com uma amostra muito pequena, que precisa de ser validada com amostras maiores.





Depressão, ansiedade e perturbações de personalidade podem ser consequências

Já existem estudos sobre o tema da dependência dos videojogos e que tenham como base estas permissas?
Embora seja um fenómeno recente, na última década tem havido muitos estudos nas neurociências sobre o tema. A maioria é estudos com população coreana e chinesa, onde há uma maior tradição de um uso intensivo dos videojogos e um maior número de viciados aos videojogos. No geral, os estudos parecem mostrar que estes jovens se caracterizam por padrões de ativação neural similares aos verificados com os viciados nas drogas, nomeadamente uma hiperatividade de estruturas cerebrais relacionadas com o prazer e o reforço e uma hipoativação de regiões cerebrais relacionadas com o controlo e a auto-regulação do nosso comportamento. O fraco funcionamento desta região cerebral, o córtex pré-frontal, parece dificultar o controlo dos fortes inputs produzidos pelos impulsos e desejos de consumir drogas ou usar os videojogos. Esta correspondência entre o vício às drogas e o vício aos videojogos parece indicar que o vício ou adição pode ser melhor conceptualizado como uma síndrome ou doença com etiologia comum, mas com manifestações diferentes. Para além disso, estudos recentes também parecem indicar que estes jovens e adolescentes com perturbação de uso de videojogos apresentam défices em funções cognitivas, como a atenção, a memória e dificuldades nas suas relações interpessoais.

O vício dos videojogos afeta maioritariamente os jovens. A que se deve?
Segundo o Instituto Nacional de Estatística, a população que mais utiliza a internet está situada entre os 16 e 24 anos, daí que, logicamente, é nesta franja etária onde se verifica uma maior incidência do vício ou dependência aos videojogos. Além disso, de maneira similar ao que acontece com as drogas ou outros comportamentos de risco, durante os anos da adolescência e do início da juventude, as mudanças neuroestruturais e neurofuncionais que acontecem no nosso cérebro predispõem os jovens à procura de novas experiências, a uma maior impulsividade e a um menor pensamento planeado e ao controlo do seu comportamento, tornando-os mais vulneráveis aos comportamentos de risco em comparação com os adultos. No entanto, é importante assinalar que os últimos estudos internacionais questionaram as características demográficas dos indivíduos que jogam videojogos em ambiente online e, assim, concluem que a atividade já não é apenas algo apenas circunscrito aos adolescentes, mas também se encontra alargada a muitos adultos. A idade média dos jogadores de videojogos online está situada entre os 25 e 30 anos de idade. Contudo, nestas idades há um maior controlo do nosso comportamento e, portanto, uma maior dificuldade para desenvolver um vício ou dependência aos videojogos.

O que pode esta dependência significar a longo prazo e que riscos estão a ela associados?
Ainda que não seja especialista em Psicologia Clínica, torna-se evidente que esta dependência pode provocar a longo prazo grandes prejuízos a nível pessoal, na saúde mental e na vivência social das pessoas. De facto, esta perturbação está muito associada - e é habitual que apareça em concomitância - com outras perturbações psicopatológicas, como problemas de depressão, ansiedade e perturbações de personalidade. Além disso, é habitual que estes jovens com dependência aos videojogos apresentem problemas de sono e dificuldades nas suas relações interpessoais e familiares.



Massively Multiplayer Online Role-Playing Games são os mais "viciantes"

Há predominância de algum formato de jogos nessa dependência?
A maioria dos casos está ligada a um tipo de videojogos online muito popular no mundo: os Massively Multiplayer Online Role-Playing Games (MMORPG). De facto, o envolvimento problemático e descontrolado em jogar MMORPG's é a atividade mais frequentemente reportada por pessoas que procuram ajuda para um problema ligado ao uso de videojogos. Isto não é mera casualidade, pois este tipo de jogos tem características que reforçam a sua natureza viciante, ou seja, um grande número de jogadores interage entre si num mundo virtual persistente. Esses jogadores assumem o papel de uma personagem fictícia e o controlo de muitas das ações dela. Outra característica importante deste tipo de jogos é, precisamente, a interação social. É, de facto, possível quando se joga comunicar facilmente com outros jogadores (via chat escrito ou de áudio). Foi demonstrado, em diferentes estudos transversais e longitudinais, que os players de MMORPG que reportam mais horas de jogo revelam mais frequentemente sinais de uso disfuncional, pior estado de saúde (por exemplo, mais cigarros fumados, menos exercício físico, pior qualidade de sono...) e maior interferência na vida real de socialização e trabalho académico. No entanto, outros géneros de jogos online (como os de estratégia em tempo real e os shooters na primeira pessoa) também começam a estar relacionados com casos de perturbação devido à utilização excessiva.

Qual é o tempo de jogo necessário para se caraterizar alguém como dependente de videojogos?
O que carateriza o vício ou a dependência do jogo não é exclusivamente o número de horas de jogo. Evidentemente, este é um fator muito importante e todos os viciados em videojogos jogam muitas horas, mas isso não é determinante. Todos os viciados jogam várias horas, mas nem todos os jovens que jogam muitas horas são viciados. Quando se fala em viciados em videojogos ou de jovens com perturbação por uso dos videojogos, o perfil típico de utilização seria de 8 a 10 horas ou mais por dia e pelo menos de 30 horas por semana, tipicamente em jogos de grupo baseados na internet. Mas juntamente com um grande número de horas de utilização devem concorrer sintomas clínicos que caraterizam de forma essencial esta perturbação, como a perda de controlo sobre o jogo e o seu uso continuado apesar das consequências negativas a nível pessoal, psicológico, familiar, social e/ou profissional.
 


Portugal deve estar na média europeia

Que evolução houve ao longo dos anos em relação à dependência dos videojogos?
Este é um fenómeno relativamente recente e até há bem pouco tempo não estava catalogado como perturbação psicopatológica. Neste sentido, a Associação Americana de Psicologia adicionou em 2013 este tipo de perturbação na terceira secção da sua última edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-5), no capítulo "Condições para a continuação de estudo", sugerindo que a proposta ainda não estava destinada a uso clínico, mas que a investigação sobre este tópico deveria ser encorajada. De igual modo, a Organização Mundial de Saúde reconheceu em 2018 o vício ao jogo como uma perturbação psicopatológica, classificando-a como um padrão persistente ou recorrente de comportamento de jogo, seja online ou offline, causando um descontrolo no uso do jogo, das prioridades do jogo sobre o quotidiano e da persistência da utilização de videojogos, mesmo sabendo que isso tem consequências negativas. Embora os esforços de investigação na área tenham aumentado, ainda há um debate contínuo e uma grande controvérsia sobre os critérios a usar e o grau da condição como sendo um problema de saúde mental.

Comparativamente a outros países, espera encontrar resultados semelhantes em Portugal?
Nos EUA e nos países do sudeste asiático, onde há mais tradição de uso de videojogos online, os valores começam a ser preocupantes, com prevalências entre os jovens e adolescentes com valores compreendidos entre 5% e 10%, respetivamente. Em países da Europa, os estudos epidemiológicos mais recentes indicam que apenas entre 1 e 2% dos adolescentes entre os 14 e 17 anos apresentam esta perturbação. Em Portugal não existe uma prevalência que possa ser estimada, pois até ao momento não houve qualquer estudo epidemiológico determinante sobre o tema. No entanto, não seria estranho encontrar prevalências similares às dos nossos países vizinhos.